Sem tergiversações, é necessário a firmar que a Presidenta
Dilma Rousse tem total responsabilidade
pela crise econômica
que hoje assola o País. Contudo,
as razões que apontamos são distintas
das que usualmente aparecem
no noticiário: não é a “irresponsabilidade”
fiscal, nem a
“gastança”, tampouco a opção pela
“nova matriz macroeconômica”
que provocaram a crise – muito
embora a política macroeconômica tenha tido seus descaminhos
durante seu governo.
O tripé relevante para compreender
a crise atual não é o da
gestão da macroeconomia – regime
de metas de in ação, câmbio
flutuante com livre mobilidade de
capitais e metas de superávit primário
– mas sim o da gestão do
modelo econômico liberal. Os
críticos da “nova matriz macroeconômica”
queixam-se da alteração do tripé macroeonômico durante
o primeiro governo Dilma.
Entretanto, o tripé composto pelas
privatizações, abertura comercial
e integração com os mercados
financeiros globais permaneceu
inalterado e foi aprofundado.
Mas foi nesta última pata do
tripé – a integração com os mercados
financeiros globais – que os
efeitos foram mais devastadores. A
obtenção do grau de investimento,
em 2008, trouxe ao País uma enxurrada
de dólares que, se por um
lado contribuiu para o acúmulo de
reservas internacionais, por outro
induziu elementos de enorme volatilidade
econômica, porque o acúmulo de passivo externo de curto prazo traz uma volatilidade potencial
à economia, que, para manter
os capitais externos, deve seguir a
rígida disciplina imposta pelos seus
operadores. O preço da desobediência é a fuga de capitais.
Mas a obediência também
custa caro: requer o abandono da
soberania na condução da melhor
política econômica para os rumos
do País, em um claro trade-o , já
que nem sempre os interesses dos
credores são compatíveis com o
da geração de empregos, renda e
desenvolvimento econômico. Sob
cenário de menor passivo externo
de curto prazo, ou de alguma regulamentação
que iniba esses uxos
de capitais de curto prazo, ao
menos parcialmente, seria possível
ao governo brasileiro administrar
a desaceleração econômica
em curso desde 2012, responsável
pela forte redução da arrecadação
tributária e pelo dé ficit primário
de 0,6% do PIB em 2014.
É bem verdade que a política
de desonerações fiscais realizada
pelo governo Dilma também provocou
queda da arrecadação, sem
que isso gerasse uma resposta mais
contundente no nível de atividade.
O problema é que, no momento
em que a economia brasileira
entrou em recessão, o Estado
brasileiro viu-se impossibilitado
de comandar a reação econômica
por meio do gasto e do investimento
público, porque permaneceu
sob a ameaça das agências
de classificação de risco de retirar
o grau de investimento e provocar
uma crise cambial. Esta ameaça
já desvalorizou a taxa de câmbio
em mais de 46% entre janeiro
e dezembro de 2015 e colocou a
in ação em patamar de dois dígitos. O aumento da taxa de juros,
em curso desde 2012, mostrou-se
incapaz tanto de conter uma in ação notadamente de custos – porque
além da desvalorização cambial,
o governo também autorizou
um “tarifaço” –, como de conter
a desvalorização cambial. Os juros
elevados têm provocado como
único efeito a deterioração das finanças públicas, que terminaram
2014 com dé ficit nominal equivalente
a 6,6%, e que imporá a
2015 um total de despesas financeiras
superior a 9% do PIB.
A resposta do governo brasileiro,
covardemente, não é a redução das despesas financeiras, mas
sim das despesas primárias, ou um
“ajuste fiscal” que procura acomodar
no orçamento mais espaço para
as despesas financeiras, comprometendo
as despesas primárias
e o funcionamento da máquina
estatal. Só que o “ajuste fiscal”
agravou a crise econômica, colocando
a economia brasileira numa
espiral recessiva que reduz ainda
mais a arrecadação. Entre janeiro
e outubro deste ano, a despesa total
foi reduzida em 3,3%, ao passo
que a arrecadação caiu 5,8%, em
termos reais.
Circunstancialmente, a superação
da crise requer que o Estado
brasileiro retome sua capacidade
de comandar o gasto público, o
que exige, acima de tudo, uma forte
redução das despesas financeiras
e, portanto, a escolha de um novo
mix de política macroeconômica
que priorize a retomada do crescimento.
A redução da taxa Selic é
condição essencial para o reequilíbrio das contas públicas, mas não
é a única. O Estado brasileiro assumiu
o ônus do processo de ajuste do setor privado sob diversas
formas: assumiu o prejuízo do setor
privado endividado em dólar,
oferecendo proteção por meio das
operações de swap cambial, pelas
quais já acumula um prejuízo de
R$ 120 bilhões de janeiro a setembro
deste ano; assumiu o ônus do
ajuste do setor privado nos programas
de desonerações fiscais em
curso desde o primeiro mandato
da Presidenta Dilma; e assumiu
o ônus de vários subsídios creditícios
ao setor produtivo que não
surtiram o efeito desejado em termos
de retomada do crescimento
econômico.
É necessária uma ampla revisão
da política de subsídios ao setor
produtivo. A recuperação da
arrecadação obtida por este caminho
deve ser direcionada para viabilizar
a correção da tabela do imposto
de renda – há muito tempo
defasada – o que daria uma folga
na renda dos assalariados e daria
novos e importantes estímulos
à economia. Desta forma, a troca de subsídios e isenções ao setor
produtivo por correção da tabela
do imposto de renda equivaleria a
trocar aumento de lucro dos empresários,
não convertidos em investimentos
ou ampliação da produção
e dos empregos, por mais
consumo das famílias, convertidos
em ampliação da demanda
por bens e serviços, dando um
necessário fôlego adicional à economia
combalida pela crise.
Pelo lado das receitas, o melhor
ajuste fiscal é aquele que privilegia
a retomada do crescimento
da atividade econômica, que
sempre vem acompanhado da expansão
da arrecadação de impostos,
taxas e contribuições. Mais
do que nunca, contudo, a reforma
tributária deve retornar à
agenda, especialmente pelo tema
da progressividade. A tributação
de dividendos distribuídos a acionistas,
que no Brasil são isentos,
renderia ao governo federal arrecadação
superior à CPMF, segundo
estudos dos economistas Sérgio Gobetti e Rodrigo Orair. O
imposto sobre grandes fortunas,
previsto pela Constituição Federal
de 1988 e até hoje não regulamentado,
também deve ser incluído
na agenda. Por princípio,
o ônus do ajuste das contas públicas
deve recair sobre os segmentos
da sociedade com menor propensão
marginal a consumir, para
preservar o nível da atividade econômica.
Priorizando-se a tributa-
ção dos ricos, seria possível um
ajuste fiscal sem comprometer o
funcionamento da máquina estatal,
já estrangulada pela redução
de despesas em custeio e investimento
realizadas ao longo de todo
o ano de 2015.
Finalmente, é salutar, mas
ainda insu ficiente, o processo de
renegociação dos indexadores das
dívidas dos estados e municípios
com a União, anunciado nos últimos
dias de 2015. Salutar, porque
a mudança de indexador permitirá
aos entes federados mais
estrangulados com os encargos das dívidas pretéritas uma maior
folga para enfrentar o cenário de
crise econômica e redução da arrecadação.
Insu ficiente, porque os
encargos com a dívida ainda continuarão
a estrangular seus orçamentos.
A mudança dos indexadores
deve ser o início, e não o
término, de um processo de renegociação
mais amplo, que deve
seguir adiante, prevendo redução
de taxas e carências, neste último
caso, especialmente durante os
momentos de desaceleração econômica.
Com efeito, as máquinas
estaduais e municipais, igualmente
estranguladas, poderiam ser
destravadas, evitando penalizar
os usuários dos serviços públicos,
compostos, em sua maioria, por
trabalhadores e trabalhadoras.
* Victor Leonardo de Araujo é professor
da Faculdade de Economia da UFF. E-
-mail: victor_araujo@terra.com.br
** Denise Lobato Gentil é professora do Instituto de Economia da UFRJ. E-mail: deniselg@uol.com.br
** Denise Lobato Gentil é professora do Instituto de Economia da UFRJ. E-mail: deniselg@uol.com.br
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