sexta-feira, 18 de julho de 2014
Nietzsche e os sacerdotes
''O sacerdote, essa espécie parasitária que existe às custas da toda vida sã, usa o nome de Deus em vão: chama o estado da sociedade humana no qual ele próprio determina o valor de todas as coisas de “o reino de Deus”; chama os meios através dos quais esse estado é alcançado de “vontade de Deus”; com um cinismo glacial, avalia todos povos, todas épocas e todos indivíduos através de seu grau de subserviência ou oposição do poder da ordem sacerdotal. Observemo-lo em serviço: pelas mãos do sacerdócio judaico a grande época de Israel transfigurou-se em uma época de declínio; a Diáspora, com sua longa série de infortúnios, foi transformada em uma punição pela grande época — na qual os sacerdotes ainda não significavam nada. Transformaram, de acordo com suas necessidades, os heróis poderosos e absolutamente livres da história de Israel ou em fanáticos miseráveis e hipócritas, ou em homens totalmente “ímpios”. Reduziram todos grandes acontecimentos à estúpida fórmula: “obedientes ou desobedientes a Deus”. — E foram mais adiante: a “vontade de Deus” (em outras palavras, as condições necessárias para a preservação do poder dos sacerdotes) tinha de ser determinada — e para tal fim necessitavam de uma “revelação”. Dizendo de modo mais claro, uma enorme fraude literária teve de ser perpetrada, “sagradas escrituras” tiveram de ser forjadas — e então, com grandiosa pompa hierática e dias penitência e muita lamentação pelos longos dias de “pecado” agora terminados, foram devidamente publicadas. A “vontade de Deus”, ao que parece, há muito já havia sido estabelecida; o problema foi que a humanidade negligenciou as “sagradas escrituras”… Mas a “vontade de Deus” já havia sido revelada a Moisés… O que ocorreu? Simplesmente isto: os sacerdotes tinham formulado, de uma vez por todas e com a mais estrita meticulosidade, que tributos deveriam ser-lhe pagos, desde o maior até o menor (— não se esquecendo dos mais apetitosos cortes de carne, pois o sacerdote é um grande apreciador de bifes); em suma, ele disse o que desejava ter, qual era a “vontade de Deus”… Desse tempo em diante as coisas se organizam de tal modo que o sacerdote tornou-se indispensável em todos os lugares; em todos os importantes eventos naturais da vida, no nascimento, no casamento, na enfermidade, na morte, para não falar no “sacrifício” (ou seja, na ceia), o sacro-parasita se apresenta para os desnaturalizar — na expressão usada por ele próprio, para “santificá-los”… Para que se entenda isto, é bom salientar o seguinte: que todo hábito natural, toda instituição natural (o Estado, a administração da Justiça, o casamento, os cuidados prestados aos doentes e pobres), tudo que é exigido pelo instinto vital, em suma, tudo que tem valor em si mesmo é reduzido a algo absolutamente imprestável e até transformado no oposto ao que é valoroso pelo o parasitismo dos sacerdotes (ou, se alguém preferir, pela “ordem moral do mundo”). O fato precisa de uma sanção — um poder para criar valores faz-se necessário, e tal poder só pode valorar através da negação da natureza… O sacerdote deprecia e profana a natureza: esse é o preço para que possa existir. — A desobediência a Deus, ou seja, a desobediência ao sacerdote, à lei, agora porta o nome de “pecado”; os meios prescritos para a “reconciliação com Deus” são, é claro, precisamente os que induzem mais eficientemente um indivíduo a sujeitar-se ao sacerdote; apenas ele “salva”. Considerados psicologicamente, os “pecados” são indispensáveis em toda sociedade organizada sobre fundamentos eclesiásticos; são os únicos instrumentos confiáveis de poder; o sacerdote vive do pecado; tem necessidade de que existam “pecadores”… Axioma Supremo: “Deus perdoa a todo aquele que faz penitência” — ou, em outras palavras, a todo aquele que se submete ao sacerdote.''
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