sábado, 20 de setembro de 2014

Notas sobre liberdade


 A liberdade pode ser definida como a ausência ou escassez de restrições sobre as ações dos indivíduos, ou, talvez, restrições para fazer algo que, ''a priori'', é-se capaz de fazer. Pode-se dizer que há dois tipos de liberdade:

- Liberdade formal ou aparente é a que define as coisas para as quais há ou não permissão de se fazer ou ser. Toma a forma do direito, possuindo conceitos como ''crime'', ''pecado'' e ''punição'', e supõe uma entidade legisladora.

- Liberdade contingente ou essencial, por sua vez, define aquilo para o qual ou não capacidade de se fazer (ou ser). Seu único pressuposto é a própria realidade; as relações de produção ou a condição biológica de um indivíduo, por exemplo.

 Nos turbilhões de debates políticos, econômicos e, claro, ideológicos, a liberdade é uma questão sempre presente, como não poderia deixar de ser. Aqueles que adotam o chamado liberalismo econômico defendem que a não intervenção do Estado na economia, ou seja, a desregulação desta. Afirmam eles que tal coisa - o livre comércio - não está só extremamente relacionada às liberdades individuais, mas é a própria causa e força propulsora destas. Eles compreendem a liberdade apenas em seu aspecto formal, ou ao menos fingem fazer isso. Imagine o leitor, por exemplo, uma situação de oferta abundante de trabalhadores, com simultânea baixa procura. Acrescente o livre comércio, isto é, nesse casa a específica ausência de uma legislação trabalhista. É óbvio que em tais condições os trabalhadores serão incapazes de viver bem: tendo como única alternativa a morte, eles disputarão entre si por salários de fome até que tantos tenham morrido que, pela fria lei da oferta e da procura, sua força de trabalho volte a valer uma quantia aceitável... eis o que Karl Marx chamou de exército industrial de reserva. Na verdade, é a ausência de regulamentação das relações de trabalho que os impede de possuir uma vida melhor. As relações de trabalho do capitalismo liberal funcionam como correntes que os impedem de realizar suas potencialidades.

 A finalidade do socialismo/comunismo marxista é justamente a de permitir a obtenção desta vida melhor para todos, por meio da tomada do Estado e da utilização deste para transformação da realidade, de forma que surja uma sociedade onde ''o livre desenvolvimento de cada um é a condição para o livre desenvolvimento de todos''; de forma que se realize o salto ''do reino da necessidade para o da liberdade''. A própria URSS é um exemplo de tentativa de realizar as intenções de Marx: anteriormente subjugados, abandonados à ignorância, ao embrutecimento e à fome, os trabalhadores russos viram sua nação se transformar numa potência industrial, científica, esportiva, artística, educacional... as limitações impostas pelo capitalismo semi-feudal e pelo regime czarista foram superadas e substituídas por condições nas quais um cidadão poderia ter uma vida no mínimo mais bela, intensa e cheia de sentido.

 Sendo assim, por que se diz que a URSS stalinista, tal como a Alemanha nazista - e, segundo pensadores como Sartre e Bakunin, o cristianismo -, foi um sistema totalitário? Porque devido ao modelo de ''centralismo democrático''/ditadura da vanguarda partidária, o poder ficou tão concentrado que a figura do Estado tornou-se absoluta, e os cidadãos que não cumprissem certas ordens de Stálin eram castigados com trabalho forçado e morte. Trótsky denunciou o processo que levou a tais acontecimentos como uma ''degeneração burocrática'', coisa que ia na direção contrária do que Marx havia proposto: um definhamento permanente do Estado por meio da dissolução das funções deste nas mãos da sociedade civil, até que aquele já não fosse necessário e, por fim, desaparecesse. Bakunin já havia avisado o filósofo de Treves quanto ao risco de tal coisa.

 Quaisquer projetos socialistas do futuro deverão dar grande importância à maximização da liberdade formal - não no sentido de livre-comércio, claro, uma vez que que o socialismo prevê a planificação da economia justamente para que se atinja o objetivo da realização das potencialidades individuais; mas no sentido de possuir um regime político liberal, uma democracia semi-direta, tão logo a intervenção despótica ao direito burguês torne-se desnecessária, isto é, tão logo os meios de produção sejam socializados e a divisão de classes, abolida.

Nenhum comentário:

Postar um comentário