terça-feira, 29 de julho de 2014
Por que o governo simplesmente não aumenta os salários?
Essa é uma pergunta que todos se fazem, ainda mais depois que o DIEESE estipulou que somente com um salário-mínimo de R$2000 todos poderiam ter um padrão de vida aceitável. A resposta - ao contrário da versão ''senso-comum'' de que o governo federal é simplesmente fdp e quer o sofrimento dos assalariados - exige um certo conhecimento de economia e história do Brasil.
Por conta dos empréstimos feitos entre 1964 e 2003, o atual governo tem de manter uma política de juros altos e contenção monetária para obter dólares que possibilitem pagar a dívida - que em 2002 chegara a representar 60% do PIB.
Por isso, o pequeno e o médio empresários - que majoritariamente obtêm seu capital de empréstimos - começam seus negócios já bem endividados, e incluem o valor do pagamento dessa dívida no preço de seus produtos. Suponhamos que José é dono de uma pequena fábrica, com 4 funcionários. Ele divide sua renda mensal da seguinte forma:
*R$2880 (4x720) + R$200 (contas de água e luz) + R$400 (gastos com matéria-prima) = R$3480, que constituem o capital circulante e que foi o dinheiro necessário para começar o negócio. Também chamado de custo de produção.
*R$200 que ele usa para pagar as parcelas do empréstimo que fez e, no futuro, fazer reparos nos instrumentos de trabalho/máquinas; é o capital fixo.
*R$3000, que constituem o ''lucro'' dele, o dinheiro que usa para viver confortável.
José precisa, portanto, que sua mercadoria retorne R$6680 todo mês, por pelo menos cerca de dois anos (empréstimo de R$3080 com juros de 2% ao mês, pago em vinte e seis parcelas de R$200 e uma de R$20; um total de R$5520).
Se trocarmos o valor dos salários de R$720 pelos R$2000 do DIEESE, o custo de produção sobe de R$3480 para R$8600! José, que não quer falir nem contrair mais dívidas, faz o óbvio: corta gastos. Ele despede 3 dos 4 funcionários e reduz os gastos com matéria-prima em 3/4, o que faz sua arrecadação mínima necessária descer de R$11800 (R$8600 + R$3200) para R$5500 (R$2300 + R$3200). Suponhamos que os funcionários de José produzissem juntos 100 peças; agora, a produção total será de apenas 25. Para fechar suas contas, José tem de aumentar o preço da unidade de seu produto de R$66,80 para R$220; uma inflação de 328%! (Se um pãozinho que custasse inicialmente R$0,25 sofresse a mesma inflação, passaria a custar R$0,82!) Isto é o que os economistas chamam de estagflação: estagnação produtiva (redução da produtividade) junto à subida dos preços de mercado. Para manter a taxa/proporção de lucro de antes (e, portanto, o padrão de vida de antes), José teria de aumentar ainda mais o preço de seu produto. O cálculo seguinte apresenta a proporção do lucro de José sobre o capital total envolvido na produção com o salário mínimo de R$720,00:
3000/6680 = aprox. 0.45, ou seja: 45%.
Tendo o custo de vida em geral aumentado na mesma proporção que o salário mínimo, e sendo y a variável que representa o valor em dinheiro que José deverá guardar para si, tem-se uma nova equação:
y/(8800 + y) = 0.45
y = 0.45x8800 + 0.45y
y = 3960 + 0.45y
3960 = 0.55y
y = aprox. 7200
Com um só funcionário, a nova arrecadação mínima necessária de José obedecerá as seguintes contas:
R$2300 + R$7200 = R$9500
O preço dos produtos do nosso empreendedor também aumentarão:
R$9500/25 = R$380
Por fim, tem-se uma inflação de 614% em relação ao preço original (R$61,80).
Uma situação dessas gera um espiral de desemprego, que por sua vez conduz à queda dos salários (empresários reduzirão os salários de quem recebe mais para compensar o aumento do salário dos funcionários que recebem salário mínimo, de forma que mantenham seu volume de lucro) e concentração de capitais, já que muitas empresas faliriam por falta de demanda (os assalariados que ganhariam R$2000 não comprariam produtos que estão 3 ou mais vezes mais caros que antes só porque tiveram aumento). Uma situação do tipo só se normalizaria com uma grande entrada de moeda no mercado, para estimular o consumo e subsidiar a produção. Infelizmente, nossos tecnocratas monetaristas desaconselhariam o projeto, afirmando que ele poderia - veja só - causar inflação¹. A outra opção seria deixar o mercado se ''autorregular'', isto é: permitir a formação de poderosos monopólios e oligopólios enquanto toda a antiga classe de pequenos capitalistas adentra a classe trabalhadora, submetendo-se às condições da grande burguesia, os possuidores de capital grande o suficiente para suportar a crise e incorporar a demanda que antes era atendida pelos concorrentes menores.
1 - Segundo o modelo monetarista, com a oferta dada, os preços se reduzem em resposta a uma queda da quantidade de dinheiro, com ou sem excesso de demanda. No modelo keynesiano, os preços caem significativamente somente se a situação inicial era de excesso de demanda. Caso contrário, o efeito principal é uma redução da quantidade produzida e um aumento do desemprego - algo semelhante ao que ocorreu durante o governo de Campos Sales (1898-1902), que tentou combater a inflação através de redução da quantidade de moeda circulante no país, seja por ''confisco'' ou corte dos investimentos públicos [o que também, teoricamente, contribuiria para gerar superávits primários - receita (total de impostos arrecadados) superando as despesas]. O resultado da política econômica de Campos Sales foi falência de indústrias e desemprego em massa, fruto da insuficiência de dinheiro circulante para atender o mercado interno. Quanto à inflação? Poucos anos depois ela estava de volta - e os déficits orçamentários também.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário