O texto abaixo é um trecho do artigo ''A economia política de Raúl Prebisch'', de Adolfo Gurrieri, incluso no livro ''O Manifesto Latino-Americano e outros ensaios'', uma coletânea de artigos de Prebisch organizada por Gurrieri e lançado pelo Centro Internacional Celso Furtado e pela editora Contraponto em 2011. Pretendo transcrever o artigo na íntegra e publicá-lo aqui posteriormente.
I. A ideia de desenvolvimento e a desigualdade internacional
Desde o início do caminho cepalino, Prebisch se orienta por uma ideia de desenvolvimento que manterá sem grandes mudanças em todos os trabalhos posteriores. Não por acaso, para defini-la de maneira sintética recorre à fórmula ''o progresso técnico e seus frutos'', pois ela evidencia seu vínculo com a tradição racionalista.
Poucas ideias influenciaram mais a cultura ocidental do que a de progresso, que alcança expressão mais plena com os filósofos do Iluminismo. Além de um ideal de aperfeiçoamento moral, ela também afirma a possibilidade de melhorar as condições materiais de vida, derrotando os antigos flagelos da fome, da enfermidade e da morte prematura, com o uso apropriado e sistemático da razão.
Ao definir sua ideia de desenvolvimento de maneira mais específica, ele recorre à visão dos economistas clássicos: o progresso técnico consiste em um processo de elevação dos níveis de produtividade real da força de trabalho, obtido com a adoção de métodos produtivos mais eficientes; os principais frutos desse processo são a elevação da renda e das condições de vida da população.
Mas seu ponto de partida foi a distribuição internacional do progresso técnico e de seus frutos: a evidência empírica mostra que há considerável desigualdade no nível médio de renda dos países industrializados e dos países produtores e exportadores de produtos primários. Isso tem uma enorme importância teórica e prática, pois refuta a justificação básica da teoria clássica sobre a divisão internacional do trabalho e do padrão histórico de desenvolvimento baseado em exportações de bens primários que predominou na América Latina até a crise de 1929.
Desde o início do caminho cepalino, Prebisch se orienta por uma ideia de desenvolvimento que manterá sem grandes mudanças em todos os trabalhos posteriores. Não por acaso, para defini-la de maneira sintética recorre à fórmula ''o progresso técnico e seus frutos'', pois ela evidencia seu vínculo com a tradição racionalista.
Poucas ideias influenciaram mais a cultura ocidental do que a de progresso, que alcança expressão mais plena com os filósofos do Iluminismo. Além de um ideal de aperfeiçoamento moral, ela também afirma a possibilidade de melhorar as condições materiais de vida, derrotando os antigos flagelos da fome, da enfermidade e da morte prematura, com o uso apropriado e sistemático da razão.
Ao definir sua ideia de desenvolvimento de maneira mais específica, ele recorre à visão dos economistas clássicos: o progresso técnico consiste em um processo de elevação dos níveis de produtividade real da força de trabalho, obtido com a adoção de métodos produtivos mais eficientes; os principais frutos desse processo são a elevação da renda e das condições de vida da população.
Mas seu ponto de partida foi a distribuição internacional do progresso técnico e de seus frutos: a evidência empírica mostra que há considerável desigualdade no nível médio de renda dos países industrializados e dos países produtores e exportadores de produtos primários. Isso tem uma enorme importância teórica e prática, pois refuta a justificação básica da teoria clássica sobre a divisão internacional do trabalho e do padrão histórico de desenvolvimento baseado em exportações de bens primários que predominou na América Latina até a crise de 1929.
As enormes vantagens do desenvolvimento da produtividade não chegaram à periferia em medida comparável à que a população desses grandes países conseguiu desfrutar. Daí as diferenças tão acentuadas nos níveis de vida das massas dessa e daquela. [...] Existe, pois, manifesto desequilíbrio. Qualquer que seja sua explicação ou o modo de justificá-lo, trata-se de um fato inquestionável que destrói a premissa básica do esquema da divisão internacional do trabalho. [1949: 1]
Como se sabe, a teoria do comércio internacional baseada no princípio das vantagens comparativas supõe que o intercâmbio entre países que se especializaram em produzir de acordo com a sua dotação de recursos permitirá reduzir ou eliminar a desigualdade na distribuição de renda para eles. As rendas dos países tenderiam a equiparar-se -- de maneira absoluta ou relativa, conforme os autores -- de modo que a divisão internacional do trabalho entre eles seria não só a mais eficiente do ponto de vista da alocação de recursos, mas também mais equitativa no que diz respeito à distribuição das rendas geradas no conjunto do sistema. De acordo com essa teoria,
o fruto do progresso técnico tende a repartir-se de maneira uniforme entre toda a coletividade, seja pela baixa de preços, seja pela alta equivalente das rendas. Mediante o intercâmbio internacional, os países produtores de bens primários obtêm sua parte naquele bolo. Não precisam, pois, industrializar-se. Tornando-se menos eficientes, perderiam as vantagens clássicas do intercâmbio. [ibid., p. 1]
Essa teoria redistributiva foi refutada pelos fatos. Com ela, foi refutada também a divisão internacional do trabalho que tanta importância teve na orientação das economias latino-americanas até a grande crise (de 1929). Ambas as refutações abriram um horizonte de problemas que representou o começo de um ''longo caminho de pesquisa e ação que teremos de percorrer se tivermos o firme propósito de resolvê-los'' [ibid., p. 1].
II. O sistema centro-periferia
O fato de os países da América Latina terem uma renda média bastante inferior à renda dos países industriais decorre, em última instância, de eles integrarem um sistema de relações internacionais que Prebisch denominou ''centro-periferia''. O desenvolvimento dessa hipótese é o cerne da sua teorização sobre o subdesenvolvimento latino-americano.
O sistema centro-periferia se forma historicamente a partir da geração e da difusão do progresso técnico, fenômeno que molda a ordem capitalista mundial.
O movimento começa na Inglaterra, prossegue com diferentes graus de intensidade no continente europeu, adquire um impulso extraordinário nos Estados Unidos e finalmente chega no Japão. [1950:1]
Esses países constituem os ''grandes centros industriais'' em torno dos quais se forma uma ''vasta e heterogênea periferia'' que se liga aos centros de um modo subordinado às necessidades deles. A difusão universal do progresso técnico configura as relações entre centro e periferia, dando lugar a um sistema cuja composição e cujo funcionamento -- características estruturais, funções de seus componentes, relações entre eles -- respondem às necessidades dos primeiros.
O desenvolvimento ''para fora'' constitui uma manifestação exemplar do sistema centro-periferia, pois se volta ''primordialmente para [satisfazer] as necessidades de produtos primários dos grandes centros industriais'' [1951:3], de acordo com a divisão internacional do trabalho que eles impõem. ''À América Latina, como parte da periferia do sistema econômico mundial, corresponde o papel específico de produzir alimentos e matérias-primas para os grandes centros industriais'' [1949:1]. Seu objetivo primordial não é elevar o nível de vida da população da periferia, mas permitir que os centros satisfaçam ''da maneira mais econômica o próprio consumo'' [1951:3]. Como a satisfação das necessidades dos centros é o princípio ordenador do sistema global, que influi decisivamente no modo como a periferia se desenvolve e no papel que cumprem os componentes do processo econômico; a partir desse processo desse princípio ordenador das estruturas econômicas periféricas compreende-se o papel assumido pelo comércio exterior, a profundidade com que penetra nas atividades econômicas e a população que abarca, a quantidade e as maneiras de participação do investimento estrangeiro, as formas tecnológicas predominantes, as pautas de consumo e de demanda, etc.
Submetido às condições impostas pelo sistema global, o progresso técnico chega à periferia de modo ''lento'' e ''irregular''. Lento porque ''no longo período que transcorre desde a Revolução Industrial até a Primeira Guerra Mundial, as novas formas de produzir [...] só abrangeram uma proporção reduzida da população mundial''; irregular porque elas só penetram naqueles reduzidos setores ''nos quais são necessárias para produzir alimentos e matérias-primas de baixo custo para os centros industriais'' [1950:1]. Os países periféricos desempenham uma ''função primária''. Inserem-se no sistema de maneira segmentada e estabelecem vínculos com os centros depois de passar por uma ''rigorosa seleção de atitudes''.
Essa penetração irregular do progresso técnico leva à coexistência de regiões, setores econômicos e grupos sociais com diferentes níveis níveis de produtividade e renda. A estrutura econômica se torna heterogênea.
Novas terras férteis que o desenvolvimento dos transportes tornou acessíveis na segunda metade do século XIX recebem homens, técnica e capitais para empreender a produção agrícola e mineradora que a demanda europeia requer cada vez mais, enquanto outras terras de cultivo secular, que sustentam antigas populações, ficam excluídas desse impressionante processo de expansão da técnica e da economia capitalistas por causa da menor produtividade ou do difícil acesso. Na América Latina, permanecem existindo extensas regiões relativamente importantes, do ponto de vista demográfico, nas quais as formas de exploração da terra e, em consequência, o nível de vida das massas são essencialmente pré-capitalistas. [1950:2]
O sistema centro-periferia dá aos países da periferia a possibilidade de cumprir uma função sempre que eles disponham dos recursos requeridos para isso ou da capacidade de mobilizá-los. A partir da necessidade inicial dos centros, o país periférico pode estabelecer uma vinculação com eles, desde que conte com condições estruturais que lhe concedam uma posição funcional no conjunto. Essa inter-relação de vínculos funcionais e condições estruturais condiciona em grande parte a inserção dos países periféricos no sistema global. Incia-se assim nesses países um processo de transformações cujas consequências -- como a já mencionada heterogeneidade nos níveis de produtividade e de renda causada pela penetração ''irregular'' do progresso técnico e pela especialização produtiva -- deixam uma profunda marca na estrutura econômica e social.
Mas a complexa teia de vínculos funcionais e de condições estruturais que definem a inserção periférica têm uma consequência que manifesta claramente o caráter subordinado dessa inserção no sistema global: a incapacidade de a periferia reter totalmente as rendas geradas por seu próprio desenvolvimento, Isso contribui para concentrar no centro as rendas geradas pelo conjunto do sistema.
Prebisch considera que, de um lado, o sistema centro-periferia, visto como um todo, funciona primordialmente para satisfazer as necessidades e interesses dos centros industriais, nos quais o progresso técnico se originou ou se difundiu com rapidez; de outro, os países periféricos se inserem no sistema na medida em que podem servir àqueles interesses e necessidades, fornecendo matérias-primas e alimentos e recebendo produtos manufaturados e capitais. Essa inserção não só é insuficiente para equiparar o nível de renda da periferia ao dos centros, mas também impõe à estrutura produtiva periférica dois traços negativos -- heterogeneidade estrutural e especialização -- como consequência da lenta e irregular penetração do progresso técnico. De tudo isso decorrem três desigualdades principais entre centro e periferia: na posição e na função que ocupam dentro do sistema, em suas estruturas produtivas em seus níveis médios de produtividade e de renda.
Esse esquema geral das relações centro-periferia, que Prebisch esboça em seus primeiros textos, refere-se à modalidade na qual a periferia desempenha o papel de produtora e exportadora de matérias-primas. Quando foi elaborado, não havia as outras formas de relação entre centros e periferia que correspondem a padrões de desenvolvimento vigentes depois, como os que se baseiam no investimento direto estrangeiro na indústria da periferia. Mas o esquema geral não contém nenhuma limitação que impeça a sua aplicação a essas outras modalidades, como de fato ocorreu quando elas passaram a predominar em alguns países latino-americanos. É equivocada a interpretação usual, segundo a qual esse esquema se reduziria a considerar somente as relações comerciais entre centro e periferia. O que o esquema destaca é a importância da forma como cada país periférico vincula-se aos centros e das características de sua estrutura econômica, que recebe e difunde o progresso técnico como consequência dessa vinculação. Esse processo condiciona a posição e a função da periferia, suas possibilidades de desenvolvimento e os problemas específicos que ela deve enfrentar para reorientar sua economia.
Essas razões explicam por que a hipótese do sistema centro-periferia teve tamanha fertilidade: podem-se usar argumentos convincentes para defender que a reflexão econômica, sociológica e política das últimas décadas contribuiu para enriquecê-la, mas não para superá-la, e que grande dos estudos e controvérsias sobre as relações econômicas internacionais, na América Latina e fora dela, teve relação com esse fecundo paradigma. Como exemplo dos avanços realizados a partir daquele esquema interpretativo podemos citar os estudos sobre o desenvolvimento baseado na transnacionalização das economias periféricas, com suas condições e consequências políticas -- especialmente as análises sobre o Estado ''burocrático-autoritário'' --, e os esforços analíticos para incorporar as estruturas de dominação como vínculos mediadores entre centros e periferia. Por isso não se deve estranhar que vários ensaios precursores tenham sido escritos no âmbito da CEPAL também sobre esses temas; um estudo da história desas ideias mostraria que elas constituem desenvolvimento teóricos que, subindo nos ombros do paradigma preexistente, puderam compreender uma realidade cambiante.
III. A deterioração dos termos de troca
Uma interpretação errônea afirma que naqueles anos Prebisch só se preocupou com as relações comerciais entre centros e periferia. Isso talvez decorra da atenção preferencial que ele dedicou à relação dos termos de intercâmbio entre produtos primários e industriais. Essa comparação dinâmica dos termos lhe parece interessante, pois se relaciona diretamente com as diferenças na produtividade e na renda médias dos dois tipos de países. Ele não considera, é claro, que a deterioração seja a causa última dessas diferenças, mas tão somente uma manifestação, no mercado internacional de bens, das profundas desigualdades estruturais, funcionais e de poder entre centros e periferia. Por isso analisa em detalhes as causas da deterioração para mostrar que elas surgem da estrutura e do funcionamento do sistema geral.
Se partirmos do plausível pressuposto de que a produtividade do trabalho aumentou no centro em ritmo maior que na periferia, a teoria convencional do comércio internacional só seria verdadeira se a relação de preços se tivesse movido a favor dos produtos primários. O maior ritmo de aumento da produtividade na produção industrial deveria provocar uma redução relativa de custos e preços dos bens industriais, promovendo maior equiparação das rendas.
Se a relação dos preços tivesse permanecido constante, sempre se admitindo que a produtividade cresce mais no centro que na periferia, a diferença na taxa de incremento da produtividade de cada um provocaria nos respectivos níveis de renda média uma desigualdade que teria sido tão ampla e crescente quanto aquela diferença. Finalmente, se os preços evoluíram de maneira desfavorável aos produtos primários -- ou seja, se esses preços ''se deterioraram'' perante os preços industriais --, isso significa que os centros não só retêm os ''frutos'' de seus próprios aumentos de produtividade, mas também se apropriam de uma parte daqueles gerados pela periferia.
À luz da evidência da estatística e analisando períodos prolongados, Prebisch afirma que isso ocorreu. A renda global gerada pelo sistema tende a concentrar-se nos centros, em contraposição à afirmação tradicional. Esse resultado é coerente com o que ele chama depois de ''caráter centrípeto do sistema centro-periferia''.
A evolução da relação de preços indica que os centros tiveram maior capacidade de reter as rendas que geraram e de se apropriar de uma parte das rendas produzidas pela periferia. Para Prebisch, as causas dessa capacidade desigual precisam ser buscadas na natureza do sistema. Essa busca o conduz a formular algumas hipóteses que o ajudam a compreender melhor a natureza do sistema.
Em princípio, o pressuposto de que a produtividade do trabalho aumentou mais no centro que na periferia baseia-se na existência de dois fatores principais: o maior potencial cientifico-tecnológico e a maior capacidade de acumulação de capital. Ambos os fatores constituem elementos-chave do dinamismo das economias centrais, que geram maior renda; não surpreende que também a retenham mais eficientemente.
Assinalar aquela disparidade de preços não implica fazer juízos sobre seu significado de outros pontos de vista. No que diz respeito à equidade, se poderia argumentar que os países que se esforçam para conseguir um alto grau de eficiência técnica não têm por que compartilhar os frutos dessa eficiência com o resto do mundo. [1949:5]
Adiante, ele diz que ''a proteção desse nível de vida, conseguido com muito esforço, tinha de prevalecer sobre as pretensas virtudes de um conceito acadêmico'' [1949:8]. Mesmo assim, como decorrência da maior capacidade de reter os resultados, os centros possuem também uma clara superioridade no que diz respeito à interação dinâmica entre acumulação, produtividade e renda; a periferia, ao contrário, padece do círculo vicioso em que são precárias a produtividade, a renda e a acumulação. Por meio de quais mecanismos os centros retêm a renda gerada pelos aumentos de produtividade e se apropriam de parte da renda gerada na periferia? Prebisch deseja ir além da explicação baseada no desejo dos centros, pois a teoria tradicional também reconhecia o interesse em reter os frutos do progresso técnico, mas defendia que de todo modo esses frutos se transfeririam para a periferia, de forma equitativa, graças à ação das forças de mercado.
A primeira causa que explica a capacidade de retenção dos centros é a relativa imobilidade da força de trabalho, o que já havia sido reconhecido por alguns economistas neoclássicos. Ao observar o que ocorreu nos Estados Unidos, Prebisch conclui que os incrementos de produtividade e de renda que começam nos setores industriais mais dinâmicos tendem a difundir-se para o restante da economia. O setor dinâmico aumenta sua demanda por trabalho, o que eleva os salários nele; maiores salários aumentam a demanda dos bens que ele produz e de outros bens e serviços, o que aumenta a ocupação e os preços relativos desses bens e dos fatores de produção correspondentes. Porém, essa elevação não conduz a uma equiparação; por isso, os países centrais adotam medidas para proteger os preços dos bens agropecuários e/ou as rendas dos produtores desses bens. Mas esse processo autossustentado é ainda mais limitado na relação entre países centrais e periféricos, pois entre eles a força de trabalho tem menos mobilidade; se a força de trabalho da periferia pudesse se transferir aos centros para se incorporar ao processo de industrialização, não só teria sido possível aumentar sua produtividade e suas rendas, mas também se tornaria possível interromper a queda dos salários e dos preços de produtos primários de exportação da periferia. Se, dentro do sistema centro-periferia,
a população ativa tivesse mobilidade perfeita e a migração não enfrentasse resistências, e se o rápido desenvolvimento da indústria e das demais atividades pudesse absorver com rapidez a sobra real ou potencial de gente ativa, existiria uma nítida tendência ao nivelamento dos salários nas economias primárias e industriais. [1950:51]
Dada a menor mobilidade relativa da força de trabalho em nível internacional,
na produção primária [da periferia] tende a existir uma sobra de população ativa que exerce uma pressão desfavorável sobre os salários e os preços primários. Essa tendência nasce, de um lado, do incremento relativamente forte da população nas regiões de produção primária e, de outro, do progresso técnico, que requer menos gente para obter a mesma quantidade de produtos. [1950:50]
Na visão de Prebisch, a oferta abundante de força de trabalho na periferia, que não pode transpor os limites dos Estados nacionais, se agrava por causa da difusão do progresso técnico, que, de um lado, propicia um aumento da população e, de outro, induz à adoção de técnicas que economizam mão de obra.
Em segundo lugar, Prebisch destaca a maior capacidade dos agentes produtivos dos centros -- empresários e trabalhadores -- para defender e aumentar suas rendas, fenômeno que ele analisa levando em consideração as flutuações cíclicas.
Na fase ascendente, parte dos ganhos se transforma em aumento de sala´rios, seja pela concorrência entre os empresários, seja pela pressão das organizações de trabalhadores. Na fase descendente, quando os ganhos diminuem, aquela parte que nos centros se transformou em aumentos salariais já perdeu sua fluidez por causa da reconhecida resistência á diminuição de salários. A pressão se desloca com mais força para a periferia, pois nela, dadas as limitações de sua concorrência, não são rígidos os salários e os ganhos. Quanto menor a possibilidade de se comprimirem as rendas do centro, maior a pressão para fazê-lo na periferia. A desorganização característica das massas que trabalham na produção primária, especialmente na agricultura dos países da periferia, as impedem de conseguir aumentos de salário compatíveis aos dos países industriais, ou mesmo de manter seus ganhos. A compressão das rendas é menos difícil na periferia. [1949:7]
A esses fatores que contribuem para reforçar a capacidade de os centros reterem ou aumentarem suas rendas somam-se, em terceiro lugar, políticas diretas adotadas com essa finalidade.
Os países com altas rendas adotam medidas para evitar que países com rendas mais baixas lhes façam concorrência prejudicial em certos setores, graças a essas menores rendas ou à maior produtividade, ou a uma combinação favorável de níveis de renda e de produtividade. [1950:86]
Essas políticas são particularmente claras no caso da agricultura dos centros, que é protegida no mercado interno e subsidiada no externo, mas também são aplicadas em indústrias que têm altos custos por apresentarem uma relação desfavorável entre produtividade e salários, devendo, pois, ser protegidas de competidores externos. Os centros se fecham para defender sua renda, impedindo que ela vaze para o exterior.
Além da influência que essas medidas protecionistas exercem sobre as exportações periféricas -- e, como consequência, sobre os preços delas --, Prebisch observa, em quarto lugar, que a dinâmica do desenvolvimento dos centros conspira contra o aumento das exportações primárias.
Depois de analisar as exportações da América Latina para os Estados Unidos e a Inglaterra, ele conclui que a demanda desses países cai -- por causa de queda nas rendas, restrições à importação, etc. -- e por isso os preços dos produtos primários baixam sem que se produza, como se poderia esperar, uma reativação da demanda. No período de 1925 a 1948, que Prebisch estuda, os Estados Unidos subordinaram claramente as importações primárias à evolução da sua renda real, sem deixar que as quedas de preços os afetassem significativamente. Por isso Prebisch afirma que os centros impõem limites às exportações primárias, limites que a periferia não pode ultrapassar; se pretende fazê-lo, só conseguirá ''forçar as exportações em prejuízo dos termos de intercâmbio, sem obter um aumento substancial no valor exportado'' [1950:33].
No ensaio de 1951 ele relaciona as importações de centro e periferia à evolução das respectivas rendas. Por um lado, ''as importações de produtos primários nos centros industriais tendem a crescer com menos intensidade que a renda real. Em outras palavras: nos centros, a elasticidade-renda da demanda de importações primárias tende a ser menor que a unidade'' [1951:23]. Isso se deve a diversos motivos, que variam conforme os produtos; entre eles destacam-se o menor e melhor uso de matérias-primas nos bens finais, a difusão de materiais sintéticos e as alterações na cesta de consumo, por causa do crescimento da renda, em prejuízo relativo dos alimentos e a favor de bens industriais mais elaborados e de serviços (lei de Engel). Por outro lado, os países periféricos precisam importar bens de capital e outros bens manufaturados para satisfazer suas necessidades de acumulação e de crescimento da renda. Combinados, os dois processos produzem uma ''disparidade dinâmica de importações entre centro e periferia''. Ela inclina a balança a favor dos preços dos bens produzidos nos centros, contribuindo para deteriorar os preços dos bens produzidos pela periferia.
O dinamismo do desenvolvimento da periferia subordina-se ao dos centros, e a disparidade de elasticidade provoca vulnerabilidade externa. Ambos são manifestações da posição dependente da periferia no sistema, assim como a abundante oferta de trabalho expressa o caráter especializado e heterogêneo de sua estrutura produtiva. Esse caráter dependente se confirma quando Prebisch pergunta o que aconteceria se a periferia decidisse defender com firmeza os preços dos seus produtos de exportação. Ele conclui que, na maior parte dos casos, embora nem sempre, a diminuição da demanda dos centros ''será tão forte quanto seja necessário para conseguir comprimir as rendas no setor primário'' [1949:7], pois a demanda de bens primários é ''induzida'' pela de bens industriais.
A indústria contém um elemento dinâmico que a produção primária não contém em grau comparável. Esta, como o nome indica, corresponde às primeiras etapas do processo produtivo, enquanto a indústria corresponde às etapas subsequentes. Por causa dessa posição relativa de ambas as atividades, o aumento da atividade industrial puxa a atividade primária, mas esta não tem o poder de estimular a atividade industrial. [1950:52]
Essa posição subordinada das atividades primárias em relação às industriais no processo produtivo global
transfere irresistivelmente à periferia a tarefa de reduzir o valor da oferta [de modo a torná-la compatível com uma demanda que também diminui], de maneira que quanto mais tenham subido os salários [nos centros] na fase ascendente do ciclo e quanto mais rígidos eles forem na fase descendente, tanto maior será a pressão dos centros sobre a periferia, mediante a redução da demanda de produtos primários e a subsequente queda nos seus preços. [1950:63]
Em síntese: por seu potencial técnico-científico e de acumulação de capital, os centros obtêm incrementos de produtividade muito superiores aos da periferia; especializam-se em produzir os bens cuja demanda é crescente em relação à renda; controlam o dinamismo econômico pela posição de liderança que a demanda de bens industriais tem em relação à de bens primários; contam com uma estrutura econômica e social que favorece a capacidade de seus agentes econômicos para reter renda, se comparados com os da periferia, por causa de maior homogeneidade, maior diversificação produtiva e melhor organização empresarial e sindical; finalmente, lançam mão de medidas diretas para proteger sua renda da competitividade externa. Por causa desse conjunto de condições,
os grandes centros industriais não só retêm o fruto da aplicação das inovações técnicas em suas economias, mas também estão em posição favorável para captar uma parte do que tem origem no progresso técnico da periferia. [1949:7]
IV. A condição periférica
Quando refletimos sobre o diagnóstico que Prebisch apresenta, e que resumimos nas páginas anteriores, fica evidente que, para ele, há uma espécie de ''condição periférica'', caracterizada pela posição funcional, a estrutura econômica, o atraso na relação com os centros, a capacidade dinâmica e todas as consequências que decorrem disso. É importante reconhecer essa condição, pois ela mostra, de um lado, a situação que deve ser superada pela política de desenvolvimento e, de outro, o arsenal no qual se devem obter os principais meios de ação; se não a levamos em conta -- como estímulo, obstáculo ou meio --, corremos o grave risco de sugerir remédios inapropriados ou contraproducentes.
A crítica fundamental que Prebisch formula contra a teoria convenciona é justamente aquela de que ela não leva em consideração as peculiaridades da condição periférica, atribuindo a si mesma uma validade universal que não possui. Essas peculiaridades obrigam a questionar os pressupostos e as políticas indicadas pela teoria tradicional, de modo a adaptá-los, transformá-los ou descartá-los, conforme seu grau de coerência com o objetivo de desenvolvimento.
A condição periférica é una e múltipla ao mesmo tempo. É una, considerada como um conjunto de proposições gerais que definem uma condição ''típica'' a partir da análise de situações concretas variadas. Essa unidade conceitual responde a várias finalidades: apresenta com clareza os problemas centrais do desenvolvimento periférico, orienta a pesquisa e a ação e permite agregar vontades a favor da transformação desejada. Mas não se deve supor que ela descreva os países tal como existem. A partir dessa caracterização geral deve começar o estudo das múltiplas situações particulares.
Prebisch previne reiteradamente contra a tentação de se atribuir à ''condição periférica'', definida genericamente, um falso sentido de universalidade. Esse conceito não é uma matriz construída para aprisionar a realidade, mas sim um esquema que nos liberta dos nós da teoria convencional e aponta algumas áreas-problema que constituem o núcleo da questão do desenvolvimento. A partir dela devem-se analisar situações concretas, pois só essa análise pode servir de base a uma política de desenvolvimento nacional, racionalmente concebida.
Apesar de esses países [os latino-americanos] terem tantos problemas semelhantes, não conseguimos sequer examiná-los e esclarecê-los em conjunto. Portanto, não se deve estranhar que os estudos sobre a economia dos países da América Latina frequentemente privilegiam o critério ou a experiência específica dos grandes centros da economia mundial. Deles não podemos esperar soluções que digam respeito diretamente a nós. Portanto, é pertinente apresentar com clareza o caso dos países latino-americanos, a fim de que seus interesses, aspirações e possibilidades, ressalvadas as diferenças e especificidades, se integrem de maneira adequada em fórmulas gerais de cooperação econômica internacional. [1949:1-2]
Bibliografia
Os seguintes textos de Prebisch foram usados neste trecho:
1949: ''El desarollo económico de la América Latina y algunos de sus principales problemas''. A primeira versão apareceu em maio de 1949, mas está citado aqui de acordo com a sua versão publicada sem modificações no Bolletín Económico de la América Latina, v. VIII, n. 1, fevereiro de 1962, p. 1-24.
1950: ''Estudio económico de América Latina, 1949''. A primeira versão apareceu em 1950, mas está citado aqui de acordo com a versão publicada sob o título ''Interpretación del proceso de desarollo latinoamericano en 1949'', série comemorativa do XXV aniversário da CEPAL, Santigo do Chile, 1973.
1951: ''Problemas teóricos y prácticos del crecimiento económico''. A primeira versão apareceu em 1951, mas está citado aqui de acordo com a versão publicada na série comemorativa do XXV aniversário da CEPAL.
Sugestões de leitura sobre o tema:
CARCANHOLO, Marcelo. Desafios e perspectivas para a América Latina do século XXI.
_____________________. Dialética do desenvolvimento periférico.
GUNDER FRANK, Andre. The development of underdevelopment.
_____________________. Capitalism and underdevelopment in Latin America.
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_____________________. Capitalism and underdevelopment in Latin America.
MARINI, Ruy Mauro. Dialética da dependência.
VERNENGO, Matías. Back to the future: Latin America's current development strategy and it's limitations.
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_________________. What do undergads really need to know about trade and finance?.
_________________. Desmistifying the principles of comparative advantages: implications for developing countries.
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