segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Teleologia infantil e crença em deus

 (O psicólogo Paul)''Bloom também sugere que temos uma predisposição inata para ser criacionistas. A seleção natural "não faz sentido intuitivamente". As crianças são especialmente propensas a dar um propósito a tudo, como afirma a psicóloga Deborah Keleman em seu artigo "São as crianças 'teístas intuitivas'?".81 Nuvens servem "para chover". Pedras pontudas servem "para os animais poderem se coçar nelas". A designação de um propósito para tudo é denominada teleologia. As crianças são teleológicas por natureza, e muitas nunca abandonam a característica. O dualismo inato e a teologia inata nos predispõem, sob as condições certas, à religião, assim como a reação à bússola de luz de minhas mariposas as predispunha ao "suicídio" inadvertido. Nosso dualismo inato nos prepara para acreditar numa "alma" que habita o corpo, em vez de ser parte integrante do corpo. É fácil imaginar um espírito imaterial assim indo para algum outro lugar depois da morte do corpo. Também é fácil imaginar a existência de uma divindade que seja puro espírito, não uma propriedade que emerge da matéria complexa, mas que existe independentemente da matéria. Mais óbvio ainda, a teleologia infantil nos deixa prontos para a religião. Se tudo tem um propósito, qual é esse propósito? O de Deus, é claro. Mas qual é o equivalente da utilidade da bússola de luz das mariposas? Por que a seleção natural pode ter favorecido o dualismo e a teleologia no cérebro de nossos ancestrais e de seus filhos? Por enquanto, meu relato sobre a teoria dos "dualistas inatos" propôs simplesmente que os seres humanos são dualistas e teleólogos por natureza. Mas qual seria a vantagem darwiniana? Prever o comportamento de entidades de nosso mundo é importante para nossa sobrevivência, e seria de esperar que a seleção natural tivesse moldado nosso cérebro para fazê-lo com eficácia e rapidez. Será que o dualismo e a teleologia nos são úteis para essa capacidade? Talvez compreendamos melhor essa hipótese à luz daquilo que Daniel Dennett chamou de postura intencional. Dennett oferece uma classificação tripla útil para as "posturas" que adotamos quando tentamos entender e portanto prever o comportamento de entidades como animais, máquinas ou uns aos outros.82 São elas a postura física, a postura de projeto e a postura intencional. A postura física sempre funciona em tese, porque tudo acaba obedecendo às leis da física. Mas compreender as coisas usando a postura física pode demorar demais. Até que tenhamos nos sentado e calculado todas as interações das partes móveis de um objeto complicado, nossa previsão sobre seu comportamento provavelmente vai estar atrasada. Para um objeto que realmente tenha sido projetado, como uma máquina de lavar roupa ou um arco para lançar flechas, a postura de projeto é um atalho económico. Podemos adivinhar como o objeto vai se comportar passando por cima da física e apelando direta-mente ao design. Dennett diz: Quase todo mundo é capaz de prever quando o alarme de um relógio vai tocar, com base na mais simples inspeção de seu exterior. Ninguém sabe nem quer saber se ele é movido a corda, a bateria, a energia solar, feito com roldanas de metal e mancai de pedra preciosa ou de chips de silício — simplesmente se assume que ele foi projetado para que o alarme toque quando está marcado para tocar. Os seres vivos não foram projetados, mas a seleção natural darwiniana nos permite adotar uma versão da postura de design para eles. Obtemos um atalho para entender o coração se assumimos que ele foi "projetado" para bombear o sangue. Karl von Frisch foi levado a investigar a visão colorida das abelhas (dian-te da opinião ortodoxa de que elas não distinguiam cores) porque assumiu que as cores vivas das flores foram "projetadas" para atraí-las. As aspas foram projetadas para espantar criacionistas desonestos que senão poderiam reclamar o grande zoólogo austríaco para o seu time. Nem é preciso dizer que ele foi perfeitamente capaz de traduzir a postura de projeto para os termos darwinianos adequados. A postura intencional é outro atalho, e dá um passo além da postura de projeto. Assume-se que uma entidade não só foi projetada para um fim mas que também é, ou contém, um agente com intenções que orientam suas ações. Quando você vê um tigre, é melhor não demorar muito para prever o provável comportamento dele. Deixe para lá a física de suas moléculas, deixe para lá o design de membros, garras e dentes. Aquele felino quer comê-lo, e vai empregar seus membros, patas e dentes de formas flexíveis e habilidosas para concretizar sua intenção. O meio mais rápido de adivinhar o comportamento dele é esquecer a física e a fisiologia e passar à busca pela intenção. Note que, assim como a postura de projeto funciona mesmo para coisas que não foram realmente projetadas, assim como para as que foram, a postura intencional funciona para coisas que não têm intenções conscientes deliberadas, assim como para coisas que têm. Parece-me inteiramente plausível que a postura intencional tenha valor de sobrevivência como mecanismo cerebral que acelera a tomada de decisões em circunstâncias perigosas e em situações sociais cruciais. Não fica tão imediatamente claro que o dualismo é um concomitante necessário da postura intencional. Não explorarei a questão aqui, mas acredito ser possível desenvolver a tese de que algum tipo de teoria de outras mentes, passível de ser descrita como dualista, tende a ser subjacente à postura intencional — especialmente em situações sociais complicadas, e ainda mais especialmente onde a intencionalidade de ordem mais elevada está em jogo. Dennett fala da intencionalidade de terceira ordem (o homem achou que a mulher sabia que ele gostava dela), de quarta ordem (a mulher percebeu que o homem achava que ela sabia que ele gostava dela) e até de quinta ordem (o xamã adivinhou que a mulher percebeu que o homem achava que ela sabia que ele gostava dela). Ordens muito elevadas de intencionalidade são reservadas provavelmente à ficção, como satirizou o hilariante romance de Michael Frayn The tin men [Homens de lata]: "Observando Nunopoulos, Rick soube que ele tinha quase certeza de que Anna sentia um fervoroso desprezo pelo fato de Fiddling-child não ter percebido o que ela sentia por Fiddlingchild, e ela sabia também que Nina sabia que ela sabia que Nunopoujos sabia [...]". Mas o fato de que somos capazes de rir com tamanho contorcionismo ficcional da inferência em outras mentes prova-velmente nos revela algo de importante sobre a forma como nossa cabeça foi naturalmente selecionada para funcionar no mundo real. Em suas ordens menos elevadas, pelo menos, a postura intencional, assim como a postura de projeto, economiza um tempo que pode ser vital à sobrevivência. Em conseqüência, a seleção natural moldou os cérebros a empregar a postura intencional como atalho. Somos biologicamente programados para imputar intenções a entidades cujo comportamento nos interessa. Mais uma vez, Paul Bloom cita evidências experimentais de que as crianças são especialmente propensas a adotar a postura intencional. Quando bebés vêem um objeto que aparentemente segue um outro objeto (por exemplo numa tela de computador), eles assumem que estão testemunhando uma caçada ativa por parte de um agente intencional, e demonstram esse fato manifestando surpresa quando o suposto agente abandona a perseguição. A postura de projeto e a postura intencional são mecanismos cerebrais úteis, importantes para acelerar a previsão de comportamentos de entidades que
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influenciam na sobrevivência, como predadores ou parceiros em potencial. Mas, assim como outros mecanismos cerebrais, essas posturas podem dar errado. As crianças, e os povos primitivos, imputam intenções ao clima, a ondas e correntes, a pedras que caem. Todos nós tendemos a fazer a mesma coisa com máquinas, especialmente quando elas nos deixam na mão. Muitos vão se lembrar com carinho do dia em que o carro de Basil Fawlty* quebrou no meio de sua missão vital para salvar a Noite Gourmet do desastre. Ele foi justo e avisou, contando até três, e então saiu do carro, pegou um galho e atacou o carro sem dó nem piedade. A maioria de nós já sentiu isso, pelo menos por um instante, se não por um carro, por um computador. Justin Barrett cunhou a sigla HADD, para dispositivo hiperativo de detecção de agente.** Detectamos de forma hiperativa agentes onde eles não existem, e isso faz com que suspeitemos de maldade ou bondade quando na verdade só há indiferença na natureza. Eu me pego alimentando um ressentimento feroz contra coisas inanimadas e inocentes como a corrente da minha bicicleta. Uma notícia recente deu conta de que um homem tropeçou num cadarço desamarrado no Museu Fitzwilliam, em Cambridge, caiu e quebrou três vasos da dinastia Qing de valor incalculável: "Ele caiu no meio dos vasos e eles se quebraram em milhões de pedacinhos. Ele ainda estava lá, sentado e assustado, quando os funcionários apareceram. Todo mundo ficou em silêncio, como que em choque. O homem ficava apontando para o cadarço, dizendo: 'Aí está ele; esse é o culpado'.''

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