O texto abaixo é a resposta de um colega, graduando em Ciências Econômicas, a um liberal sobre a suposição do título deste artigo. As expressões ''cacheiro iletrado'' e ''vagabundo 9-dedos'' foram usadas pelo segundo, daí sua inclusão (irônica) na resposta de meu camarada.
Sou de esquerda sim, mas não sou petista, inclusive uma das razões para eu não ser petista reside numa crítica à política econômica ao longo do governo PT(2003-2013), apontando as limitações do modelo de desenvolvimento puxado por fatores exógenos -- boom das commodities -- e por um consumo cuja renda é absorvida em larga medida pelo setor importador devido a (equivocada) política cambial -- esta sim uma herança do PSDB infelizmente conservada pelo PT.
Mas se existe uma crítica irrazoável e infundada ao governo do PT, é a de que o bom desempenho macroeconômica entre 2004-2011 tenha sido um simples reflexo da estabilização monetária implantada pelo PSDB.
Essa frágil tese é sustentada pela manutenção do cultuado tripé macroeconômico sob a vigência do PT, ou seja, a preservação do regime de metas fiscais -- superávit primário --, câmbio flutuante e o plano de metas inflacionárias. Foram essas medidas monetárias e fiscais, de natureza ortodoxa e herdadas do governo PSDB, que proporcionaram as condições necessárias para que o PT pudesse aproveitar uma boa fase de relativo avanço da taxa de crescimento e evolução dos indicadores de emprego e salário.
Somado a isso temos o fator político onde setores chaves da economia foram entregues à figuras de perfil econômico semelhantes às características liberais do PSDB - falo da nomeação do Palocci e do Henrique Meireles para o ministério da fazenda e banco central respectivamente.
A principio parece ser uma tese sólida o suficiente para convencer o reaça anti-petista que se infla todo de arrogância quando menciona que a fase de esplendor econômico fora um simples mérito indireto do honrado e culto FHC em contraste com o "cachaceiro iletrado operário 9-dedos"
Porém se investigarmos com mais criticidade e critério, constatamos que a fase expansão encontra razão nas decisões políticas que vão na contramão das políticas adotadas no período FHC.
Pois, vejamos só:
Indiscutivelmente a principal causa -- não única, porém -- da fase expansiva foi a incrível procura chinesa por matérias primas; em parte a causa foi constituída pelo fator sorte, mas a outra parte é de responsabilidade e mérito do governo em ter promovido uma política externa que estabelecesse vínculos diplomáticos e comerciais com países fora do enquadro Europa-EUA.
O PSDB, pelo contrário, priorizava relação com a UE e EUA, a fim de estreitar o país com "as principais cadeias de valor global" segundo demonstra o próprio programa político da campanha de 2002, que inclusive foi reproduzida na campanha de 2014.
O que isso quer dizer? Quer dizer que em boa medida o Brasil soube se posicionar estrategicamente, por meio da aproximação política com a China, para abastecer o mercado chinês e obter assim saldos comerciais expressivos. Se tivesse mantido a mesma política externa "sul-norte", teríamos desperdiçado o potencial da demanda chinesa por minério e soja, a exemplo do que aconteceu com o México que seguiu por esse caminho e auferiu um desempenho inferior ao brasileiro no mesmo período.
A política externa diferente e voltada para as relações sul-sul foram fundamentais para o Brasil na conjuntura de boom provocada pela expansão industrial Chinesa. Nesse quesito, o Brasil depende mais da China do que a China do Brasil, já que a China poderia muito bem ter procurado outras fontes provedoras de matéria prima caso o Brasil, em razão de uma política externa orientada para o norte, apresentasse resistência em se aproximar de Pequim. A china poderia muito bem ter aprofundado a exploração de recursos naturais na África e na América latina a onde detém grandes investimentos em detrimento do Brasil.
Cacheiro iletrado 1 vs 0 FHC.
Outra diferença que foi de grande importância: a política de fomento ao mercado interno; em suma, o governo PT adotou em partes, uma política econômica de natureza keynesiana, fundamentada no incentivo às componentes da demanda agregada, especificamente o fator consumo via ampliação do crédito, programas de transferência de renda e aumento real do salário minimo.
Essa foi uma decisão política do governo PT que entra em conflito com as características ortodoxas e neoliberais do PSDB, cuja metodologia se concretizava na retração dos gastos públicos - gastos estes que possibilitaram medidas como a expansão do crédito através dos bancos públicos-e, portanto,no atrofiamento dos incentivos à demanda agregada, que foram de grande utilidade para o desenvolvimento econômico observado entre 2004-2011.
Inclusive o PSDB, por meio do seu programa política, denotava que o papel dos bancos públicos seria reduzido ou mesmo aniquilado por privatizações. OS bancos públicos tiveram função especial nos estímulos que construíram um mercado interno mais forte e resistente aos choques exógenos. Coisa que o PSDB certamente não faria devido a cegueira ideológica do neoliberalismo.
E outra: o Lula escalou uma equipe de economistas muito competentes para dirigir os bancos públicos, como por exemplo o Carlos Lessa e o Fernando Nogueira, dois quadros que divergem da ortodoxia de Meireles e Palocci.
Enfim, vagabundo 9-dedos 2 vs 0 FHC culto e honrado.
Só pra concluir: a herança deixada pelo PSDB ao invés de condicionar o desenvolvimento, pelo contrário, o enfraqueceu! A estabilização monetária tucana veio à custa da deterioração das cadeias produtivas, que foram devastadas ou convertidas em importadoras intensivas. O coeficiente de importação aumentou nos setores produtivos, esvaziando em grande medida o potencial da expansão do mercado interno auferido durante os governos PT. O governo do PT ao conservar tal base macroeconômica hostil à integração de cadeias produtivas nacionais, teve que abastecer o mercado interno com produtos de maioria estrangeira, frustrando a criação de industrias, empregos e renda dentro do país.
Nenhum comentário:
Postar um comentário