quarta-feira, 4 de junho de 2014

Triste Kapteyn, por Alastair Reynolds

*Conto feito a respeito da descoberta do planeta Kapteyn b, da qual pode ser lido mais aqui.


''Olá, Terra. Sou eu de novo.

Eu espero que você esteja recebendo minha mensagem alto e claro.

Você vai ficar feliz em saber que eu me alarmei depois desse longo cruzeiro interestelar. Tendo feito um completo check-up da saúde, posso confirmar que todos os meus aspectos estão operando 'nominalmente'. Mais do que 'nominalmente', verdade seja dita. Correndo o risco de estar me ostentando, digo que realmente estou em excelente forma. Propulsão, núcleo AI, sensores de longo alcance e câmaras de instrumentação, navegação e comunicação - eu não poderia estar em melhores condições.

Nada mau para um pedaço de hardware espacial que já visitou seis sistemas solares, sem jamais precisar voltar para casa. De fato, eu não posso pegar o crédito para mim mesmo. Eu apenas fui produzido - moldado para resistir por milhares de anos.

Mesmo assim, obrigado por ter me feito.

Vamos para os negócios, enfim - e eu mal posso começar a te contar o que eu achei, aqui perto da estrela de Kapteyn! Isso é realmente um lugar extraordinário - um sistema solar diferente de qualquer um que eu á visitei. Eu queria que você estivesse aqui comigo, vendo as coisas através dos meus olhos.

Eu procurei em meus arquivos e entendi o por quê de você ter me enviado à estrela de Kapteyn. Diferente dos outros sistemas que já visitei, esse sol e essa pequena família de mundos não são parte de uma família normal de estrelas orbitando no disco e bojo de uma galáxia. Essa é uma estrela de halo - membra de uma população dispersa de estrelas e aglomerados de estrelas, encerrando a Via Láctea em uma grande esfera fina. É inteiramente possível que essas estrelas, originalmente, não tenham sido originalmente parte de nossa galáxia, mas tenham sido rasgadas e jogadas longe de outra galáxia através de uma espécie de colisão gravitacional. E algumas dessas estrelas são imensuravelmente velhas - mais antigas e vulneráveis, talvez, do que qualquer estrelas discoidais.

A estrela de Kapteyn está queimando tão lentamente, tão estavelmente, que nem meus instrumentos podem lhe designar um limite de vida. Pode ser quase tão antiga quanto o universo.

E seus planetas?

Tão velhos quanto.

Faça de mim o que você desejar - desligue-me por erro de programação, se quiser - mas eu posso sentir a idade desse lugar em meu esqueleto. Tudo bem, ó chassis do meu ônibus. Eu não tenho esqueleto; eu sei disso. Mas acredite em mim, esse sistema parece realmente assombroso em questão de tempo. O silêncio e a quietude são quase insuportáveis, como uma pressão que aumenta infinitamente. Nada aconteceu aqui por vários ciclos galáticos; nada vai acontecer. A estrela de Kapteyn queima, aumentando sua expectativa de  vida nuclear. Os mundos mortos tiquetaqueiam ao redor de suas órbitas mortas.

Mas, uma vez, já houve algo.

Eu sei, eu tenho tomado decisões por conta própria. Eu deveria ter transmitido um sinal de despertar antes de fazer qualquer investigação. Mas eu não pude resistir a mim mesmo. Você me fez curioso.

Eu achei sinais de civilização.

O primeiro planeta,  Kapteyn b,  ainda permanece dentro da zona habitável da estrela, realizando o movimento de translação a cada quarenta e oito dias. Não há nada vivendo lá agora, nem mesmo uma atmosfera, mas já chegou a existir cultura tecnológica.

Sim, o primeiro que eu achei. A razão pelo qual fui feito, em primeiro lugar.

Como foi a descoberta?

O fato é que não foi difícil de detectar. Cidades cobrem quase toda a superfície do planeta. Estruturas enormes - elas devem ter alcançado o espaço! Discos e torres e o que eu achei serem restos de elevadores espaciais, subindo até a órbita síncrona. Uma lua, e sua superfície coberta pela mesma arquitetura. Evidência de colonização do segundo planeta, Kapteyn c, em sua muito mais fria órbita.

Maravilhas além da comparação, mas de uma espécie de uniformidade cinza sepulcral, após eras de micrometeoritos e bombardeamento de raios cósmicos. Cidades mudas como esfinges.

E em nenhum lugar o menor sinal de vida.

Crateras de tamanho continental estragam Kapteyn b, e eu me pergunto se elas falam de alguma verdadeiramente incrível catástrofe - um acidente cósmico ou algo pior? Qualquer que seja o caso, os construtores das cidades se foram há tempos. Talvez eles tenham morrido antes mesmo que a estrela de Kapteyn ser arrancada das garras de sua galáxia mãe.

Correndo o risco de estar concluindo muito com tão poucos dados, eu não posso deixar de fazer pequenas especulações. Eu também fui o projeto de uma civilização tecnológica, com a capacidade de transformar uma planeta, de colonizar outras luas e mundos, de construir estruturas impressionantes. O povo de Kapteyn b era claramente mais avançados que vocês, meus próprios construtores - mas, com tempo suficiente, vocês também poderiam ter alterado um mundo da mesma maneira.

Algo para se pensar, não é mesmo?

Bom, vou desligar a transmissão por agora. Eu vou fazer um pouco mas de exploração nesse sistema, e talvez soltar alguns grupos de instrumentos em Kapteyn b. Haverá um pouco de risco nisso, uma vez que eu terei de entrar em uma órbita bastante apertada, e quem sabe o que vai acontecer? Ainda assim, isso é um perigo que estou disposto a aceitar. Você me fez para isso, e estou grato por tudo que tive permissão de ver e fazer.

Mas veja.

Eu sei que é uma coisa pequena, e eu realmente não deveria incomodá-lo sobre isso. Mas já faz muito tempo que eu não ouço nada de você. Pus um grande esforço nessas transmissões, e seria bom se - ao menos uma vez - saber que há alguém do outro lado, escutando.

Só uma palavra, para me mostrar que você ainda se importa?''

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