segunda-feira, 7 de julho de 2014

Indústria do terror, banalização da violência e suicídio de classe

Em nome da ''família'', da ''tradição'', da ''religião'', dos ''bons costumes'' e do ''anticomunismo'', fascistas na Europa e na América convenceram milhares de pessoas. Os integralistas eram sua vertente brasileira. 


 Com a popularização dos televisores e a busca de lucro por parte das emissoras, um subgênero de entretenimento teve, recentemente, origem: trata-se do programa policial sensacionalista. Todos conhecem o modelo: um apresentador briguento, falastrão e, não-raro, de uma ignorância humanística e científica absurda; várias notícias sobre crimes que, quase explicitamente e mesmo que ocorram numa taxa irrisória, tentam passar a impressão de que o ''cidadão de bem'' está sob ameaça constante e, às vezes, alguma figura humorística que materializa as opiniões e preconceitos da própria população. Não nos esqueçamos da pregação religiosa básica, sempre afirmando que estamos no ''fim dos tempos'', a um passo do Julgamento.

 Forçada pelo nosso sistema econômico a trabalhar o dia inteiro e muitas vezes possuindo uma educação e formação intelectual deprimente, a classe trabalhadora - que se encontra exausta demais para qualquer reflexão crítica da nossa realidade e para quem o teatro ou a literatura são entretenimentos impensáveis, quase impossíveis - cai como uma vítima de hipnose sob essa demagogia televisiva. Os apresentadores impressionam-lhes como profetas, e as afirmações destes, como opiniões que chega a ser imoral contestar.

 Pois bem: é este tipo de programa que eu chamo de ''indústria do terror'', e não sem razão. A i.d.t. oculta os motivos da existência de pobreza (sempre reforçando que o estado de perigo em que o ''trabalhador'' se encontra, ignorando a verdadeira violência que as camadas mais pobres sofrem com o descaso do Estado burguês: fome, inacesso à cultura, submissão aos exageros dos trogloditas policiais e a ausência de uma educação de qualidade e de possibilidades de vida que só são estão a disposição dos mais ricos, de quem a riqueza é muitas vezes o resultado da expropriação do trabalho alheio) e faz com que os trabalhadores tenham ódio de criminosos da categoria ''assaltante'', especialmente os menores de idade (e persiste - contra toda estatística HONESTA dos dados da criminalidade - que os crimes hediondos são a maioria entre os delitos cometidos por aqueles, numa descarada apologia dessa medida trágica que viria a ser a redução da maioridade penal).

 Tais coisas levam a classe a jamais contestar sua situação e também a apoiar medidas de extermínio de si mesma que visam a proteger a burguesia e a classe média alta daquilo que é, na maioria das vezes, resultado das atividades da primeira: os crimes que tem por causa a desigualdade econômica. Simultaneamente, o contato constante com os piores casos possíveis de violência retiram a sensibilidade do espectador quanto à mesma - o que, de certa forma, ''naturaliza'' e legitima todo tipo de agressão e crueldade.

 Não nos enganemos, companheiros. A indústria do terror - essa versão moderna dos autos da fé medievais, onde centenas (talvez milhares) eram torturados e mortos perante uma multidão vibrante, que não possuía quaisquer outras atividades de lazer senão as missas - é uma arma da elite contra nós. É uma tentativa de demonizar aqueles que acabaram por abandonar os meios dignos de sobrevivência, é verdade; mas que jamais o fariam se a situação não quase os forçasse a isso. Ela é uma forma de destruir a classe trabalhadora por dentro, inviabilizando nossa luta por aquilo que nós é direito: uma vida digna.

 Não quero inocentar criminosos aqui, dizer que são santinhos; não são. Sempre há alternativas ao crime. Mas faço questão de reiterar: vivemos na sociedade onde mesmo os deuses das grandes religiões sucumbiram perante o todo-poderoso dinheiro. Uma sociedade onde, para se comer bem, morar bem, ter boa imagem pública ou mesmo conquistar a pessoa amada, é exigido o tempo todo que se tenha dinheiro dinheiro dinheiro dinheiro dinheiro. A possibilidade de se concretizar enquanto pessoa humana, culta e feliz já foi ceifada da maior parte da nossa população simplesmente ao nascer. As nossas políticas  de Estado, tipicamente neoliberais, geram uma grande massa de trabalhadores pobres cuja consciência ingênua (uma vez que sua educação é sofrível, ausente de qualquer estímulo ao pensamento crítico) é tomada por pastores, padres e líderes desonestos que só sabem se ater ao reacionarismo, inviabilizando mudanças há muito necessárias.

 Essa situação perigosa, que combina o fundamentalismo religioso e um apoio estrito ao aparato policial/militar de violência, é um ovo de serpente. Tratemos de combatê-la enquanto há tempo.

 Gostaria de sugerir alguns materiais para leitura e visualização:
https://www.youtube.com/watch?v=2n4Och9XnBY
https://www.youtube.com/watch?v=r4sfnf0xtNI
https://www.youtube.com/watch?v=n9Xo4pS_hoc
https://www.youtube.com/watch?v=Lle8mzAOkPE
http://colunastortas.wordpress.com/2013/12/08/medo-liquido-zygmunt-bauman-uma-resenha/
http://bertonesousa.wordpress.com/2013/01/26/da-social-democracia-ao-neoliberalismo/

2 comentários:

  1. Esse tipo de programa só serve para implantar o terror na população para que ela se convença de que o estado não está sendo capaz de resolver o problema da violência. Como se a violência fosse um produto de malcaratismo e não de uma sistema excludente que privilegia só alguns. É privatização no seu perfil mais vil, pois implanta na população que ela tem de se proteger dos monstro, contratando empresas de blindagem de carros, de segurança predial e privatização da polícia e do sistema prisional porque o Estado é ineficiente. Ao mesmo tempo em que se pede para o estado cortar impostos que poderiam ser usados para melhorar a vida da população mais carente de equipamentos públicos.

    É neoliberalismo que se beneficia do senso comum reacionário tão comum no brasileiro médio.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Caraca, Tiago! Eu tinha incluindo essas coisas (empresas de blindagem, de segurança de condomínios e tal) num texto anterior sobre a indústria do terror, mas nem me lembrei disso quando escrevi esse aqui. Obrigadaço pelo lembrete =D

      Excluir