sexta-feira, 15 de abril de 2016

O preço da disciplina

Por Victor Leonardo de Araújo* e Denise Lobato Gentil** para o Jornal dos Economistas, publicação oficial do CORECON-RJ, edição de janeiro de 2016




 Sem tergiversações, é necessário a firmar que a Presidenta Dilma Rousse tem total responsabilidade pela crise econômica que hoje assola o País. Contudo, as razões que apontamos são distintas das que usualmente aparecem no noticiário: não é a “irresponsabilidade” fiscal, nem a “gastança”, tampouco a opção pela “nova matriz macroeconômica” que provocaram a crise – muito embora a política macroeconômica tenha tido seus descaminhos durante seu governo.

 O tripé relevante para compreender a crise atual não é o da gestão da macroeconomia – regime de metas de in ação, câmbio flutuante com livre mobilidade de capitais e metas de superávit primário – mas sim o da gestão do modelo econômico liberal. Os críticos da “nova matriz macroeconômica” queixam-se da alteração do tripé macroeonômico durante o primeiro governo Dilma. Entretanto, o tripé composto pelas privatizações, abertura comercial e integração com os mercados financeiros globais permaneceu inalterado e foi aprofundado.

 Mas foi nesta última pata do tripé – a integração com os mercados financeiros globais – que os efeitos foram mais devastadores. A obtenção do grau de investimento, em 2008, trouxe ao País uma enxurrada de dólares que, se por um lado contribuiu para o acúmulo de reservas internacionais, por outro induziu elementos de enorme volatilidade econômica, porque o acúmulo de passivo externo de curto prazo traz uma volatilidade potencial à economia, que, para manter os capitais externos, deve seguir a rígida disciplina imposta pelos seus operadores. O preço da desobediência é a fuga de capitais. 

 Mas a obediência também custa caro: requer o abandono da soberania na condução da melhor política econômica para os rumos do País, em um claro trade-o , já que nem sempre os interesses dos credores são compatíveis com o da geração de empregos, renda e desenvolvimento econômico. Sob cenário de menor passivo externo de curto prazo, ou de alguma regulamentação que iniba esses uxos de capitais de curto prazo, ao menos parcialmente, seria possível ao governo brasileiro administrar a desaceleração econômica em curso desde 2012, responsável pela forte redução da arrecadação tributária e pelo dé ficit primário de 0,6% do PIB em 2014.

 É bem verdade que a política de desonerações fiscais realizada pelo governo Dilma também provocou queda da arrecadação, sem que isso gerasse uma resposta mais contundente no nível de atividade. O problema é que, no momento em que a economia brasileira entrou em recessão, o Estado brasileiro viu-se impossibilitado de comandar a reação econômica por meio do gasto e do investimento público, porque permaneceu sob a ameaça das agências de classificação de risco de retirar o grau de investimento e provocar uma crise cambial. Esta ameaça já desvalorizou a taxa de câmbio em mais de 46% entre janeiro e dezembro de 2015 e colocou a in ação em patamar de dois dígitos. O aumento da taxa de juros, em curso desde 2012, mostrou-se incapaz tanto de conter uma in ação notadamente de custos – porque além da desvalorização cambial, o governo também autorizou um “tarifaço” –, como de conter a desvalorização cambial. Os juros elevados têm provocado como único efeito a deterioração das finanças públicas, que terminaram 2014 com dé ficit nominal equivalente a 6,6%, e que imporá a 2015 um total de despesas financeiras superior a 9% do PIB.

 A resposta do governo brasileiro, covardemente, não é a redução das despesas financeiras, mas sim das despesas primárias, ou um “ajuste fiscal” que procura acomodar no orçamento mais espaço para as despesas financeiras, comprometendo as despesas primárias e o funcionamento da máquina estatal. Só que o “ajuste fiscal” agravou a crise econômica, colocando a economia brasileira numa espiral recessiva que reduz ainda mais a arrecadação. Entre janeiro e outubro deste ano, a despesa total foi reduzida em 3,3%, ao passo que a arrecadação caiu 5,8%, em termos reais. 

 Circunstancialmente, a superação da crise requer que o Estado brasileiro retome sua capacidade de comandar o gasto público, o que exige, acima de tudo, uma forte redução das despesas financeiras e, portanto, a escolha de um novo mix de política macroeconômica que priorize a retomada do crescimento. A redução da taxa Selic é condição essencial para o reequilíbrio das contas públicas, mas não é a única. O Estado brasileiro assumiu o ônus do processo de ajuste do setor privado sob diversas formas: assumiu o prejuízo do setor privado endividado em dólar, oferecendo proteção por meio das operações de swap cambial, pelas quais já acumula um prejuízo de R$ 120 bilhões de janeiro a setembro deste ano; assumiu o ônus do ajuste do setor privado nos programas de desonerações fiscais em curso desde o primeiro mandato da Presidenta Dilma; e assumiu o ônus de vários subsídios creditícios ao setor produtivo que não surtiram o efeito desejado em termos de retomada do crescimento econômico.

 É necessária uma ampla revisão da política de subsídios ao setor produtivo. A recuperação da arrecadação obtida por este caminho deve ser direcionada para viabilizar a correção da tabela do imposto de renda – há muito tempo defasada – o que daria uma folga na renda dos assalariados e daria novos e importantes estímulos à economia. Desta forma, a troca de subsídios e isenções ao setor produtivo por correção da tabela do imposto de renda equivaleria a trocar aumento de lucro dos empresários, não convertidos em investimentos ou ampliação da produção e dos empregos, por mais consumo das famílias, convertidos em ampliação da demanda por bens e serviços, dando um necessário fôlego adicional à economia combalida pela crise.

 Pelo lado das receitas, o melhor ajuste fiscal é aquele que privilegia a retomada do crescimento da atividade econômica, que sempre vem acompanhado da expansão da arrecadação de impostos, taxas e contribuições. Mais do que nunca, contudo, a reforma tributária deve retornar à agenda, especialmente pelo tema da progressividade. A tributação de dividendos distribuídos a acionistas, que no Brasil são isentos, renderia ao governo federal arrecadação superior à CPMF, segundo estudos dos economistas Sérgio Gobetti e Rodrigo Orair. O imposto sobre grandes fortunas, previsto pela Constituição Federal de 1988 e até hoje não regulamentado, também deve ser incluído na agenda. Por princípio, o ônus do ajuste das contas públicas deve recair sobre os segmentos da sociedade com menor propensão marginal a consumir, para preservar o nível da atividade econômica. Priorizando-se a tributa- ção dos ricos, seria possível um ajuste fiscal sem comprometer o funcionamento da máquina estatal, já estrangulada pela redução de despesas em custeio e investimento realizadas ao longo de todo o ano de 2015.

 Finalmente, é salutar, mas ainda insu ficiente, o processo de renegociação dos indexadores das dívidas dos estados e municípios com a União, anunciado nos últimos dias de 2015. Salutar, porque a mudança de indexador permitirá aos entes federados mais estrangulados com os encargos das dívidas pretéritas uma maior folga para enfrentar o cenário de crise econômica e redução da arrecadação. Insu ficiente, porque os encargos com a dívida ainda continuarão a estrangular seus orçamentos. A mudança dos indexadores deve ser o início, e não o término, de um processo de renegociação mais amplo, que deve seguir adiante, prevendo redução de taxas e carências, neste último caso, especialmente durante os momentos de desaceleração econômica. Com efeito, as máquinas estaduais e municipais, igualmente estranguladas, poderiam ser destravadas, evitando penalizar os usuários dos serviços públicos, compostos, em sua maioria, por trabalhadores e trabalhadoras. 


* Victor Leonardo de Araujo é professor da Faculdade de Economia da UFF. E- -mail: victor_araujo@terra.com.br
 ** Denise Lobato Gentil é professora do Instituto de Economia da UFRJ. E-mail: deniselg@uol.com.br

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