''A acumulação primitiva desempenha na economia política relativamente o mesmo papel que o pecado original na teologia. Adão mordeu a maçã, e o pecado surgiu no mundo. A origem do pecado explica-se por uma aventura que teria se passado alguns dias depois da criação do mundo.
Da mesma maneira, teria havido outrora, faz muito tempo isso, uma época em que a sociedade se dividia em dois campos: acolá pessoas de elite, laboriosas, inteligentes e, sobretudo, dotadas de aptidões administrativas; aqui uma porção de folgazões, divertindo-se de manhã à noite e de noite ao dia seguinte.
Naturalmente, aqueles acumularam tesouros sobre tesouros, enquanto estes encontraram-se em breve desprovidos de tudo.
Daí a pobreza da grande massa que, a despeito de um trabalho ininterrupto, devem sempre pagar com o sacrifício de sua própria pessoa, e, por outro lado, a riqueza de um pequeno número que, sem mover um dedo, recolhe todos os frutos e benefícios do trabalho alienado.
A história do pecado original faz-nos ver, é verdade, como e por que o homem foi condenado pelo Senhor a ganhar seu pão com o suor de seu rosto; mas a do pecado econômico preenche uma lamentável lacuna revelando-nos como e por que há homens que escapam a esta ordem do Senhor.''
Fragmento de A origem do capital.
Em suma, a ideologia (falsa consciência) do capitalismo - cujos instrumentos de ação foram tema de uma obra de Louis Althusser chamada Aparelhos Ideológicos do Estado - funcionam replicando a ideia de que a miséria dos pobres é culpa dos mesmos, castigo divino ou mesmo ''ordem natural das coisas'', ocultando o fato de que ela é consequência dos séculos de exploração dos menos favorecidos pelas classes dominantes, sendo, portanto, uma condição social, que pode (e deve!) ser findada por meio de uma transformação das relações de produção.
Nenhum comentário:
Postar um comentário