sábado, 25 de julho de 2015

O conservadorismo e a História


por Bertone Sousa, para o seu blog


Edmund Burke, eminente pensador do conservadorismo britânico no século XVIII.

 Declarar-se abertamente conservador tem sido uma ação cada vez mais difícil na era da informação em que vivemos. Além do viés quixotesco que norteia suas ações, um conservador também possui um sério problema cognitivo: ele precisa rejeitar o caráter dialético da história e aceitar as mudanças apenas naquilo que mantêm de aparente, isto é, na medida em que não alteram a estrutura da pirâmide social. Por isso as revoluções e os movimentos sociais são a própria antítese da alma conservadora.


 Historicamente, o conservadorismo nasceu como reação à Revolução Francesa e aos ideais de liberdade e igualdade que a nortearam. A Revolução trouxe ao palco da História a expectativa do progresso, a crença na possibilidade humana na realização do futuro através da ciência, da razão e da luta social; a Revolução cristianizou a escatologia cristã, transferindo para o homem e a sociedade as responsabilidades por seu próprio destino, instituindo o planejamento no lugar da espera, a razão no lugar da fé, o Estado no lugar da Igreja, o desejo de poder no lugar da obediência à autoridade e o indivíduo no lugar de Deus.

 Com isso a história passou a ter um sentido fora do conteúdo estritamente religioso que a tradição cristã lhe atribuía. Agora, como sujeito da história o homem assume o controle do seu próprio devir, com o domínio da ciência e a técnica pode mudar a natureza e, com isso mudar a própria sociedade e a si mesmo. A Revolução também traz ao palco a laicização do pensamento político, iniciado na modernidade com Maquiavel e consolidado com os pensadores pós-iluministas do século 19. Nesse sentido, a Revolução Francesa passou a dividir o pensamento político do ocidente em conservador e progressista.

 O progressista acredita na capacidade do espírito humano para reorganizar a sociedade, dissolvendo privilégios seculares e instituindo a noção de direitos humanos. O progressita acredita que a pobreza não resulta da vontade divina ou da indolência dos indivíduos, mas é deliberadamente forjada para manter os privilégios de uma casta ou de um grupo social. Para reverter essa situação, é necessário a institucionalização de outra compreensão da história e o uso da razão e de uma hermenêutica laicista para esquadrinhar as intenções e ações dos agentes no passado e no presente.

 Como reação a esse paradigma, o pensamento conservador veio reafirmar a imutabilidade da natureza humana, a necessidade da sujeição do indivíduo à doutrina religiosa e às classes aristocráticas tradicionais; em nome destas últimas, contesta-se a capacidade do Estado moderno de conceder bem-estar. O progressista tem o olhar voltado para o futuro, o conservador para o passado, para o culto dos antepassados. O conservador teme a liberdade e somente pode conceber uma sociedade “livre” com rédeas. Para isso não bastam as leis, é preciso a imposição do culto à tradição.

 Desse modo o pensamento conservador não pode apelar apenas à História, pois como disse, precisa negar seu caráter dialético e fechar-se no apelo à tradição e à autoridade contra o que consideram o caos, isto é, a reorganização da sociedade pelo espírito revolucionário. Por isso o conservadorismo é mais uma indisposição para com a mudança do que propriamente uma ideologia. Além disso, o conservador precisa recorrer à religião revelada, justamente porque suas verdades são consideradas atemporais  é que a sociedade deve bastar-se nelas. Como a religião revelada não aceita a historicidade dos valores morais, precisa continuamente silenciar aqueles em seu interior que não se conformam a essa visão.

 Por seu fechamento o pensamento conservador tende a ser pouco reflexivo e crítico, mas nunca crítico em relação a si mesmo. Somente pode vicejar em sociedades eminentemente agrárias, com baixa mobilidade social e pouco acesso a informações. Por isso o conservador é uma espécie em extinção, seus clamores contra a mudança em geral não visam ao bem comum mas ao medo que possui de perder privilégios e de que outros tenham acesso a lugares que historicamente não tiveram.

 Mesmo em nossa sociedade urbana, o receio das antigas elites agora é a ocupação daqueles que se acomodaram ao poder e a privilégios. É a jornalista da Folha que protesta num artigo de jornal porque encontrou o porteiro do prédio em Paris ou Nova York. É o empresário que acha ruim porque as pessoas agora querem trabalhar de carteira assinada e não mais por qualquer salário; há quinze ou vinte anos não era assim. São aqueles que vociferam contra cotas para negros na universidade porque, numa sociedade onde os negros têm acesso às piores instituições de ensino, apelar à meritocracia é manter a aristocracia branca nos cursos superiores; é a defesa do latifúndio agroexportador e seu peso na economia do país, razão pela qual não se deve dar ouvidos a “baderneiros invasores”. É o ódio ao presidente que foi operário, à presidente que foi guerrilheira, às políticas de transferência de renda aos mais pobres… Os exemplos não faltam.

 Contra o conservadorismo das elites contemporâneas que odeiam dividir o poder e a renda, somente um pensamento progressista crítico e autocrítico pode erguer a voz em denúncia e em favor dos desfavorecidos e de minorias. A história é fluxo e mudança, mas em favor de quem os eventos vão mudar vai sempre depender da ação dos atores sociais no presente e da consciência de que o passado não é útil apenas aos que querem manter o status quo, mas também a quem quer abrir uma perspectiva de futuro.

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