por Matías Venengo para seu blog Naked Keynesianism
O Brasil está uma bagunça. A economia está colapsando, com uma queda estimada de 3.5% do PIB este ano (talvez pior) [lembrando: o texto foi escrito no final de 2015], e a inflação têm acelerado para um nível de dois dígitos, bem acima do que costumava ser o limite superior da banda da meta de inflação. Pior, politicamente o país está paralisado, com um processo de impeachment em curso e sem um resultado previsível.
A visão convencional está como que dividida sobre por que isso aconteceu. Alguns sugerem que foi o desaceleramento da economia internacional e o declínio dos preços das commodities que forçaram o Brasil a fazer o ajuste (por exemplo, essa seria a narrativa de Simon Romero no NY Times, se você adicionar corrupção à mistura; mais sobre isso abaixo). A alternativa é mais explícita sobre os efeitos negativos das políticas do Partido dos Trabalhadores, sugerindo que eles reduziram a confiança e, consequentemente, o investimento (algo nessa linha pode ser visto nas páginas de opiniões de Wall Street; veja aqui, inscrição exigida).
No versão da variação de confiança/política o argumento é que o governo gastou demais, particularmente no segundo mandato de Lula e ainda mais no período posterior à crise financeira global. Houve uma tentativa de reduzir os gastos fiscais com a eleição de Dilma Roussef (nessa interpretação disfarçando os gastos com contabilidade criativa; mais sobre isso abaixo), mas isso fora temporário, e imediatamente após a reeleição de Dilma os problemas fiscais tornaram-se insustentáveis e exigiram ajuste.
Ambas as narrativas são falhas. Primeiro, mesmo a economia internacional crescendo lentamente, e algumas economias periféricas como a China também estão desacelerando, o Brasil não tem nenhum problema externo claro. A conta-corrente está negativa, mas o país não está sob perigo de uma crise externa ou descumprimento de suas obrigações estrangeiras, em particular porque está assentado num enorme monte de reservas internacionais. Como eu notei anteriormente, Standard & Poor's na verdade concordam com essa visão na justificativa que eles usaram para reduzir o status de classificação do Brasil (semana passada, a Fitch seguiu a onda e também reduziu o status de classificação da dívida brasileira), uma vez que eles não citam a situação externa como um problema.
Portanto a noção de que o Brasil necessitava de um ajuste fiscal -- para lançar o país na recessão, reduzir as importações e resolver os [supostos] problemas externos -- parece sem fundamentos. O mesmo é verdadeiro para a noção de que uma profunda desvalorização do Real era necessária. De fato, a depreciação só tem contribuído para a aceleração da inflação, sem impacto nas contas externas. As exportações estão paradas (uma vez que a economia global não está indo bem), e como tal estão as importações (dada a recessão). A inflação também terá um impacto significativo sobre os salários reais, e vai piorar a distribuição de renda (que havia melhorado durante a gestão petista).
Mas e quanto aos problemas internos? (Tanto a S&P como a Fitch de fato puseram a culpa nos problemas fiscais.) Esse argumento é ainda pior, e tem alguns sérios problemas lógicos. Note que ele sugere que déficits fiscais na moeda nacional podem ser insustentáveis e que a inflação resulta de excesso de demanda associado a gasto em demasia por parte do governo. Já discuti isso várias vezes neste blog, portanto não vou me aprofundar muito nisso.
Não há como um país poder ser incapaz de pagar dívidas em sua própria moeda. Por definição você pode sempre imprimir dinheiro. E sim, a inflação pode se seguir disso, mas não porque imprimir dinheiro causa inflação. Esse argumento implica que a economia está sempre, e a brasileira certamente não está, em pleno emprego [dos fatores de produção, ou no mínimo do fator trabalho]. Consequentemente, a impressão de dinheiro pode levar a mais gastos e mais produção, não inflação. Entretanto, outro efeito pode ser um medo de depreciação da moeda e uma corrida por dólares, e a depreciação pode ter um efeito inflacionário.
Em outras palavras, as razões para a austeridade não estão de fato conectadas com um medo de descumprimento com as obrigações financeiras domésticas. A austeridade pode ser usada para resolver um problema de conta-corrente -- o que não é o caso do Brasil, como vimos -- ou pode ser uma maneira de levar a uma recessão, aumentando o desemprego e reduzindo o poder de barganha dos trabalhadores, como Kalecki notara muito tempo atrás. É uma forma de disciplinar a classe trabalhadora. E é o que está ocorrendo no Brasil (sobre o desaceleramento da economia seguindo essencialmente o mesmo argumento, veja Serrano e Summa).
O governo na verdade poderia gastar e pôr-se fora da recessão (não se preocupe, ele não irá). E assim, uma vez que a renda responde ao nível de atividade econômica, o panorama fiscal melhoraria. Mas então, se a crise brasileira não é externa e nem fiscal, o que a causou? Trata-se de uma auto-imposta crise política. A pergunta relevante é por que de essa política ser implementada por um governo de centro-esquerda [aqui acho que talvez Vernengo tenha posto a si próprio um problema desnecessário; talvez o governo petista esteja um pouco mais à direita do espectro político do que ele pensa...].
A visão convencional está como que dividida sobre por que isso aconteceu. Alguns sugerem que foi o desaceleramento da economia internacional e o declínio dos preços das commodities que forçaram o Brasil a fazer o ajuste (por exemplo, essa seria a narrativa de Simon Romero no NY Times, se você adicionar corrupção à mistura; mais sobre isso abaixo). A alternativa é mais explícita sobre os efeitos negativos das políticas do Partido dos Trabalhadores, sugerindo que eles reduziram a confiança e, consequentemente, o investimento (algo nessa linha pode ser visto nas páginas de opiniões de Wall Street; veja aqui, inscrição exigida).
No versão da variação de confiança/política o argumento é que o governo gastou demais, particularmente no segundo mandato de Lula e ainda mais no período posterior à crise financeira global. Houve uma tentativa de reduzir os gastos fiscais com a eleição de Dilma Roussef (nessa interpretação disfarçando os gastos com contabilidade criativa; mais sobre isso abaixo), mas isso fora temporário, e imediatamente após a reeleição de Dilma os problemas fiscais tornaram-se insustentáveis e exigiram ajuste.
Ambas as narrativas são falhas. Primeiro, mesmo a economia internacional crescendo lentamente, e algumas economias periféricas como a China também estão desacelerando, o Brasil não tem nenhum problema externo claro. A conta-corrente está negativa, mas o país não está sob perigo de uma crise externa ou descumprimento de suas obrigações estrangeiras, em particular porque está assentado num enorme monte de reservas internacionais. Como eu notei anteriormente, Standard & Poor's na verdade concordam com essa visão na justificativa que eles usaram para reduzir o status de classificação do Brasil (semana passada, a Fitch seguiu a onda e também reduziu o status de classificação da dívida brasileira), uma vez que eles não citam a situação externa como um problema.
Portanto a noção de que o Brasil necessitava de um ajuste fiscal -- para lançar o país na recessão, reduzir as importações e resolver os [supostos] problemas externos -- parece sem fundamentos. O mesmo é verdadeiro para a noção de que uma profunda desvalorização do Real era necessária. De fato, a depreciação só tem contribuído para a aceleração da inflação, sem impacto nas contas externas. As exportações estão paradas (uma vez que a economia global não está indo bem), e como tal estão as importações (dada a recessão). A inflação também terá um impacto significativo sobre os salários reais, e vai piorar a distribuição de renda (que havia melhorado durante a gestão petista).
Mas e quanto aos problemas internos? (Tanto a S&P como a Fitch de fato puseram a culpa nos problemas fiscais.) Esse argumento é ainda pior, e tem alguns sérios problemas lógicos. Note que ele sugere que déficits fiscais na moeda nacional podem ser insustentáveis e que a inflação resulta de excesso de demanda associado a gasto em demasia por parte do governo. Já discuti isso várias vezes neste blog, portanto não vou me aprofundar muito nisso.
Não há como um país poder ser incapaz de pagar dívidas em sua própria moeda. Por definição você pode sempre imprimir dinheiro. E sim, a inflação pode se seguir disso, mas não porque imprimir dinheiro causa inflação. Esse argumento implica que a economia está sempre, e a brasileira certamente não está, em pleno emprego [dos fatores de produção, ou no mínimo do fator trabalho]. Consequentemente, a impressão de dinheiro pode levar a mais gastos e mais produção, não inflação. Entretanto, outro efeito pode ser um medo de depreciação da moeda e uma corrida por dólares, e a depreciação pode ter um efeito inflacionário.
Em outras palavras, as razões para a austeridade não estão de fato conectadas com um medo de descumprimento com as obrigações financeiras domésticas. A austeridade pode ser usada para resolver um problema de conta-corrente -- o que não é o caso do Brasil, como vimos -- ou pode ser uma maneira de levar a uma recessão, aumentando o desemprego e reduzindo o poder de barganha dos trabalhadores, como Kalecki notara muito tempo atrás. É uma forma de disciplinar a classe trabalhadora. E é o que está ocorrendo no Brasil (sobre o desaceleramento da economia seguindo essencialmente o mesmo argumento, veja Serrano e Summa).
O governo na verdade poderia gastar e pôr-se fora da recessão (não se preocupe, ele não irá). E assim, uma vez que a renda responde ao nível de atividade econômica, o panorama fiscal melhoraria. Mas então, se a crise brasileira não é externa e nem fiscal, o que a causou? Trata-se de uma auto-imposta crise política. A pergunta relevante é por que de essa política ser implementada por um governo de centro-esquerda [aqui acho que talvez Vernengo tenha posto a si próprio um problema desnecessário; talvez o governo petista esteja um pouco mais à direita do espectro político do que ele pensa...].
Tem-se primeiro de lembrar que em certos nível o PT sempre aceitou o pensamento convencional quando se tratava de assuntos fiscais. Lula famosamente disse em sua Carta aos Brasileiros que ele desejava ''equilíbrio fiscal para estar apto a crescer'', sugerindo que ele havia incorporado a noção de ajuste fiscal expansionista. Porém, com toda a justiça, havia algum dissenso dentro do partido, e com o Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) e, em particular, depois da crise de 2008, pareceu que o PT estava pronto para usar o gasto governamental para promover o desenvolvimento econômico. Então por que depois de ganhar a apertada eleição do ano passado, na qual Dilma desacreditou o programa econômico do Partido da Social-Democracia Brasileira (PSDB), aceitou-o ela essencialmente?
Está claro que parte do governo passou a defender que a expansão fiscal havia ido longe demais, e que as demandas dos trabalhadores e os salários reais estavam altos demais. A pressão política certamente foi sentida, e em adição o assunto incômodo da corrupção também desempenho um papel. Além disso, por algum motivo a Nova Matriz Econômica (que, em minha visão -- posso estar errado -- era bem convencional), tentando reduzir a taxa de juros e promover um moderado ajuste fiscal, foi vista como uma falha pelos motivos errados. As taxas de juros mais baixas e a moeda mais depreciada deveriam ter estimulado o crescimento, enquanto o ajuste deveria ter controlado os preços. Obviamente essa ideia neo-desenvolvimentista falhou, uma vez que a depreciação levou à inflação (que não era alta, precisamente no limite da meta de 6.5%) e a economia desacelerou.
Entretanto, a lição sugerida desse experimento é de que o governo perdeu credibilidade, uma vez que o ajuste fiscal não foi forte o suficiente e os atrasos no pagamentos aos bancos públicos(as infames ''pedaladas''), em particular ao BNDES, estão pro detrás da crise. Isto é, a falta de confiança reduziu o investimento doméstico e abaixou o crescimento. Um terrível efeito colateral da aceitação dessa visão é que agora o uso político pela oposição dos atrasos de pagamentos aos bancos públicos, algo que não era novo, nos procedimentos do impeachment criará um legado permanente, reduzindo a capacidade dos governos futuros tentando adotar políticas expansionistas.
Por fim, uma palavrinha sobre corrupção. Sim, há um significante escândalo de corrupção no Brasil, e antes que qualquer um reclame, eu espero que peguem todo mundo e que as pessoas que forem provadas culpadas acabem por pagar o preço -- na cadeia, presumivelmente; aliás, se eles tivessem algo quanto à presidente isso já teria sido usado para o impeachment, mais que um tema burocrático de orçamento. Eu só quero denotar que não há evidência (eu mesmo não vi nenhuma confiável, pelo menos) que a corrupção está pior agora do que com os militares nos anos 60 e 70, quando a maior parte das conexões com as grandes empresas empreiteiras começaram. Além disso, o problema de a Petrobrás estar sob investigação vai pelo menos de volta ao governo de FHC. E a corrupção não é um problema da coalização governamental somente. Membros da oposição também estão envolvidos, e um impeachment na verdade traria ao poder um dos mais evidentemente corruptos políticos do país. Nesse sentido, se a corrupção não mudou, dificilmente pode ser concebida como a causadora da situação econômica. A corrupção é somente um dos elementos usados pelos grupos políticos para obter vantagens.
Os problemas de corrupção que mais importam no Brasil estão associados ao fato de que alguém não pode governar sem basicamente pagar favores políticos no Congresso, e isso significa pagar a principal força política lá, o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). É bem sabido, por exemplo, que Cardoso pagou pela mudança na Constituição que permitiu sua reeleição, para citar um exemplo que é antigo o suficiente, e não conectado ao atual governo. Mas o país cresceu significativamente no passado, apesar da corrupção.
E, pelo jeito, a substituição do ministro da Fazenda, com a indicação de meu ex-colega de classe (em todos os níveis: graduação, mestrado e doutorado) Nelson Barbosa, não irá levar a nenhuma mudança significativa na política. O ajuste fiscal continuará, como ele claramente anunciou.
Está claro que parte do governo passou a defender que a expansão fiscal havia ido longe demais, e que as demandas dos trabalhadores e os salários reais estavam altos demais. A pressão política certamente foi sentida, e em adição o assunto incômodo da corrupção também desempenho um papel. Além disso, por algum motivo a Nova Matriz Econômica (que, em minha visão -- posso estar errado -- era bem convencional), tentando reduzir a taxa de juros e promover um moderado ajuste fiscal, foi vista como uma falha pelos motivos errados. As taxas de juros mais baixas e a moeda mais depreciada deveriam ter estimulado o crescimento, enquanto o ajuste deveria ter controlado os preços. Obviamente essa ideia neo-desenvolvimentista falhou, uma vez que a depreciação levou à inflação (que não era alta, precisamente no limite da meta de 6.5%) e a economia desacelerou.
Entretanto, a lição sugerida desse experimento é de que o governo perdeu credibilidade, uma vez que o ajuste fiscal não foi forte o suficiente e os atrasos no pagamentos aos bancos públicos(as infames ''pedaladas''), em particular ao BNDES, estão pro detrás da crise. Isto é, a falta de confiança reduziu o investimento doméstico e abaixou o crescimento. Um terrível efeito colateral da aceitação dessa visão é que agora o uso político pela oposição dos atrasos de pagamentos aos bancos públicos, algo que não era novo, nos procedimentos do impeachment criará um legado permanente, reduzindo a capacidade dos governos futuros tentando adotar políticas expansionistas.
Por fim, uma palavrinha sobre corrupção. Sim, há um significante escândalo de corrupção no Brasil, e antes que qualquer um reclame, eu espero que peguem todo mundo e que as pessoas que forem provadas culpadas acabem por pagar o preço -- na cadeia, presumivelmente; aliás, se eles tivessem algo quanto à presidente isso já teria sido usado para o impeachment, mais que um tema burocrático de orçamento. Eu só quero denotar que não há evidência (eu mesmo não vi nenhuma confiável, pelo menos) que a corrupção está pior agora do que com os militares nos anos 60 e 70, quando a maior parte das conexões com as grandes empresas empreiteiras começaram. Além disso, o problema de a Petrobrás estar sob investigação vai pelo menos de volta ao governo de FHC. E a corrupção não é um problema da coalização governamental somente. Membros da oposição também estão envolvidos, e um impeachment na verdade traria ao poder um dos mais evidentemente corruptos políticos do país. Nesse sentido, se a corrupção não mudou, dificilmente pode ser concebida como a causadora da situação econômica. A corrupção é somente um dos elementos usados pelos grupos políticos para obter vantagens.
Os problemas de corrupção que mais importam no Brasil estão associados ao fato de que alguém não pode governar sem basicamente pagar favores políticos no Congresso, e isso significa pagar a principal força política lá, o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). É bem sabido, por exemplo, que Cardoso pagou pela mudança na Constituição que permitiu sua reeleição, para citar um exemplo que é antigo o suficiente, e não conectado ao atual governo. Mas o país cresceu significativamente no passado, apesar da corrupção.
E, pelo jeito, a substituição do ministro da Fazenda, com a indicação de meu ex-colega de classe (em todos os níveis: graduação, mestrado e doutorado) Nelson Barbosa, não irá levar a nenhuma mudança significativa na política. O ajuste fiscal continuará, como ele claramente anunciou.
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