domingo, 20 de março de 2016

Nacionalismo de direita, nacionalismo de esquerda

A manifestação de 1/03/2016 na avenida Paulista, em São Paulo. Midiaticamente, tratou-se de uma manifestação ''em defesa da democracia'', contra o movimento forçado de impeachment de Dilma Roussef e a defesa do Estado Democrático de Direito, ameaçado pela politização do poder judiciário. Na prática, muitos outros valores e reivindicações estavam lá.


 Há uma profunda diferença entre aquilo que podemos chamar de ''nacionalismo vermelho'' -- o nacionalismo de todos aqueles que, de social-democratas a comunistas, são parte da abstração conhecida como ''esquerda política'' -- e o nacionalismo daqueles (ou da maioria daqueles) que compareceram na ou apoiaram a manifestação de 13/03/2016, encabeçada por organizações como FIESP e por indivíduos como Jair Bolsonaro.

 O nacionalismo destes últimos ''pensa'' que a ''essência'' do Brasil são símbolos e a ordem social vigente: o Brasil deles (ou melhor, o que querem defender) é mais a bandeira azul, verde e amarela e da atual distribuição de renda do que a população brasileira (e seus interesses) em si; não lhes incomoda a pobreza de muitos, a quase guerra civil dentro de muitos bairros pobres, o racismo institucionalizado (hora velado, hora explícito) ou o sofrimento que a homofobia provoca em tantos meninos e meninas todo dia. Esbravejam contra a ''vergonha'' que estaríamos passando ''internacionalmente'' em virtude do escândalo de corrupção ''do PT'', mas não sentem vergonha de haver, ainda hoje, 36 milhões de brasileiros que não sabem se terão comida no dia seguinte (chegam a reclamar contra o Bolsa-Família, que busca garantir a comida no prato de cada família em troca da presença das crianças e jovens na escola!), de sermos o país que mais mata pessoas transgênero todo ano ou de que, em pleno século XXI, exportemos basicamente produtos primários, importando a maior parte dos bens de média e alta tecnologia que consumimos (mesmo tendo os recursos para produzir a maior parte deles aqui dentro).

 O nacionalismo ''esquerdista'', por sua vez, é muito mais uma paixão pelo nosso povo e pelo que o país, mais do que é, pode e deve ser: esse ''nacionalismo vermelho'' é um projeto de nação -- o ideal de um país soberano, rico, tecnologicamente desenvolvido, meritocrático (portanto mais igualitário) e livre dos males do machismo, da misoginia, do racismo e da LGBTfobia. Um país onde todos tenham acesso à saúde, à educação, à moradia e ao lazer de qualidade, e onde se possa fazer muito mais do que passar a vida trabalhando (''perder a vida a ganhá-la''), cada um recebendo do produto social o montante proporcional a seus próprios esforços. Internamente, podemos discordar quanto à eficiência desse ou daquele meio, da efetividade ou incapacidade do governo, da necessidade ou não de sair do capitalismo, mas os valores que possuímos nos unem.

 Nosso nacionalismo pode ser verde e amarelo se quiser, mas ele não se prende a isso -- e é algo muito maior do que tal.

Um comentário:

  1. Queria compartilhar o texto, no entanto discordo quanto ao apoio a uma "meritocracia vermelha", quando se fala em "proporcional a seus esforços" para medir a quantidade de riqueza a ser desfrutada por cada um. Acredito que essa linha de pensamento tenha muito mais a ver com os socialistas utópicos, principalmente Fourier, do que com a tradição comunista marxista.

    "De todos de acordo com suas capacidades, a todos de acordo com suas necessidades".

    ResponderExcluir