quinta-feira, 1 de maio de 2014

Marx e o trabalhismo: o longo século, por Eric Hobsbawm

Eric J. Hobsbawm (1917) é conhecido por ter sido um dos maiores historiadores e intelectuais do século XX. Formado na tradição marxista, ele demonstra o poder do método de análise histórico-materialista em obras como Era das Revoluções e a Era dos Extremos. No artigo abaixo, que é o capítulo 16 do último livro publicado de Hobsbawm, Como Mudar o Mundo: Marx e o Marxismo (Cia. das Letras, 2011), o historiador fala da relação entre marxismo e trabalhismo ao longo do século XX e início do século XXI. Nada mais indicado para o Dia do Trabalhador que essa leitura.


''Não nos desarmemos, ainda que os tempos sejam insatisfatórios. A injustiça social ainda precisa ser denunciada e combatida. O mundo não ficará melhor por conta própria.'' - E.J. Hobsbawm

Marx e o Trabalhismo: o longo século

 Parece apropriado que uma coletânea de estudos sobre a história do marxismo encerre com
um ensaio sobre o movimento organizado da classe operária. Para Marx, o proletariado era o
predestinado “coveiro do capitalismo”, o agente essencial da transformação social. No século
xx, a maioria dos movimentos e partidos da classe operária foram associados ao sonho de
Marx de uma nova sociedade (“socialismo”), e, por sua vez, os marxistas, quase sem exceção,
viam os partidos e movimentos da classe operária como seu campo de ação política. No
entanto, não se pode compreender nem o marxismo nem os movimentos operários a não ser
como agentes históricos independentes, em relações complexas e cambiantes entre si. Na
verdade, tampouco se pode compreender o impacto deles sobre a história do século xx.
Embora qualquer pessoa que tenha lido o Manifesto comunista saiba que os movimentos
operários são muito mais antigos, há certa justificativa em começar este estudo dos
movimentos operários e de suas ideologias pelo fim do século xix. A crônica do movimento
operário britânico começa para valer na década de 1890, sobretudo com os notáveis estudos de
Sidney e Beatrice Webb sobre o sindicalismo. A primeira pesquisa global comparativa surgiu
em 1900: Die Gewerkschaftsbewegung. Darstellung der gewerkschaftlichen Organisation der
Arbeiter und Arbeitgeber aller Länder [Sindicalismo. Descrição da organização sindical de
trabalhadores e empregadores em todo o mundo], de W. Kulemann. As primeiras histórias
escritas de dentro dos novos partidos socialistas começaram a aparecer mais ou menos na
mesma época — por exemplo, em 1898, a primeira versão da história de Mehring do Partido
Social-Democrata da Alemanha.

 Além disso, foi na década de 1890 que os governos europeus reconheceram a existência
política de movimentos operários firmemente organizados. O governo britânico publicou seu
primeiro Abstract of Labour Statistics em 1893-4; o governo belga começou a publicar uma
Revue du Travail em 1896. Pela primeira vez, um primeiro-ministro britânico — lorde
Rosebery, em 1894 — sentiu-se compelido a mediar um litígio entre empregadores e
empregados. Cinco anos depois, o premier francês, Waldeck-Rousseau, seguiu seu exemplo,
tendo sido convidado a fazê-lo pelos operários em greve da fábrica Schneider-Creusot. E, no
mesmo ano, o governo francês deu um passo que deixou os partidos operários, ou ao menos os
socialistas, em estado de choque. Nomeou um socialista, Alexandre Millerand, de quarenta
anos, para ministro do Comércio. Até então, e na verdade ainda durante muitos anos, os
socialistas davam como certo que nem formariam o governo nem fariam parte de nenhum
deles até que a revolução ou uma greve geral houvesse posto o capitalismo de joelhos, ou pelo
menos até que um partido social-democrata intransigente tivesse ganhado sozinho uma
eleição. Essa foi a crise que, ideologicamente, deu início à história política do trabalhismo no
século XX.

 Por que os governos europeus concluíram que tinham de levar o operariado a sério? Não
terá sido, seguramente, por sua força econômica, ainda que muitos empregadores alegassem
que os sindicatos estavam prestes a asfixiar a indústria. A organização sindical ainda era
modesta — digamos que reunisse de 15% a 20% dos trabalhadores na Grã-Bretanha e na
França, e um pouco menos na Alemanha. Tampouco tinha forte presença política, exceto na
Alemanha, onde o Partido Social-Democrata constituía, de longe, a maior força eleitoral, com
seus 30% dos eleitores (do sexo masculino). Entretanto, se a democracia eleitoral fosse
reimplantada, o que parecia provável, podia-se esperar que os partidos operários se tornassem
importantes forças eleitorais, o que realmente aconteceu na Escandinávia e outras regiões nos
anos que antecederam a eclosão da guerra em 1914. Todavia, o que realmente deixava os
governos nervosos não eram cálculos eleitorais, e sim a evidente consciência de classe dos
operários, que encontrou expressão nos partidos de classe, preponderantemente “vermelhos”.
Como disse Winston Churchill, presidente da Câmara de Comércio no novo governo liberal
reformista de 1906, se o velho sistema bipartidário de conservadores e liberais se rompesse, a
política britânica se tornaria uma aberta política de classes, ou seja, uma política dominada
pelo conflito dos interesses de classe. Na Grã-Bretanha, onde, em sua maioria, os habitantes
eram ou se viam como “trabalhadores”, isso parecia uma questão de especial urgência, mas
evitar a política de luta de classes era um problema geral.

 Pela primeira, mas não pela última vez, a crise Millerand forçou os novos partidos operários
a refletir sobre sua relação com o sistema em que atuavam. O momento era patentemente
oportuno para se fazer uma pergunta central, pois, quase na mesma época (no outono de 1899),
Eduard Bernstein, um dos primeiros pilares do marxismo alemão, publicou seu manifesto de
reformismo, Die Voraussetzungen des Sozialismus und die Aufgaben der Sozialdemokratie [As
premissas do socialismo e as tarefas da social-democracia], que levaria a um acrimonioso
debate no movimento internacional. Nem é irrelevante que esse tenha sido o momento em que,
também pela primeira vez, publicaram-se livros com títulos como A crise do marxismo (de
Masaryk, mais tarde presidente da Tchecoslováquia).

 A pergunta central que estava por trás da crise Millerand e do debate sobre o revisionismo
de Bernstein era: reforma ou revolução? Uma vez que, no fim da década de 1890, não se
esperava o colapso imediato do capitalismo, ao menos nas economias desenvolvidas, qual
seria a função histórica dos movimentos operários? Em outras palavras, existiria uma via não
revolucionária para o socialismo? Os casos de Millerand e Bernstein foram em especial
escandalosos, porque não havia como fugir à forma peremptória com que eles faziam essa
pergunta. Bernstein teve de ser rejeitado, porque afrontou todas as seções da Internacional ao
propor claramente uma revisão do marxismo e, por isso, foi denunciado unanimemente. O
movimento tratou o caso Millerand com muito mais circunspecção, pois dizia respeito a uma
única pessoa, e a teoria socialista como tal não estava em questão. Propôs-se uma solução
conciliatória, que na prática possibilitou a participação de pessoas, mas não de partidos, em
“governos burgueses”. Quanto a Bernstein, na prática a social-democracia aceitou a tese de
que a melhoria nas condições de trabalho sob o capitalismo era a principal tarefa do
movimento, ao mesmo tempo que repudiava categoricamente sua justificativa teórica do
reformismo. De fato, a partir de 1900, os movimentos operários marxistas nos principais
países do capitalismo viveram numa simbiose tácita com o capitalismo, e não num estado de
guerra.

 Embora trabalhismo e socialismo parecessem inseparáveis, os dois movimentos não eram
idênticos. Millerand e Bernstein protagonizaram uma crise do socialismo, mas não dos
movimentos operários. Uma conferência internacional de historiadores do trabalhismo debateu equivocadamente o tema “O movimento trabalhista como um projeto de modernidade
que fracassou”. Movimentos operários e consciência de classe não são “projetos”, mas, numa
certa fase da produção social, características de classe logicamente necessárias e,
politicamente, quase inevitáveis de homens e mulheres que trabalham por salários. O termo
“projeto” aplica-se antes ao socialismo, ou seja, à intenção de substituir o capitalismo por um
novo sistema econômico e uma nova sociedade. Movimentos trabalhistas surgem em todas as
sociedades que contem com uma classe operária, exceto quando impedidos pela coerção e o
terror. Os movimentos trabalhistas desempenharam um papel importante na história dos
Estados Unidos. Ainda o desempenham dentro do Partido Democrata. Ao mesmo tempo já se
perguntava “Por que não existe socialismo nos Estados Unidos?” — como fez o então
marxista Werner Sombart, em 1906 —, tomando como incontestável a ausência ou
insignificância do socialismo naquele país, quer como ideologia, quer como movimento
político. Na Grã-Bretanha, o movimento sindical Lib-Lab buscava apoio político junto ao
Partido Liberal, com o qual não cortou inteiramente sua ligação até depois da Primeira Guerra
Mundial. Na Argentina, socialistas e comunistas não conseguiam imaginar, na década de 1940,
como seria possível o surgimento de um movimento trabalhista politicamente independente e
radical num país cuja ideologia (o peronismo) consistia basicamente em lealdade a um general
demagogo.

 Além disso, tem havido movimentos operários de boa-fé e ativamente antissocialistas,
como o Solidariedade polonês, e movimentos operários ligados a nacionalismos ou religiões
específicos, com ou sem laços com outras ideologias. Assim, a tentativa do governo britânico,
na década de 1970, de incluir os católicos no governo da Irlanda do Norte foi sabotada por
uma greve geral da classe operária protestante. Por outro lado, a história registra movimentos
socialistas e comunistas que não tinham nem buscavam uma base de classe, movimentos
cristãos tradicionais e heréticos, e os vários “socialistas utópicos” criadores de comunidades
no século xix, paradoxalmente mais populares nos Estados Unidos do que em qualquer outro
lugar.

 É inegável, sem dúvida, que da época do Manifesto comunista até a década de 1970, foram
raros os movimentos operários sem relação com o socialismo. Com efeito, na prática é quase
impossível encontrar qualquer movimento operário, de qualquer natureza, em que socialistas
ou pessoas formadas nos movimentos socialistas não tenham desempenhado um papel
importante. É claro que essa simbiose entre os movimentos operários e o socialismo não foi
fortuita. Ambos os lados tiravam vantagem dela, exceto nos sistemas de “socialismo real”, que
aboliu os movimentos operários em nome de partidos que alegavam representar a classe
operária e em nome do socialismo.

 Os movimentos operários e o socialismo não eram, porém, necessariamente congruentes.
De fato, teóricos marxistas, de Kautsky a Lênin, sustentaram que o socialismo não era gerado
espontaneamente pelos movimentos operários, mas tinha de ser trazido de fora e introduzido
neles. Isso talvez fosse um exagero. Pode-se afirmar que a época da Revolução Americana, da
Revolução Francesa e da Revolução Industrial fez com que a possibilidade de pôr fim à ordem
vigente e substituí-la por uma sociedade inteiramente diferente e melhor passasse a fazer parte
do panorama intelectual geral, ao menos no Ocidente. Por conseguinte, a luta dos
trabalhadores por melhores condições, uma luta essencialmente coletiva, trazia em si,
implicitamente, o potencial dessa sociedade melhor, isto é, com mais justiça social; uma
sociedade baseada na comunidade e na cooperação, e não na competição. Os movimentos dos
pobres tendiam a apoiar e fomentar essa perspectiva. O que tinha de ser trazido de fora e
introduzido neles eram outras coisas: o nome e o conteúdo específicos da nova sociedade, uma
estratégia que facilitasse a transição do capitalismo para o socialismo e, acima de tudo, o
conceito de um partido de classe, politicamente independente e ativo em escala nacional.
Organizações como sindicatos, centros de proteção mútua e cooperativas poderiam surgir
espontaneamente da experiência de vida dos trabalhadores, mas não partidos políticos.

 A contribuição fundamental de Marx e Engels, a partir do Manifesto comunista, foi a tese
segundo a qual a organização de classe dos trabalhadores deveria necessariamente assumir a
forma de um partido político ativo em todo o território do país, ou até além dele. (Na verdade,
isso só seria viável em Estados constitucionais, liberais ou democrático-burgueses.) Essa foi
uma proposição de imenso significado histórico, não só para o movimento operário, que não
poderia avançar muito em suas metas sem mobilizar o apoio do Estado contra os
empregadores, como também para a estrutura da política moderna em geral. Também se
mostrou realista, pois vários desses partidos surgiram depois da morte de Marx, destinados a
se tornar partidos governistas e manter-se como tais, ou como importantes partidos de
oposição na maior parte da Europa não comunista. Alguns deles ainda mantêm sua filiação de
classe original: o Labour Party na Grã-Bretanha, o Partido Socialista Obrero na Espanha, o
Sveriges Socialdemokratiska Arbetareparti na Suécia, o Norske Arbeiderparti na Noruega.
Esse é um caso de continuidade quase sem paralelo na Europa, que invalida a ideia de que os
movimentos operários têm de se tornar ou permanecer revolucionários porque não poderiam
chegar a lugar nenhum sob um regime capitalista. Já quanto à afirmativa de que, por
necessidade histórica, o proletariado era ou viria a ser a “classe verdadeiramente
revolucionária”, hoje está evidente que essa presunção era infundada. Além disso, a história
nos mostrou que as revoluções são conjuntos de eventos demasiado complexos para serem
vistas apenas como transcrições da estrutura de classes. Os teóricos e historiadores do
trabalhismo que, como os marxistas, tentaram explicar por que razão os partidos da classe
operária se recusavam obstinadamente a cumprir o papel revolucionário que lhes foi imputado
poderiam ter se poupado tanto tempo e esforço.

 Em suma, nos países (constitucionais) do capitalismo avançado, nos quais não se esperavam
revoluções por outras razões, havia revolucionários dentro ou fora dos movimentos operários,
mas a maioria dos trabalhadores organizados, até os com mais consciência de classe, em geral
não eram revolucionários, mesmo quando seus partidos estavam comprometidos com o
socialismo. A situação, claro está, era diferente em países como os dos impérios russo ou
otomano, nos quais só se poderia esperar qualquer mudança para melhor através de revolução.
Assim, nada nos Estados no centro do capitalismo avançado parecia obstar uma simbiose
entre o trabalhismo e um florescente sistema econômico no começo do século xx. Não estava à
vista o colapso do capitalismo ou das constituições liberais, cada vez mais democráticas,
típicas dessa região. O modelo capitalista de desenvolvimento não parecia mais periclitante do
que a estrutura imperialista do globo, pois no mundo “atrasado” era evidente a superioridade
econômica, cultural e, em especial, militar do mundo “avançado”. Com efeito, nos países
“atrasados” em que a revolução era uma perspectiva real, e não um mero artifício retórico,
estava claro para os marxistas que o desenvolvimento capitalista burguês era o único caminho
do progresso. Por isso, na Rússia, os chamados “marxistas legais” transformaram o marxismo
numa ideologia de industrialização capitalista, mas até 1917 os próprios bolcheviques estavam
convencidos de que o objetivo imediato da revolução iminente era uma sociedade liberal
burguesa, uma vez que somente ela poderia criar as condições históricas que permitissem um
maior avanço no sentido da revolução proletária, isto é, para o socialismo.

 A Primeira Guerra Mundial pareceu resolver todas essas expectativas. A “Era da
Catástrofe”, de 1914 ao fim da década de 1940, transcorreu à sombra da guerra, do colapso
social e político e da revolução — principalmente da Revolução Russa de Outubro. Tudo deu
errado para o Velho Mundo. Guerras acabaram em revoluções e agitação colonial. Estados
constitucionais liberais burgueses e democráticos, até então sob o império da lei, deram lugar
a regimes políticos quase inimagináveis antes de 1914, como a Alemanha de Hitler e a União
Soviética de Stálin. Até mesmo a economia de mercado do liberalismo econômico ameaçava
desabar na crise do começo da década de 1930. Conseguiria o capitalismo sobreviver, a não
ser numa forma que abolisse tanto a democracia quanto o movimento operário? Só a extensão
dos problemas do capitalismo explica que, mesmo no Ocidente, a débil economia industrial da
União Soviética fosse vista, seriamente, como um sistema mais dinâmico do que o ocidental e
uma possível alternativa global ao capitalismo. Ainda no começo da década de 1960 havia
políticos burgueses, como o primeiro-ministro britânico Harold Macmillan, que acreditavam,
como Kruchev, que as economias socialistas poderiam produzir mais do que as ocidentais.
Mesmo aqueles que se mostravam mais céticos com relação às realizações e ao potencial
econômicos da União Soviética não podiam negar seu peso político global e seu poder militar.
A Primeira Guerra Mundial derrubou o tsarismo, e a Segunda transformou a Rússia numa
superpotência. Para grandes áreas do mundo colonial, agora emancipado, e outras partes do
“Terceiro Mundo”, a União Soviética e, por meio dela, o socialismo tornaram-se um modelo
econômico de como superar o subdesenvolvimento.

 Diante disso, mudou a meta política dos movimentos socialistas e operários na Era da
Catástrofe: se antes ela consistia em conviver com o capitalismo, passou a ser acabar com ele.
A revolução e a posterior construção da nova sociedade pareciam uma perspectiva melhor do
que a vagarosa marcha avante, por meio de reformas, rumo a um socialismo distante que
sequer era buscado com afinco. Sidney e Beatrice Webb, inspiradores dos fabianos britânicos
e apóstolos do reformismo gradual — a inspiração do revisionismo de Bernstein no fim do
século XIX —, abjuraram o reformismo na década de 1930 e depuseram sua fé no socialismo
soviético.

 Entretanto, embora as coisas parecessem muito diferentes depois de 1917, o capitalismo,
em seus principais redutos, não se viu ameaçado nem com o colapso final nem com uma
revolução social — a qual se restringia a países na periferia do sistema. A revolução do
soviete de Petrogrado não vingou em Berlim, e hoje vemos que era irrealista esperar o
contrário. Por isso, os alicerces da simbiose reformista permaneceram firmes. De fato, ela se
tornou mais atraente para os políticos e empreendedores como uma salvaguarda contra a
revolução social e o espectro de um movimento comunista mundial, tanto mais porque havia
agora uma distinção nítida entre os partidos social-democratas reformistas e os partidos
comunistas revolucionários, mutuamente hostis. Tudo o que faltou entre as duas guerras foi a
prosperidade que proporcionava os meios para as necessárias concessões aos movimentos
operários. Em todo caso, mesmo nos piores dias de crise, a maioria dos membros desses
movimentos nesses países recusou-se a trocar os partidos reformistas pelos revolucionários.
Entre as guerras, os partidos comunistas só tiveram apoio da massa em três dos países em que
eram legais, e mesmo neles continuaram mais fracos do que a social-democracia: Alemanha,
França e Tchecoslováquia. Se o partido comunista fosse legal na Finlândia, poderiam ter sido
quatro. Em outros países, os partidos comunistas obtiveram no máximo 6% dos votos
(Bélgica, Noruega e Suécia) e durante pouco tempo.

 Depois da Segunda Guerra Mundial, a simbiose foi promovida de maneira mais sistemática,
como parte de uma política de reforma estrutural do capitalismo ocidental, por meio da
política deliberada de pleno emprego e do que veio a ser o Estado de bem-estar social, com
base no enorme crescimento das economias capitalistas no período 1947-73. Teria essa
tentativa consciente de integrar o trabalhismo surgido sem as experiências traumáticas da
grande depressão no entreguerras e da ascensão da Alemanha de Hitler? Quanto dela se deveu
ao medo do comunismo, cujas forças haviam aumentado substancialmente nos anos da
resistência antifascista? O que agora estava por trás dessas forças era uma superpotência.
Teria o reformista Bernstein (“o movimento é tudo, o objetivo final, nada”) vencido sem
Stálin e Hitler? É improvável.

 Assim, nos países do centro do capitalismo, o modelo revisionista do movimento operário
prevaleceu na nova Era Áurea do capitalismo ocidental (1947-73). Sua vitória teve como
símbolo o abandono formal do marxismo pelo Partido Social-Democrata da Alemanha, no
programa de Godesberg (1959). Nada parecia ter sido perdido com isso, a não ser lembranças
sentimentais, pois, quando a Era Áurea se aproximava do fim, os objetivos do reformismo
tinham sido alcançados na prática, e os trabalhadores estavam em situação incomparavelmente
melhor do que os mais otimistas representantes da reforma teriam sonhado antes de 1914. Não
obstante, os partidos revisionistas permaneciam radicados na classe operária, embora tivessem
renunciado ao “objetivo final” do socialismo e fossem criticados por esquerdistas tradicionais.
A classe dos operários manuais, sua principal base eleitoral, continuou a votar neles, e só
começou a abandonar seus partidos de classe mais tarde.

 Até o fim da década de 1970, a expansão espetacular da produção ainda exigia uma vasta
massa de operários industriais, que, portanto, continuaram a ser ou se tornaram uma parte
importante dos eleitorados. É provável que na década de 1970 houvesse mais proletários na
Europa capitalista, em números absolutos e relativos, do que no fim do século xix, quando a
nova consciência de classe do operariado de repente criou partidos proletários de massa.
Contudo, hoje também está claro que esses partidos da classe operária, mesmo considerando
todos eles, os reformistas e os revolucionários, nunca alcançaram mais que metade dos votos
em eleições, e só depois da Segunda Guerra Mundial.

 Excetuado o período entre as guerras, o desenvolvimento de movimentos operários nos
países do centro do capitalismo, até a crise após a década de 1970, pode ser sintetizado como
segue.

 Antes até da Primeira Guerra Mundial, as políticas das classes dominantes, que se
defrontavam com uma crescente democratização política (acelerada pela pressão dos novos
partidos trabalhistas), haviam começado a se encaminhar para a reforma social. Nos países
não fascistas, o processo acelerou-se no entreguerras, mas só se tornou sistemático depois da
Segunda Guerra Mundial, com os lemas “pleno emprego” e “Estado de bem-estar social”.
Mesmo antes de 1914, a democratização e o crescimento econômico estimularam a franca
admissão da importância dos movimentos operários moderados, embora a Alemanha imperial
representasse uma relevante exceção. Por conseguinte, os movimentos e partidos operários
identificaram-se na prática com seus Estados-nações. Isso ficou mais do que patente ao
rebentar a guerra em 1914.

 O fim do conflito assistiu a um aumento espetacular nos números e na força da classe
operária organizada. Embora esse incremento não pudesse ser mantido no entreguerras, foi
retomado durante e depois da Segunda Guerra Mundial. Salvo em países industriais
tradicionalmente fracos ou instáveis, como, por exemplo, a França e a Espanha, o trabalhismo
organizado alcançou força máxima na década de 1970. Com isso, os partidos trabalhistas
tornaram-se forças mantenedoras do Estado e do sistema. Durante a Primeira Guerra Mundial
e depois dela, representantes desses partidos participaram de governos e logo eles próprios
formavam governos, ainda que só depois de 1945 tenham podido fazê-lo sem o apoio de
partidos não socialistas. Essa mudança também chegou ao auge na década de 1970, quando,
em uma época ou outra, governos social-democratas dirigiram a Alemanha Federal, a Áustria,
a Bélgica, a Dinamarca, a Espanha pós-Franco, a Finlândia, a Noruega, Portugal, o Reino
Unido e a Suécia. A esses países se juntaram a França e a Grécia em 1981. Sobreveio então a
crise.

 Que papel desempenharam os revolucionários nos movimentos trabalhistas dos países do
centro do capitalismo ocidental? Quaisquer que fossem suas teorias, na prática não podiam ser
revolucionários, uma vez que não havia expectativa de colapso do capitalismo ou de transição
para o socialismo. Por outro lado, eram necessários, pois mesmo os movimentos operários não
socialistas dependiam da combinação de luta de classes no local de trabalho e de pressão
política sobre os governos nacionais, sem falar em ideias que expressassem suas aspirações.
Onde os sindicatos eram fortes, os revolucionários puderam desempenhar um papel de relevo,
de modo que pequenas minorias de comunistas podiam ter uma eficácia desproporcional a sua
força em países como a Grã-Bretanha e os Estados Unidos, onde seus partidos eram
politicamente desprezíveis. O apogeu da influência do Partido Comunista no sindicalismo
britânico ocorreu na década de 1970, quando o partido estava com um pé na cova.
Nas ditaduras que sobraram da Era da Catástrofe — por exemplo, Espanha e Portugal —, os
comunistas, ilegais, ainda eram a principal força de resistência e desempenharam um papel
significativo na transição para a democracia na década de 1970, mas logo se viram
marginalizados. Na Itália, o maior partido comunista de massa da Europa, sistematicamente
excluído dos gabinetes por pressão de Washington, afastou-se da União Soviética e
aproximou-se de um modelo social-democrata. Na França, o Partido Comunista adotou uma
política reformista durante alguns anos na década de 1970, como parte de algo como uma nova
Frente Popular iniciada por Mitterrand, o reconstrutor do Partido Socialista. O Partido
Comunista participou do governo, com um presidente socialista, em 1981-4 — foi a primeira
vez, desde 1947, que um partido comunista teve permissão de fazê-lo —, mas logo reverteu à
linha dura costumeira. Derrotado nas eleições e suplantado por hábeis manobras do Partido
Socialista a partir de 1974, seu apoio de massa ruiu nos anos 1980.

 A situação era muito diferente nos países fora do centro do capitalismo, inclusive nos que
agora tinham regimes oriundos das vitoriosas revoluções leninistas de 1917 e 1945-9. Os
bolcheviques russos haviam chegado ao poder em nome do proletariado, e seus planos
quinquenais criaram uma gigantesca classe operária, mas aboliram o movimento operário
como o conhecemos. Até o fim, a União Soviética não permitiu a existência de nenhuma
organização de trabalhadores que não fosse controlada pelo partido e pelo Estado, e esse
modelo foi seguido pelos novos Estados comunistas depois de 1945 enquanto tiveram poder
para impô-lo. Pode-se escrever a história da classe operária no mundo comunista e até uma
história dos conflitos trabalhistas, mas não a história de movimentos trabalhistas, excetuado o
caso relevante do Solidariedade na Polônia, na década de 1980.

 Em outras partes do mundo, os movimentos operários, socialistas ou de outra linha
(podemos considerar ou não os da Australásia e poucas outras exceções modestas), só
começaram com a Revolução Russa. A Segunda Internacional era quase nula nessas regiões, e
nelas simplesmente não havia base alguma para as políticas social-democratas, quanto mais as
bernsteinianas. Por outro lado, em alguns países, sobretudo nas Américas, encontramos um
fenômeno que, por motivos históricos, praticamente não existia no Velho Mundo — a
disposição de chefes de Estado demagogos de favorecer movimentos operários como parte de
sua luta contra as velhas elites de latifundiários. Esse foi o caso na Argentina e no Brasil. No
México, o mesmo papel foi desempenhado pelo Partido Revolucionário Institucional, o pri,
que surgiu da revolução mexicana. De fato, até os primórdios da verdadeira industrialização,
na década de 1970, era difícil encontrar uma classe operária organizável nessas regiões, salvo
nos setores de mineração, energia, têxteis e transporte e navegação. Desde então, porém,
ocorreram dois fatos comparáveis ao que sucedeu na Europa um século antes: na Coreia, o
crescimento do sindicalismo de massa, e, no Brasil, o surgimento do Partido dos
Trabalhadores (pt), ambos na década de 1980. A influência do leninismo (ortodoxo ou
dissidente) foi importante nesses movimentos, mas só se tornou decisiva em alguns poucos
países. Qualquer que fosse a ideologia ou a não ideologia por trás desses movimentos,
praticamente todos tiveram lugar em países onde golpes militares, revoluções, violência
urbana e armas eram mais corriqueiros do que a política democrática e pacífica. Na China e no
Vietnã, assim como na União Soviética, a industrialização em massa não teve como levar a
organizações trabalhistas independentes.

 Então, depois da década de 1970, tudo mudou: tanto Lênin quanto Bernstein perderam as
esperanças. Todo mundo sabe que o sistema soviético ruiu, enquanto os partidos comunistas
fora do poder se desvaneceram. Menos notório é o fato de que a social-democracia
bernsteiniana também sumiu. O edifício do reformismo assentava-se sobre três alicerces. O
primeiro era a dimensão e o crescimento da classe operária, a consciência que soldava uma
massa díspar de trabalhadores aos mais ou menos pobres, tornando-os uma classe única, e a
disposição dos governos democrático-burgueses, já antes de 1914, a fazer concessões a esses
relevantes blocos eleitorais, desde que não se conduzissem de modo demasiado radical. Mas, a
partir da década de 1970, as classes operárias dos países do centro capitalista (o “Primeiro
Mundo”) encolheram, tanto em termos relativos quanto absolutos, e perderam grande parte de
sua consciência de classe unida e unificante. Isso chegou a tal ponto que alguns grupos dessas
classes operárias, no passado ligados ao movimento, bandearam-se para partidos do
liberalismo econômico, como aconteceu na Grã-Bretanha de Thatcher e nos Estados Unidos de
Reagan. Nos anos 1980 nota-se também a ascensão de partidos da direita nacionalista radical
que atraem eleitores da classe operária, sobretudo na França (sob a liderança de Le Pen) e na
Áustria (liderada por Haider). Ademais, o enorme incremento na riqueza das sociedades de
consumo afluentes, que também beneficiou as classes operárias, solapou o princípio
axiomático de que melhorias reais para o membro da classe operária só poderiam ser
alcançadas por solidariedade e ação coletiva.

 Não podemos ir além de imaginar a importância do declínio das ideologias de esquerda,
inclusive o socialismo, que tinham raízes no Iluminismo do século xviii. Ela terá sido,
provavelmente, insignificante na Europa, mas não em partes da Ásia e da África, sobretudo
nas regiões muçulmanas. A revolução iraniana de 1979 foi a primeira revolução importante,
desde Cromwell, não inspirada por uma ideologia secular, mas apelou para as massas na
linguagem da religião, no caso o idioma do islã xiita. Mais tarde, um politizado islã
fundamentalista (sunita) começou a aparecer em várias regiões entre o Paquistão e o Marrocos
e ganhou força. Ao mesmo tempo, como vimos, ocorreu um forte declínio no marxismo e na
esquerda social-democrata, acompanhado de uma despolitização geral de trabalhadores e
estudantes.

 A Revolução Russa dera ao reformismo seu segundo alicerce: o medo do comunismo e da
União Soviética. O avanço de ambos durante a Segunda Guerra Mundial e depois dela pareceu,
ao menos na Europa, exigir de governos e empregadores uma contrapolítica de pleno emprego
e seguridade social sistemática. Mas a União Soviética não existe mais, e com a queda do
muro de Berlim o capitalismo pôde esquecer seus temores e, por isso, perdeu o interesse por
pessoas que dificilmente comprarão ações. Em todo caso, até os episódios de desemprego em
massa nas décadas de 1980 e 1990 pareceram ter perdido o velho poder de radicalizar suas
vítimas.

 Contudo, a partir de 1945, não foi só a política que se mostrou necessitada de reformas, mas
também a economia e, principalmente, o pleno emprego — como Keynes e os economistas
suecos da social-democracia escandinava haviam predito. Esse seria o terceiro alicerce do
reformismo. Essa foi a política não só dos governos social-democratas, como de todos os
governos (sem excluir o dos Estados Unidos). Isso valeu aos países ocidentais tanto
estabilidade política quanto uma prosperidade econômica sem precedentes. Só ao sobrevir a
nova era, depois de 1973, quando a economia e a política de reformas do pós-guerra já não
rendiam resultados tão positivos, os governos foram seduzidos pelas ideologias individualistas
de liberalismo econômico radical que a essa altura haviam tomado conta da escola de
economia de Chicago. Para seus professores, os movimentos operários, os partidos operários
e, com efeito, os sistemas públicos de bem-estar social não passavam de obstáculos ao
mercado livre que garantia crescimento máximo dos lucros e da economia e, em consequência
— assim argumentavam os ideólogos —, também do bem-estar geral. Idealmente, deveriam
ser abolidos, embora na prática isso se mostrasse impossível. O “pleno emprego” foi agora
substituído por flexibilidade do mercado de trabalho e pela doutrina da “taxa natural de
desemprego”.

 Esse foi também o período em que os Estados-nações recuaram ante o avanço da economia
global transnacional. Apesar de seu internacionalismo teórico, os movimentos operários só
eram eficazes dentro dos limites de seu país, acorrentados a seu Estado-nação, sobretudo nas
economias mistas estatais e nos Estados de bem-estar social da segunda metade do século xx.
Com o recuo do Estado-nação, os movimentos operários e os partidos social-democratas
perderam sua arma mais poderosa. Até hoje eles não foram muito bem-sucedidos em
operações transnacionais.

 Neste momento em que o capitalismo entra em mais um período de crise, constatamos o
fim de uma fase peculiar na história dos movimentos operários. Nas “economias emergentes”,
em rápida industrialização, não há possibilidade alguma de declínio da mão de obra industrial.
Nos países ricos do capitalismo antigo ainda existem movimentos operários, embora busquem
forças nos serviços públicos, que, apesar das campanhas neoliberais, não mostram sinais de
retração. Os movimentos ocidentais sobreviveram porque, como previu Marx, a grande
maioria da população economicamente ativa depende de seus salários e, por isso, reconhece a
diferença entre os interesses dos patrões e dos assalariados. Quando surgem conflitos entre os
dois lados, são resolvidos mediante ação coletiva, em geral por iniciativa dos assalariados. Ou
seja, a luta de classes continua, apoiada ou não por ideologias políticas.

 Além disso, continua a existir o hiato entre ricos e pobres e divisões entre grupos sociais
com interesses divergentes, não importa que chamemos ou não esses grupos de “classes”.
Quaisquer que sejam as hierarquias sociais, muito diferentes das de cem ou duzentos anos
atrás, a política prossegue, ainda que só em parte como política de classe.

 Por fim, os movimentos operários continuam porque o Estado-nação não está a caminho da
extinção. O Estado e as demais autoridades públicas são as únicas instituições capazes de
distribuir o produto social entre seu povo, em termos humanos, e atender a necessidades
humanas que não podem ser satisfeitas pelo mercado. A política, por conseguinte, tem sido e
continua a ser uma dimensão necessária da luta para melhoria social. Com efeito, a grande
crise econômica que começou em 2008, como uma espécie de equivalente da direita à queda
do muro de Berlim, trouxe uma compreensão imediata de que o Estado era essencial para uma
economia em dificuldades, do mesmo modo como fora essencial para o triunfo do
neoliberalismo quando os governos lançaram suas bases por meio de privatizações e
desregulações sistemáticas.

 Contudo, o grande efeito do período 1973-2008 foi o abandono de Bernstein pela socialdemocracia.
Na Grã-Bretanha, os líderes social-democratas julgaram não ter opção senão
confiar nos benefícios que o crescimento econômico do mercado livre global gerava
automaticamente, e em uma rede de segurança social criada de cima para baixo. O “Novo
Trabalhismo” estava identificado com a sociedade orientada para o mercado e assim
continuou até a crise financeira de 2008, quase cortando seu vínculo orgânico com o
movimento trabalhista. O caso é extremo, mas a posição da social-democracia reformista em
outras praças-fortes (inclusive a do único partido comunista de massa restante, o da Itália)
também se deteriorou fortemente, com a possível exceção da Alemanha reunificada e da
Espanha. Os comunistas, divididos entre os “eurocomunistas” moderados e os tradicionalistas
de linha dura, decaíram a ponto de o comunismo desaparecer como força política
representativa no Ocidente.

 Mas essa era também está chegando ao fim, já que em 2008 o mundo entrou de repente na
mais séria crise do capitalismo desde a Era da Catástrofe. Quando começou, a situação do
trabalhismo era estranha. Seus partidos ainda estavam no governo em diversos países
europeus, sozinhos ou como partes de uma “grande coalizão” (Espanha, Portugal, Reino
Unido, Noruega, Alemanha, Áustria e Suíça). O súbito colapso financeiro reabilitou o Estado
como ator econômico, uma vez que tanto empregadores quanto trabalhadores pediram a seus
governos que salvassem o que restava das indústrias nacionais. Além disso, já havia sinais
claros de militância nas empresas e insatisfação pública, ainda que entre os trabalhadores a
velha tradição de “ir para as ruas” (descendre dans la rue, dizem os franceses) já enfraquecera
— embora ainda estivesse viva e fosse politicamente importante em alguns países europeus e
em outros lugares, como na Argentina. Ainda havia fortes movimentos sindicais, em grande
parte dirigidos por homens e mulheres que haviam se formado na tradição socialista, socialdemocrata
ou comunista.

 No papel, numa época dessas, parecia possível uma revitalização dos movimentos operários
ligados à esquerda ideológica. Na prática, entretanto, suas perspectivas a curto prazo eram
menos estimulantes, até para aqueles que não recordavam que o resultado político imediato da
Grande Depressão de 1929-33 fora um generalizado esvaziamento dos movimentos operários e
da esquerda em quase toda a Europa. Os socialistas, por tradição os especialistas do
trabalhismo, não sabem o que fazer, como os demais, para superar a crise atual. Ao contrário
do que ocorreu na década de 1930, não podem apontar exemplos de regimes comunistas ou
social-democratas imunes à crise, nem têm propostas realistas para uma mudança socialista.
Nos velhos países capitalistas do Ocidente, a desindustrialização já encolhera e continuaria a
encolher a principal base, industrial e eleitoral, desses países: a classe operária. Nos países
emergentes, onde a situação era diferente, os movimentos trabalhistas poderiam até crescer,
mas não havia uma base real para uma aliança com as ideologias tradicionais de liberação
social, ou porque essas ideologias estavam ligadas a regimes comunistas, presentes ou
passados, ou porque os movimentos antes ligados aos “vermelhos” tinham se atrofiado com o
tempo. (Deixemos de lado o caso inusitado da América Latina.)

 A rigor, surgiram algumas teses radicais ou esquerdistas durante a fragmentação e o
declínio das velhas ideologias da esquerda, mas com uma base muito mais de classe média.
Suas preocupações — por exemplo, o meio ambiente, a veemente hostilidade contra as guerras
do período — não eram diretamente relevantes para as ações dos movimentos operários.
Podem ter até antagonizado seus integrantes. Onde esses movimentos pretendiam
transformação social, elas representavam antes protestos que aspirações. Era fácil perceber
contra o que se insurgiam — eram “anticapitalistas”, embora sem nenhuma ideia clara sobre o
capitalismo —, mas era quase impossível identificar o que propunham no lugar dele. Isso
talvez explique uma revivescência de algo parecido com o anarquismo de Bakunin, o ramo das
teorias socialistas do século xix com menos ideias sobre o que aconteceria quando a velha
sociedade tivesse sido derrubada, e, portanto, o mais fácil de adaptar a uma situação de intensa
insatisfação social sem perspectiva. Se bem que isso tenha sido eficaz para gerar publicidade,
graças à exibição, pelos meios de comunicação, de distúrbios, confrontos com a polícia e,
talvez, algumas atividades terroristas, não tem hoje praticamente efeito algum sobre o futuro
dos movimentos trabalhistas. Temos o equivalente à “propaganda pelo ato” do século xix, mas
nada que seja equivalente ao anarcossindicalismo.

 Não está claro até que ponto o vácuo deixado pelo desvanecimento das velhas ideologias da
esquerda socialista pode ser preenchido pelas imaginadas comunidades de identidade étnicas,
religiosas, de gênero, de estilos de vida e outras. O nacionalismo politicamente étnico tem as
melhores chances, uma vez que apresenta forte atrativo para os anseios políticos xenófobos e
protecionistas da classe operária, anseios que ressoam mais do que nunca numa época em que
a globalização e o desemprego em massa se aliam: “nossa” indústria para a nossa nação, não
para estrangeiros; prioridade de empregos para os nacionais; abaixo a exploração pelos
estrangeiros ricos e pelos imigrantes estrangeiros pobres etc. Em teoria, religiões universais
como o catolicismo e o islã impõem seus próprios limites à xenofobia, mas tanto a etnia
quanto a religião funcionam como barreiras potenciais à globalização capitalista desenfreada
que destrói velhos estilos de vida e relações humanas sem oferecer nenhuma alternativa. O
risco de uma guinada brusca da política para uma direita radical demagógica, de fundo
nacionalista ou confessional, é provavelmente máximo nos países europeus ex-comunistas, no
Sul e no Sudoeste da Ásia, e mínimo na América Latina. Nos Estados Unidos, a crise
econômica pode acarretar um relativo desvio para a esquerda semelhante ao que ocorreu no
governo de F. D. Roosevelt, durante a Grande Depressão, mas isso não é provável em outras
partes do mundo.

 Entretanto, uma coisa mudou para melhor. Redescobrimos que o capitalismo não é a
solução, mas o problema. Durante meio século, seu êxito foi de tal forma aceito sem discussão
que o próprio nome perdeu as associações tradicionalmente negativas e ganhou outras,
positivas. Empresários e políticos podiam regozijar-se não só com a “livre-iniciativa”, mas
por serem francamente capitalistas.1 A partir da década de 1970, esquecido dos temores que o
levaram a reformar-se depois da Segunda Guerra Mundial e dos benefícios econômicos dessa
reforma na subsequente “Era Áurea” das economias ocidentais, o sistema reverteu à versão
extrema, poderíamos até dizer patológica, da política de laissez-faire (“o governo não é a
solução, e sim o problema”) que finalmente implodiu em 2007-8. Durante quase vinte anos
depois do fim do sistema soviético, os ideólogos do laissez-faire acreditaram que haviam
alcançado “o fim da história”, “uma imperturbável vitória do liberalismo econômico e
político” (Fukuyama),2 o crescimento numa definitiva, permanente e autoestabilizadora ordem
mundial do capitalismo, uma ordem social e política, incontestada e incontestável, tanto na
teoria quanto na prática.

 Tudo isso deixou de ser defensável. No século xx, as tentativas de tratar a história do mundo
como um jogo econômico de soma zero entre o privado e o público, o puro individualismo e o
puro coletivismo, não sobreviveram à patente falência da economia soviética e da economia
do “fundamentalismo de mercado” do período que vai de 1980 a 2008. Tampouco uma volta
ao primeiro é mais possível do que uma volta ao segundo. Desde a década de 1980 ficou
evidente que os socialistas — marxistas ou não — tinham ficado sem sua tradicional
alternativa ao capitalismo, pelo menos até que repensassem o que queriam dizer com
“socialismo” e renunciassem à presunção de que a classe operária (manual) seria
necessariamente o agente principal da transformação social. Contudo os fiéis do credo da
reductio ad absurdum do período 1973-2008 também se viram desamparados. Um sistema
alternativo sistemático pode não estar à vista, mas não se pode mais descartar a possibilidade
de uma desintegração, até mesmo de um colapso, do sistema existente. Nenhum dos dois lados
sabe o que aconteceria ou poderia acontecer nesse caso.

 Paradoxalmente, ambos os lados têm interesse em voltar a um importante pensador cuja
essência é a crítica do capitalismo e dos economistas que não perceberam aonde levaria a
globalização capitalista, como ele previra em 1848. Mais uma vez é óbvio que as operações do
sistema econômico devem ser analisadas tanto historicamente, como uma fase da história, e
não como seu fim, quanto de forma realista, isto é, em termos não de um equilíbrio de
mercado ideal, e sim de um mecanismo integrado que gera crises periódicas capazes de
transformar o sistema. A crise atual pode ser uma dessas. Mais uma vez, fica patente que,
mesmo no intervalo entre grandes crises, “o mercado” não tem nenhuma resposta para o
principal problema com que se defronta o século XXI: o fato de que o crescimento econômico
ilimitado e cada vez mais tecnológico, em busca de lucros insustentáveis, produz riqueza
global, mas às custas de um fator de produção cada vez mais dispensável, o trabalho humano,
e, talvez convenha acrescentar, dos recursos naturais do planeta. O liberalismo econômico e o
liberalismo político, sozinhos ou combinados, não conseguem oferecer uma solução para os
problemas do século XXI. Mais uma vez chegou a hora de levar Marx a sério.

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