por Graça Druck, professora do Departamento de Sociologia
da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal
da Bahia, pesquisadora do CRH/UFBa e
do CNPq, estudiosa na área de Sociologia
do Trabalho, autora do livro Terceirização:
desfordizando a fábrica (Editora Boitempo
e Edufba) e co-organizadora do livro A Perda
da Razão Social do Trabalho: terceirização e precarização (Editora Boitempo).
A atual conjuntura do trabalho no país se caracteriza por uma acirrada disputa de classe. As escolhas dos que detém o poder – o executivo, a maioria do legislativo e a mais alta cúpula do judiciário (o STF) – estão em sintonia com os interesses dos setores mais conservadores da sociedade.
A atual conjuntura do trabalho no país se caracteriza por uma acirrada disputa de classe. As escolhas dos que detém o poder – o executivo, a maioria do legislativo e a mais alta cúpula do judiciário (o STF) – estão em sintonia com os interesses dos setores mais conservadores da sociedade.
Vive-se um momento em que
o histórico e permanente ataque
das classes dominantes ao direito
do trabalho brasileiro, consubstanciado
na CLT – Consolidação das
Leis do Trabalho – nunca esteve tão
perto de sair vitorioso, pondo fim
a um conjunto de direitos reivindicados
pelos trabalhadores desde os
anos 1910 e incorporados progressivamente
à legislação social e trabalhista
desde os anos 1920, cuja
consolidação só ocorreu em 1943.
É isto que está em questão
hoje no Brasil, com a votação do
PL 4330 na Câmara dos Deputados,
que o aprovou por 230 votos a
203, sem discussão no plenário. E
qual é o cerne deste projeto? O fim
de qualquer limite à terceirização,
ou seja, abolir a frágil regulação
existente até hoje, através do enunciado
331, que proíbe a terceirização da atividade-fim das empresas.
Os argumentos favoráveis do
empresariado e de seus representantes
no Congresso Nacional são
falaciosos, voláteis e insustentáveis.
Segundo eles, não é mais a focalização
ou especialização da empresa
– que já foi a principal justificativa
para a defesa da terceirização – mas
agora se trata de regulamentar os 12 milhões de terceirizados existentes
no país. Ora, nada mais falso, pois
este número se refere aos trabalhadores
que já estão sob a proteção
da CLT, ou seja, que têm carteira
assinada e que, em tese, deveriam
estar recebendo todos os seus direitos,
sistematicamente desrespeitados.
Não existem estatísticas
de terceirizados informais, sem
carteira, sem contrato ou mediados
por cooperativas ou organizações
sociais e que estão sem proteção social
e trabalhista. E, portanto, não
é a esses que se dirige o PL 4330.
Ao contrário, ao liberar a terceirização
para todas as atividades,
permitir as redes de subcontratação e condicionar a responsabilidade
solidária das empresas, cujo objetivo
é rebaixar o custo da força de
trabalho, as condições de precariedade
em que trabalham os terceirizados
hoje serão difundidas para todos os trabalhadores brasileiros.
Afirmar sobre a precarização
que a terceirização impõe não é
retórica. Os resultados de mais de
20 anos de pesquisas demonstram
essa realidade. Os estudos realizados
em nosso grupo de pesquisa
do Centro de Estudos e Pesquisas
em Humanidades (CRH)
da UFBa, publicados como teses,
dissertações, artigos e livros – que
pesquisaram os segmentos de petroquímicos,
petroleiros, complexo
automotivo, call centers, trabalhadores
dos serviços de limpeza
e vigilância da UFBA, construção
civil e temáticas em que a terceirização
aparece destacadamente,
como assédio moral, saúde do
trabalhador, processos na Justiça
do Trabalho, trabalho análogo ao
escravo – evidenciam que é uma
prática de gestão que invariavelmente
precariza.
No país, os estudos acadêmicos e de instituições sindicais testemunham os malefícios da terceirização. É o caso da desigualdade salarial, em que terceirizados chegam a ganhar 30% menos que os contratados diretamente. Encontramos uma situação nos petroquímicos da Bahia, em que terceirizados chegavam a ganhar cinco vezes menos que os empregados diretos. Os indicadores de acidentes de trabalho e mortes, como no caso dos petroleiros, revelam que os terceirizados mortos representam 90% do total; na construção civil, o número de mortes dos terceirizados é de 2,3 a 4,9 vezes maior do que a média de acidentes fatais em todo o mercado de trabalho; o alto grau de adoecimento dos trabalhadores de call centers, por LER/DORT; o desrespeito a direitos elementares, caso dos trabalhadores terceirizados de limpeza da UFBA, que ficam 10 anos sem férias, por conta da troca de empresas que não completam um ano prestando serviços e se vão sem pagar seus empregados, sendo substituídas por outras do mesmo naipe. É o caso das redes de subcontratação no complexo automotivo do Nordeste, em que na ponta do processo estão trabalhadores sem carteira e por “empreita”. E é também uma das formas mais desumanas de trabalho encontrada em empresas modernas, nacionais e multinacionais, a condição de trabalho análogo ao escravo: do total de trabalhadores resgatados nos últimos três anos, 81% eram terceirizados.
É essa realidade que o PL 4330 quer legalizar, generalizando-a para o conjunto dos trabalhadores brasileiros. É por isso que a votação na Câmara dos Deputados gerou uma mobilização nacional, com manifestações de rua, paralisações, manifestos de instituições do direito do trabalho, pesquisadores e sindicalistas. E a terceirização passou a ser pauta central da grande imprensa e das redes sociais.
Assiste-se um processo de votações no Congresso Nacional e de decisões do STF que reforçam, sustentam e ampliam tudo o que o PL 4330 representa. Ou seja, a retirada de direitos e conquistas, a liberalização de formas de contrato e de relações de trabalho que amplifi carão a precarização social e estrutural do trabalho no Brasil.
Assim, a supressão no PL 4330 da liberação da terceirização no setor público, teve como contra-medida a recente decisão do STF sobre uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) proposta em 1998, em relação à Lei editada pelo Governo Fernando Henrique, que estabelecia que o Estado pode contratar organizações sociais para prestação de serviços nas áreas de saúde, educação, cultura, desporto e lazer, ciência e tecnologia e meio ambiente. Ou seja, a terceirização através da intermediação das chamadas organizações sociais (fundações, ONGs, cooperativas, etc.) nas atividades-fim do serviço público. A decisão de que tal medida não é inconstitucional, tomada pela Suprema Corte, libera a terceirização para todos esses setores. Trata-se da vitória de uma concepção neoliberal de Estado, que irá transferir recursos públicos para essas organizações de caráter privado, que estarão livres para contratar trabalhadores sem concurso público e sem licitação, o que implicará no progressivo fim do serviço público, da carreira de servidor, cuja função social é fundamental num Estado democrático.
O ajuste fiscal determinado pelo governo, com os cortes de despesas nas áreas sociais, como é o caso da educação, e com contingenciamento no repasse de recursos impôs uma crise nas universidades e institutos federais em todo o país, levando ao fechamento de unidades, adiamento de início de aulas por falta de condições de funcionamento em vista de greves de trabalhadores terceirizados dos serviços de limpeza, vigilância, portaria, manutenção, dentre outros, por estarem sem receber salários, chegando a atrasos de três meses em alguns segmentos. Estas ocorreram em quase todas as instituições federais de ensino, pois seus reitores não estão conseguindo pagar as despesas de custeio, em que a prestação de serviços terceirizados é a principal e mais cara despesa. Esse exemplo é paradigmático para se entender a quem penaliza o ajuste fiscal em curso no país.
As demais medidas de ajuste fiscal propostas pelo governo federal, a exemplo das MPs 664 e 665, representam, segundo especialistas, o maior retrocesso em política de seguridade social nas últimas décadas, qualificada como uma minirreforma da Previdência, ao reduzir o acesso dos trabalhadores ao seguro desemprego, a pensões por morte e ao auxílio-doença. Segundo cálculos do DIEESE, em torno de 4,8 milhões de trabalhadores não poderiam acessar o seguro desemprego e 9,94 milhões perderiam o abono salarial, numa conjuntura em que o desemprego está crescendo, fruto da desaceleração do crescimento econômico.
Elas têm exatamente a mesma natureza do PL 4330. Em nome de uma suposta grave crise econômica no país, em parte criada e propagandeada pela grande imprensa, pois os indicadores econômicos ainda não sinalizam para a gravidade que é anunciada diariamente pelos meios de comunicação, o governo Dilma propõe que sejam realizados cortes em direitos dos trabalhadores, diminuindo a proteção social e trabalhista. Estima-se que o governo vai economizar 10 bilhões de reais com essas medidas, enquanto cálculos de especialistas em finanças preveem que a taxação de grandes fortunas poderia recolher até 100 bilhões por ano. Sem dúvida, um ajuste que tem uma clara natureza de classe, tornando-se parte da ofensiva do capital sobre o trabalho, sob a hegemonia neoliberal, na qual o governo federal tem sido cada vez mais um agente fundamental.
Uma infeliz escolha do governo Dilma, que se encontra refém de uma base de apoio esfacelada, que não encontra unanimidade em seu partido, o Partido dos Trabalhadores, e que perde rapidamente apoio dos movimentos sociais e centrais sindicais, a exemplo da CUT. É o que indica o “Manifesto pela mudança na política econômica e contra o ajuste”, lançado em 20 de maio e assinado por mais de 30 organizações e movimentos, dentre eles a CUT, o MST, a CPT, além de intelectuais, acadêmicos, dirigentes políticos de movimentos e do Partido dos Trabalhadores, que qualifica o ajuste como recessivo e afirma:
Sem dúvida, o PL 4330, a decisão do STF de liberar a terceirização das atividades-fim no serviço público e as medidas de “arrocho fiscal” representam uma violenta ofensiva do capital sobre a classe trabalhadora. Resta saber se a mobilização nacional em curso terá forças para impedir esse desastre.
Texto originalmente publicado no ''Jornal dos Economistas'' do CORECON-RJ e SINDECON-RJ.
No país, os estudos acadêmicos e de instituições sindicais testemunham os malefícios da terceirização. É o caso da desigualdade salarial, em que terceirizados chegam a ganhar 30% menos que os contratados diretamente. Encontramos uma situação nos petroquímicos da Bahia, em que terceirizados chegavam a ganhar cinco vezes menos que os empregados diretos. Os indicadores de acidentes de trabalho e mortes, como no caso dos petroleiros, revelam que os terceirizados mortos representam 90% do total; na construção civil, o número de mortes dos terceirizados é de 2,3 a 4,9 vezes maior do que a média de acidentes fatais em todo o mercado de trabalho; o alto grau de adoecimento dos trabalhadores de call centers, por LER/DORT; o desrespeito a direitos elementares, caso dos trabalhadores terceirizados de limpeza da UFBA, que ficam 10 anos sem férias, por conta da troca de empresas que não completam um ano prestando serviços e se vão sem pagar seus empregados, sendo substituídas por outras do mesmo naipe. É o caso das redes de subcontratação no complexo automotivo do Nordeste, em que na ponta do processo estão trabalhadores sem carteira e por “empreita”. E é também uma das formas mais desumanas de trabalho encontrada em empresas modernas, nacionais e multinacionais, a condição de trabalho análogo ao escravo: do total de trabalhadores resgatados nos últimos três anos, 81% eram terceirizados.
É essa realidade que o PL 4330 quer legalizar, generalizando-a para o conjunto dos trabalhadores brasileiros. É por isso que a votação na Câmara dos Deputados gerou uma mobilização nacional, com manifestações de rua, paralisações, manifestos de instituições do direito do trabalho, pesquisadores e sindicalistas. E a terceirização passou a ser pauta central da grande imprensa e das redes sociais.
Assiste-se um processo de votações no Congresso Nacional e de decisões do STF que reforçam, sustentam e ampliam tudo o que o PL 4330 representa. Ou seja, a retirada de direitos e conquistas, a liberalização de formas de contrato e de relações de trabalho que amplifi carão a precarização social e estrutural do trabalho no Brasil.
Assim, a supressão no PL 4330 da liberação da terceirização no setor público, teve como contra-medida a recente decisão do STF sobre uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) proposta em 1998, em relação à Lei editada pelo Governo Fernando Henrique, que estabelecia que o Estado pode contratar organizações sociais para prestação de serviços nas áreas de saúde, educação, cultura, desporto e lazer, ciência e tecnologia e meio ambiente. Ou seja, a terceirização através da intermediação das chamadas organizações sociais (fundações, ONGs, cooperativas, etc.) nas atividades-fim do serviço público. A decisão de que tal medida não é inconstitucional, tomada pela Suprema Corte, libera a terceirização para todos esses setores. Trata-se da vitória de uma concepção neoliberal de Estado, que irá transferir recursos públicos para essas organizações de caráter privado, que estarão livres para contratar trabalhadores sem concurso público e sem licitação, o que implicará no progressivo fim do serviço público, da carreira de servidor, cuja função social é fundamental num Estado democrático.
O ajuste fiscal determinado pelo governo, com os cortes de despesas nas áreas sociais, como é o caso da educação, e com contingenciamento no repasse de recursos impôs uma crise nas universidades e institutos federais em todo o país, levando ao fechamento de unidades, adiamento de início de aulas por falta de condições de funcionamento em vista de greves de trabalhadores terceirizados dos serviços de limpeza, vigilância, portaria, manutenção, dentre outros, por estarem sem receber salários, chegando a atrasos de três meses em alguns segmentos. Estas ocorreram em quase todas as instituições federais de ensino, pois seus reitores não estão conseguindo pagar as despesas de custeio, em que a prestação de serviços terceirizados é a principal e mais cara despesa. Esse exemplo é paradigmático para se entender a quem penaliza o ajuste fiscal em curso no país.
As demais medidas de ajuste fiscal propostas pelo governo federal, a exemplo das MPs 664 e 665, representam, segundo especialistas, o maior retrocesso em política de seguridade social nas últimas décadas, qualificada como uma minirreforma da Previdência, ao reduzir o acesso dos trabalhadores ao seguro desemprego, a pensões por morte e ao auxílio-doença. Segundo cálculos do DIEESE, em torno de 4,8 milhões de trabalhadores não poderiam acessar o seguro desemprego e 9,94 milhões perderiam o abono salarial, numa conjuntura em que o desemprego está crescendo, fruto da desaceleração do crescimento econômico.
Elas têm exatamente a mesma natureza do PL 4330. Em nome de uma suposta grave crise econômica no país, em parte criada e propagandeada pela grande imprensa, pois os indicadores econômicos ainda não sinalizam para a gravidade que é anunciada diariamente pelos meios de comunicação, o governo Dilma propõe que sejam realizados cortes em direitos dos trabalhadores, diminuindo a proteção social e trabalhista. Estima-se que o governo vai economizar 10 bilhões de reais com essas medidas, enquanto cálculos de especialistas em finanças preveem que a taxação de grandes fortunas poderia recolher até 100 bilhões por ano. Sem dúvida, um ajuste que tem uma clara natureza de classe, tornando-se parte da ofensiva do capital sobre o trabalho, sob a hegemonia neoliberal, na qual o governo federal tem sido cada vez mais um agente fundamental.
Uma infeliz escolha do governo Dilma, que se encontra refém de uma base de apoio esfacelada, que não encontra unanimidade em seu partido, o Partido dos Trabalhadores, e que perde rapidamente apoio dos movimentos sociais e centrais sindicais, a exemplo da CUT. É o que indica o “Manifesto pela mudança na política econômica e contra o ajuste”, lançado em 20 de maio e assinado por mais de 30 organizações e movimentos, dentre eles a CUT, o MST, a CPT, além de intelectuais, acadêmicos, dirigentes políticos de movimentos e do Partido dos Trabalhadores, que qualifica o ajuste como recessivo e afirma:
“O quadro de desequilíbrio fiscal das contas do governo não é responsabilidade dos mais pobres, trabalhadores, aposentados e pensionistas. As causas desse desequilíbrio foram a desoneração fiscal de mais 100 bilhões concedida pelo governo às grandes empresas, as elevadas taxas de juros Selic, que transferem recursos para o sistema financeiro, e a queda da arrecada- ção devido ao baixo crescimento no ano passado. Não é justo, agora, colocar essa conta para ser paga pelos mais pobres que precisam de políticas públicas, trabalhadores, aposentados e pensionistas. Enquanto o andar de baixo perde direitos, não está em curso nenhuma medida do governo para tornar o nosso sistema tributário mais progressivo.”
Sem dúvida, o PL 4330, a decisão do STF de liberar a terceirização das atividades-fim no serviço público e as medidas de “arrocho fiscal” representam uma violenta ofensiva do capital sobre a classe trabalhadora. Resta saber se a mobilização nacional em curso terá forças para impedir esse desastre.
Texto originalmente publicado no ''Jornal dos Economistas'' do CORECON-RJ e SINDECON-RJ.
Nenhum comentário:
Postar um comentário