terça-feira, 12 de agosto de 2014

O projeto de educação na contemporaneidade, ou ''Estamos educando nossas crianças ERRADO!''

 Eu iria escrever um texto sobre os conceitos de alienação na obra de Marx, mas preferi deixá-lo para depois e tratar logo, por uma série de razões, de um tema que a meu ver está conectado: o paradigma da educação nos dias de hoje.

 O modelo de educação atual nasceu na Prússia, ainda no século XVIII, e era um proposta inovadora, baseada nas ideias iluministas, que propunha ensino público e universal. Era inovadora, preciso dizer, para a época. Tal modelo guardava muitas características do militarismo, e estava voltado à demanda de possuidores de conhecimento técnico que pudessem auxiliar no processo de modernização industrial. Posteriormente esse modelo se espalhou pela Europa, e dela para o resto do mundo. Veio a modernização, veio uma substituição da vanguarda iluminista por outras escolas filosóficas (ainda que, em boa parte, ''descendentes'' daquela), mas não veio a modernização da estrutura escolar, do paradigma educacional.

 Ainda que alguns pensadores tenham se esforçado para introduzir uma espécie de pedagogia contestatória - em um sentido mais elaborado, Paulo Freire, e menos elaborado, (por que não dizer?) Carl Sagan -, e ainda que alguns conteúdos e manuais escolares sejam constituídos de forma a promover o pensamento crítico, no geral ainda tratamos a educação como se o objetivo principal fosse a formação de técnicos para o mercado de trabalho, e não a formação da consciência de seres humanos. Que frase ouvimos por todo o ensino médio? ''Estude, para passar no vestibular!'' Alguns amigos já compartilharam comigo a triste confissão de que foram criticados pelos pais e/ou por outros amigos por dedicar horas de estudo e trabalho intelectual a coisas que não estavam, a rigor, ligadas à atividade escolar ou ao ENEM (ou vestibular). A retórica dominante na nossa sociedade é a de que a educação deve ter como alvo apenas o sucesso individual, financeiro - isto é, que se deve estudar para ganhar dinheiro.



 O dinheiro, claro, tem papel importantíssimo (o mais importante de todos?) na nossa sociedade; sem ele não há como almejar muita coisa. Mas não é isso mesmo o reflexo de um mal social? Estamos concedendo importância divina à matéria morta - o dinheiro, para usar as palavras de Marx, transforma a infidelidade em fidelidade, o ódio em amor, o vício em virtude, a estupidez em inteligência. A que tipo de degradação não somos forçados a passar, em nome de um punhado desta matéria morta? Quantos mendigos a pedir esmolas nós vemos pelas ruas sem que os passantes lhes concedam sequer um olhar de compaixão, e quão contrastante isso é com os olhares vibrantes destes mesmos passantes ao visualizar uma joia, um celular, um computador, uma roupa - quão nojenta é esse tipo de situação, uma consequência da atribuição de altos valores àqueles objetos, mas pouco ou nenhum àquelas pessoas?

 Ainda sim, na escola - o local onde parte fundamental das nossas personalidades é formada - não somos estimulados a pensar sobre isso, em como resolvê-lo; fala-se em conseguir notas boas, arranjar um bom emprego, ganhar dinheiro! Quando muito, diz-se que você deve deixar o dinheiro em segundo plano caso alguma profissão que lhe retorne menos lhe dê mais satisfação pessoal. Permanece a doutrina de foco em si, como se os seres humanos fossem mônadas autossuficientes, entidades divorciadas do mundo real. Mas o que somos nós, senão um animal social? Grande parte do que somos é influência das nossas relações sociais. O ser humano só atinge sua concretização máxima enquanto parte de um todo; viver em grupo constitui nossa essência.

 Que conclusão poderia ser mais natural, diante disso, que moldar nossos atos pela melhoria geral da comunidade? Identificar o problema de outro e auxiliá-lo, de forma que aquele desapareça? Buscar a felicidade não só para si, mas fazê-la um alvo disponível para todos que desejarem alcançá-lo? Não deveriam tais coisas ser parte essencial - quem sabe, majoritária - da nossa estrutura educacional? O conhecimento técnico não deve ser desprezado - toda nação necessita dele para se desenvolver -, mas uma importância muito maior deve ser dada à formação do aluno não como mero citoyen - mero membro egoísta de uma sociedade egoísta -, mas como ser genérico, como ser que faz parte de uma comunidade e que tem nessa vida comunitária exatamente a realização da essência de seu ser.

 É preciso destruir a ideologia de uma sociedade que pauteia-se na exploração permanente dos fracos pelos fortes, dos que pouco ou nada dispõem pelos que muito dispõem; é preciso que cada pessoa se veja como membro de um todo social. Para conseguir que isso aconteça - e por tabela pôr abaixo toda a alienação humana sob o atual modo de produção, como a extra-valorização de objetos e simultâneo desprezo aos seres humanos -, a educação tem de mudar. O conteúdo visto por nossas crianças e jovens tem de ser alterado, a forma como ele é ensinado tem de ser repensada, os valores que a eles impomos têm de ser substituídos. Enquanto isso não for feito, poderemos atingir emancipações religiosas, políticas, econômicas ou o que mais for, mas a mais importante das emancipações não o será: trata-se da emancipação humana.

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