''A capacidade de trabalho foi denominada capital do trabalhador
na medida em que ela é o fundo que o trabalhador
não exaure em uma troca isolada, mas pode repeti-la
continuamente durante sua vida como trabalhador. De
acordo com essa concepção, seria capital tudo que fosse
um fundo de processos reiterados de um mesmo
sujeito; assim, p. ex.: a substância dos olhos seria o capital da visão etc. Semelhantes lugares-comuns beletristas, que
classificam tudo sob tudo por meio de qualquer analogia,
podem até parecer inteligentes ao serem ditos pela
primeira vez, e tanto mais quanto mais identificam as
coisas mais disparatadas. Repetidos, sobretudo com autocomplacência,
como máximas de valor científico, são pura
e simplesmente tolos. Bons apenas para paroleiros letrados
e charlatães, que lambuzam todas as ciências com suas
imundícies meladas. Que o trabalho é sempre nova fonte
da troca para o trabalhador enquanto ele está capacitado
para o trabalho – mais precisamente, não da troca pura e
simples, mas da troca com o capital – está implícito na própria determinação conceitual de que o trabalhador só
vende a disposição temporária sobre sua capacidade de
trabalho, que ele sempre pode, portanto, reiniciar a troca
tão logo tenha ingerido a quantidade suficiente de matéria
para poder reproduzir de novo sua expressão vital. Em
lugar de dirigir seu assombro para tal ponto – e debitar ao
trabalhador, como um grande mérito do capital, o fato de
que ele enfim vive, que pode, portanto, repetir diariamente
determinados processos vitais tão logo tenha descansado e
se alimentado –, os sicofantas da economia burguesa, que
douram as coisas, deveriam antes ter dirigido sua atenção
para o fato de que o trabalhador, após o trabalho repetido
de forma contínua, somente dispõe de seu trabalho vivo,
imediato, para trocar. A própria repetição é, de fato, só
aparente. O que ele troca com o capital é toda a sua capacidade
de trabalho, que ele despende, digamos, em vinte anos. Em lugar
de pagá-la de uma só vez, o capital a paga em doses, digamos,
semanalmente, à medida que o trabalhador a
coloca à sua disposição. Portanto, isso não altera em absoluto
a natureza da coisa e menos ainda autoriza a conclusão
de que, porque o trabalhador precisa dormir entre 10 e 12 horas para ser capaz de repetir seu trabalho e sua
troca com o capital, o trabalho constitui seu capital. Por conseguinte,
o que é assim compreendido como capital é, de
fato, o limite, a interrupção de seu trabalho, o fato de que
ele não é um perpetuum mobile. A luta pela Lei das Dez
Horas etc. é a prova de que o capitalista nada mais deseja
senão que o trabalhador dilapide suas doses de força vital
tanto quanto possível sem interrupção.''
- Karl Marx, Esboços da crítica da economia política: III. Capítulo do capital: Primeira seção: o processo de produção do capital. Capítulo do dinheiro como capital: 2) O valor de troca emergindo da
circulação, pressupondo-se
à circulação, conservando-se e
multiplicando-se
nela pela mediação do trabalho
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