''[O] capital e sua autoexpansão se patenteiam ponto de partida e meta, móvel e fim da produção; a produção existe para o capital, ao invés de os meios de produção serem apenas meios de acelerar continuamente o desenvolvimento do processo vital para a sociedade dos produtores. (...) Não se produz meios de subsistência demais em relação à população existente. Pelo contrário, o que se produz é muito pouco para satisfazer, de maneira adequada e humana, a massa da população. (...) Não se produz riqueza demais. Mas a riqueza que se produz periodicamente é demais nas formas antagônicas do capitalismo.''
Karl Marx
Segundo dados oficiais, o primeiro trimestre deste ano terminou com o desemprego aberto -- isto é, excluindo todos aqueles que desistiram de procurar empregos e/ou estão no ''desemprego disfarçado'', como atividades informais de todo tipo -- no triste número de 14,2 milhões de pessoas, com a taxa de 13,7% [1]. Entre os jovens, a taxa sobre para mais de 25% [2, 3]. No país todo, mas com mais destaque no Rio de Janeiro, servidores públicos sofrem com salários parcelados, aposentados têm seus benefícios atrasados e serviços públicos de importância tal como o da UERJ definham totalmente [4]. Tudo isso, se não nos deixa chocados, deveria. Pois trata-se de uma absurda subutilização de vastos recursos humanos e materiais disponíveis -- recursos que poderiam estar servindo às necessidades de várias pessoas. E no caso do desemprego, temos um fenômeno particularmente cruel, pois que, para a maioria das pessoas, desemprego involuntário é sinônimo de pobreza, bem como sentimento auto-depreciativo: o desempregado se vê como um fardo.
Além disso, vejamos a questão do tempo. Quanto tempo livre nós temos, por dia? Por semana? Para a maioria de nós, a maior parte do dia é tempo gasto com estudos, com o trabalho, com ida e volta do trabalho ou da escola/faculdade, com arrumação da casa etc.; em suma, a maior parte do tempo é tempo gasto com necessidades. O tempo livre, tempo que pode ser dedicado ao ócio ou a uma atividade livremente escolhida, é escasso -- e não raro não pode ser usado naquilo que efetivamente se gostaria de fazer, porque não temos recursos (no geral, dinheiro -- ou algo que se poderia obter com dinheiro) para isso.
E falando em trabalho, você está satisfeito com o seu emprego (caso você tenha um)? É o que realmente gostaria de fazer da sua vida? As condições são boas? Te permitem ter uma boa vida? Você acha que ele ocupa o tempo necessário da sua vida para as suas necessidades ou mais do que isso? Vou arriscar que a resposta para as 4 primeiras perguntas é não, e chutar a segunda opção para a última pergunta. Pois esse é provavelmente o caso da maior parte da população brasileira, senão mundial.
E o que tudo isso revela -- ou pelo menos sugere? A mim me parece óbvio: nós simplesmente nos vemos sem controle sobre as nossas vidas. Não falo de ''nós'' somente no sentido de ''a soma de todos os indivíduos singulares e suas respectivas vidas'', mas mesmo enquanto sociedade; a nossa sociedade perdeu o controle sobre seus rumos. Por que isso acontece? Por que não usamos toda os recursos produtivos da sociedade para satisfazer as necessidades (em sentido amplo) de todos e ao mesmo tempo aplicar o máximo de tecnologia e dividir ao máximo o trabalho entre as pessoas, maximizando o tempo livre de todos?
Karl Marx e Friedrich Engels, os pais do socialismo científico -- o marxismo --, tentaram dar uma resposta. Eles notaram que uma severa transformação social começou a acontecer alguns séculos atrás e a mudar radicalmente todo o mundo: tratava-se da irrupção do modo de produção capitalista. Marx e Engels perceberam -- aliás como outros -- que, a fim de realizar vendas lucrativas, nobres e comerciantes estavam provocando um processo de expropriação das terras e instrumentos de inúmeros camponeses e nativos de terras ''descobertas'', escravização de negros africanos e de alguns nativos de outras regiões etc; isto porque, com os (altos) lucros das vendas que realizavam podiam comprar mais mercadorias; mercadorias estas que só eram/são o que eram/são porque, na ausência de uma regulação social direta da produção, os produtores -- formalmente autônomos, independentes -- produzem para a troca, para o ''mercado'' (e não para satisfazer necessidades). E quanto mais lucravam, mais aqueles nobres e comerciantes desejavam fazer os homens e mulheres que agora precisavam vender sua força de trabalho por um salário para sobreviver trabalhar e produzir para eles.
Convertidos em propriedade privada, as terras, os instrumentos de trabalho e as matérias-primas converteram-se assim em meio de extrair trabalho excedente dos outros -- que se viam sem outros meios de vida que não a venda contínua, permanente, de sua própria capacidade de trabalhar, sua força de trabalho (não raro, seja em termos absolutos ou relativos, por um péssimo salário). Uma transformação que não aconteceu sem resistência, aliás: foram 300 anos de luta camponesa na Europa contra o absolutismo do Estado e contra a ''submissão'' destes camponeses ao ''mercado de trabalho'', isto é, sua transformação em proletários que gastam seus dias a produzir riqueza alheia.
O próprio Estado moderno (burguês) revelou-se como sendo, fundamentalmente, o guardião da propriedade privada -- reprimindo brutalmente as ameaças a ela.
Assim, como diz a citação que abre esse mini-artigo, ao invés de os meios de produção -- matérias-primas, máquinas e instrumentos -- servirem à satisfação das necessidades de bem-estar material e tempo livre da vasta maioria da humanidade, esses mesmos meios de produção, bem como a força de trabalho humana, estão submetidos a um objetivo que é uma espécie de movimento autotélico: a ininterrupta transformação de dinheiro em mais dinheiro, num processo que inclusive não garante nem a plena utilização da capacidade produtiva instalada nem o pleno emprego de toda a mão-de-obra disponível. Se possível sem que seja preciso ''se sujar'' com a produção, mas, nos casos em que isso não é possível, acumulando a partir da cristalização de parte do trabalho dos trabalhadores em produto que não fica com eles, mas sim com o patrão, e que é a fonte de seus lucros através da venda; o chamado produto excedente.
Uma tal situação, diziam-nos Marx e Engels, significa concentração de renda e riqueza nas mãos de uns poucos, falta de tempo livre (e excesso de trabalho) para as maiorias, pobreza para uma boa parte da população e miséria em alguns casos, que podem ser muitos, incontáveis. Precisamente essa terrível realidade em que estamos vivendo. Uma realidade frente à qual nós nos sentimos impotentes, fracos, frustrados e inseguros.
Mas os 2 não se dedicaram somente a descrever essa situação, essas tendências da vida das sociedades ''modernas'', sociedades burguesas. Ao invés disso, e até mesmo em conexão com o seu trabalho de analisar e descrever a realidade, os 2 propuseram uma solução: expropriar os expropriadores, ou seja: transformar as terras, máquinas, instrumentos de trabalho de propriedade privada em ''propriedade'' coletiva, social, de todo o povo (ou todos os povos). E, através do consequente controle social/coletivo dos meios de produção, realizar um planejamento social da produção, visando a satisfação das necessidades de saúde, alimentação, moradia, vestimenta, educação, lazer, ócio etc. de todas as pessoas, utilizando-se para isso de toda a ciência e a tecnologia disponíveis.
Propuseram, pois, um mundo em que as pessoas não tivessem de se preocupar com fome, desemprego, falta de um teto ou não-capacidade de pagar por atendimento médico, cada uma delas contribuindo com seu próprio trabalho (a tornar-se cada vez mais desnecessário com a adoção de novas e mais produtivas tecnologias) para a produção social da riqueza, e apontaram o caminho para isso. O caminho para que nós, não apenas como indivíduos, mas como sociedade -- e sobretudo como classe social que vive entre a exploração e quase completa a ausência de meios e subsistência --, (re)tomarmos o controle de nossas vidas.
Saibamos acolher as lições deles.
Além disso, vejamos a questão do tempo. Quanto tempo livre nós temos, por dia? Por semana? Para a maioria de nós, a maior parte do dia é tempo gasto com estudos, com o trabalho, com ida e volta do trabalho ou da escola/faculdade, com arrumação da casa etc.; em suma, a maior parte do tempo é tempo gasto com necessidades. O tempo livre, tempo que pode ser dedicado ao ócio ou a uma atividade livremente escolhida, é escasso -- e não raro não pode ser usado naquilo que efetivamente se gostaria de fazer, porque não temos recursos (no geral, dinheiro -- ou algo que se poderia obter com dinheiro) para isso.
E falando em trabalho, você está satisfeito com o seu emprego (caso você tenha um)? É o que realmente gostaria de fazer da sua vida? As condições são boas? Te permitem ter uma boa vida? Você acha que ele ocupa o tempo necessário da sua vida para as suas necessidades ou mais do que isso? Vou arriscar que a resposta para as 4 primeiras perguntas é não, e chutar a segunda opção para a última pergunta. Pois esse é provavelmente o caso da maior parte da população brasileira, senão mundial.
E o que tudo isso revela -- ou pelo menos sugere? A mim me parece óbvio: nós simplesmente nos vemos sem controle sobre as nossas vidas. Não falo de ''nós'' somente no sentido de ''a soma de todos os indivíduos singulares e suas respectivas vidas'', mas mesmo enquanto sociedade; a nossa sociedade perdeu o controle sobre seus rumos. Por que isso acontece? Por que não usamos toda os recursos produtivos da sociedade para satisfazer as necessidades (em sentido amplo) de todos e ao mesmo tempo aplicar o máximo de tecnologia e dividir ao máximo o trabalho entre as pessoas, maximizando o tempo livre de todos?
Karl Marx e Friedrich Engels, os pais do socialismo científico -- o marxismo --, tentaram dar uma resposta. Eles notaram que uma severa transformação social começou a acontecer alguns séculos atrás e a mudar radicalmente todo o mundo: tratava-se da irrupção do modo de produção capitalista. Marx e Engels perceberam -- aliás como outros -- que, a fim de realizar vendas lucrativas, nobres e comerciantes estavam provocando um processo de expropriação das terras e instrumentos de inúmeros camponeses e nativos de terras ''descobertas'', escravização de negros africanos e de alguns nativos de outras regiões etc; isto porque, com os (altos) lucros das vendas que realizavam podiam comprar mais mercadorias; mercadorias estas que só eram/são o que eram/são porque, na ausência de uma regulação social direta da produção, os produtores -- formalmente autônomos, independentes -- produzem para a troca, para o ''mercado'' (e não para satisfazer necessidades). E quanto mais lucravam, mais aqueles nobres e comerciantes desejavam fazer os homens e mulheres que agora precisavam vender sua força de trabalho por um salário para sobreviver trabalhar e produzir para eles.
Convertidos em propriedade privada, as terras, os instrumentos de trabalho e as matérias-primas converteram-se assim em meio de extrair trabalho excedente dos outros -- que se viam sem outros meios de vida que não a venda contínua, permanente, de sua própria capacidade de trabalhar, sua força de trabalho (não raro, seja em termos absolutos ou relativos, por um péssimo salário). Uma transformação que não aconteceu sem resistência, aliás: foram 300 anos de luta camponesa na Europa contra o absolutismo do Estado e contra a ''submissão'' destes camponeses ao ''mercado de trabalho'', isto é, sua transformação em proletários que gastam seus dias a produzir riqueza alheia.
O próprio Estado moderno (burguês) revelou-se como sendo, fundamentalmente, o guardião da propriedade privada -- reprimindo brutalmente as ameaças a ela.
Assim, como diz a citação que abre esse mini-artigo, ao invés de os meios de produção -- matérias-primas, máquinas e instrumentos -- servirem à satisfação das necessidades de bem-estar material e tempo livre da vasta maioria da humanidade, esses mesmos meios de produção, bem como a força de trabalho humana, estão submetidos a um objetivo que é uma espécie de movimento autotélico: a ininterrupta transformação de dinheiro em mais dinheiro, num processo que inclusive não garante nem a plena utilização da capacidade produtiva instalada nem o pleno emprego de toda a mão-de-obra disponível. Se possível sem que seja preciso ''se sujar'' com a produção, mas, nos casos em que isso não é possível, acumulando a partir da cristalização de parte do trabalho dos trabalhadores em produto que não fica com eles, mas sim com o patrão, e que é a fonte de seus lucros através da venda; o chamado produto excedente.
Uma tal situação, diziam-nos Marx e Engels, significa concentração de renda e riqueza nas mãos de uns poucos, falta de tempo livre (e excesso de trabalho) para as maiorias, pobreza para uma boa parte da população e miséria em alguns casos, que podem ser muitos, incontáveis. Precisamente essa terrível realidade em que estamos vivendo. Uma realidade frente à qual nós nos sentimos impotentes, fracos, frustrados e inseguros.
Mas os 2 não se dedicaram somente a descrever essa situação, essas tendências da vida das sociedades ''modernas'', sociedades burguesas. Ao invés disso, e até mesmo em conexão com o seu trabalho de analisar e descrever a realidade, os 2 propuseram uma solução: expropriar os expropriadores, ou seja: transformar as terras, máquinas, instrumentos de trabalho de propriedade privada em ''propriedade'' coletiva, social, de todo o povo (ou todos os povos). E, através do consequente controle social/coletivo dos meios de produção, realizar um planejamento social da produção, visando a satisfação das necessidades de saúde, alimentação, moradia, vestimenta, educação, lazer, ócio etc. de todas as pessoas, utilizando-se para isso de toda a ciência e a tecnologia disponíveis.
Propuseram, pois, um mundo em que as pessoas não tivessem de se preocupar com fome, desemprego, falta de um teto ou não-capacidade de pagar por atendimento médico, cada uma delas contribuindo com seu próprio trabalho (a tornar-se cada vez mais desnecessário com a adoção de novas e mais produtivas tecnologias) para a produção social da riqueza, e apontaram o caminho para isso. O caminho para que nós, não apenas como indivíduos, mas como sociedade -- e sobretudo como classe social que vive entre a exploração e quase completa a ausência de meios e subsistência --, (re)tomarmos o controle de nossas vidas.
Saibamos acolher as lições deles.
[1] http://g1.globo.com/economia/noticia/desemprego-fica-em-137-no-1-trimestre-de-2017.ghtml
[2] http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2017/02/1861571-um-quarto-dos-jovens-de-18-a-24-anos-estao-desempregados.shtml
[3] http://g1.globo.com/profissao-reporter/noticia/2017/06/desemprego-entre-jovens-e-de-287.html
[4] http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/uerj-suspende-ano-letivo-de-2017-por-tempo-indeterminado.ghtml[3] http://g1.globo.com/profissao-reporter/noticia/2017/06/desemprego-entre-jovens-e-de-287.html
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