Artigo do economista marxista britânico Michael Roberts para seu blog, The Next Recession
A era Thatcher durou de 1979 a 1990. Muito se fala do ''thatcherismo'' como algum tipo de força contrarrevolucionária a serviço do capital, largamente aclamada por seus apoiadores como salvadora da Grã-Bretanha para o capitalismo, ou ao menos de livrá-la do desastre. A verdade, porém, é que o thatcherismo foi apenas um fio de uma mudança geral na estratégia econômica forçada sobre o capital pela crise em que as principais economias capitalistas haviam entrada até o final da década de 1970. Essas economias tinham experimentado uma redução constante e acentuada da rentabilidade (taxa média de lucro) do capital a partir de meados dos anos 1960 em diante. Isso foi resultado da retração dos mercados de trabalho -- já não fornecidos com influxos de mão-de-obra barata de desempregados após a guerra ou uma rapidamente crescente população trabalhadora ''baby-boomer''. E também houve um aumento do nível de investimento em tecnologia em relação ao trabalho que menos bem no aumento da produtividade do trabalho.
De acordo com meus próprios cálculos, entre 1963 e 1975 a taxa média de lucro para a economia inteira do Reino Unido caiu de 28% a partir de cerca de 26% para 19%. A taxa de exploração [da força de trabalho i.e. taxa de mais-valia] caiu 20%, enquanto a composição orgânica do capital (a relação entre o custos de equipamento e tecnologia e os do trabalho) aumentou 20%. Esse foi um clássico período de crise para o capitalismo, explicado pela teoria econômica marxista. Veja meu livro, A Grande Recessão, para mais detalhes.
Ocorreu o mesmo fenômeno nos Estados Unidos, no Japão e em muitas partes da Europa. Algo tinha de ser feito -- como a própria Thatcher disse: ''não há alternativa'' [There Is No Alternative -- TINA]. A única saída era destruir o poder do trabalho e mudar a distribuição do valor criado pelo trabalho para o capital, ou seja, aumentar a taxa de mais-valia como compensação para a queda na taxa de lucro. Além disso, em muitas das principais economias houve uma necessidade de destruir o valor de antigos capitais e indústrias. Eles seriam muito mais produtivos e rentáveis com novas tecnologias e com mão de obra mais barata em outros lugares. O objetivo era acabar com a produção de muitas indústrias pesadas e de transformação nas economias capitalistas maduras e transferi-las para aqueles como o Leste asiático e a China, onde a rentabilidade era muito maior (em outras palavras, a globalização).
Essa estratégia requereu uma nova ideologia baseada nos assim chamados ''livres mercados'' e um rompimento com a ''economia mista'' de tipo keynesiano, onde os governos provinham algum nível de bem-estar e serviços públicos e ''intervinham'' na produção capitalista pelo ''bem comum''. Mas como Thatcher infamemente disse, ''não há sociedade''. Acima de tudo, acabar com o poder do trabalho, reduzir o custo do Estado por meio de privatizações e, no caso do Reino Unido e EUA, desenvolver uma economia baseado em serviços financeiros (rentista) eram as tarefas. Isso exigiu líderes com nervo e compromisso -- Thatcher foi uma, mas Reagan também o foi a seu próprio modo.
Mas o que é frequentemente esquecido é que essa contrarrevolução para salvar as economias capitalistas maduras começou mais cedo que com Thatcher ou Reagan. A era neoliberal, ao menos para o Reino Unido, começou em meados dos anos 70. Os dados confirmam isso. A taxa de lucro do Reino Unido chegou ao fundo em 1975, durante a primeira recessão mundial simultânea de 1974-1975. O governo trabalhista sob PM Callaghan e a Chanceller Healey reagiram a esta crise que forçou o Reino Unido a pedir ajuda do FMI em 1976 iniciando a longa luta para reduzir os gastos do governo, espremer salários e reduzir a indústria. Como Callaghan pôs sem rodeios para à conferência trabalhista na época: ''Nós costumávamos pensar que você poderia atravessar o caminho para sair de uma recessão e aumentar o emprego cortando impostos e aumentando os gastos do governo. Digo-vos com toda a franqueza que esta opção não existe mais e que, até agora, uma vez que já existiu, só funcionou em cada ocasião desde a guerra injetando uma dose maior de inflação na economia, seguido por um nível maior de desemprego no próximo passo''. A economia keynesiana foi rejeitada primeiro pelo Partido Trabalhista e não por Thatcher.
A terrível crise global de 1980-2 fez, ainda melhor do que Thatcher, o trabalho de aumentar o desemprego a novos níveis, reduzindo salários reais e fechando velhas e improdutivas (ou seja, não lucrativas) indústrias e instalações. Em 1982, a fabricação no Reino Unido foi dizimada. Thatcher meramente presidiu o colapso e, em seguida, deu continuidade ao processo durante o boom subsequente ao privatizar o que restou. Ela garantiu que isso acontecesse esmagando qualquer resistência do trabalho por meio da abolição do salário minimo e a introdução de uma legislação antissindical draconiana imposta por uma força policial cínica e corrupta. Essas transformações no mercado de trabalho, concluiu Thatcher, ''liberaram a gestão mais uma vez para gerenciar e assim garantiu que o investimento fosse novamente considerado como a primeira chamada para os lucros, ao invés da última''.
Ao mesmo tempo, a desregulamentação dos serviços financeiros (que ficou conhecido como ''Big Bang'') mudou o foco da indústria para as finanças. Isso fez de Londres a capital financeira da Europa, senão do mundo, embora o setor bancário inglês fosse dizimado, uma vez que a maioria das principais instituições financeiras operando agora na cidade são norte-americanas ou europeias.
Então, de 1975 a 1996 a taxa de lucro no Reino Unido subiu 50% e mesmo a composição orgânica do capital tendo subido 17% (especialmente nos anos 90), a taxa de exploração da força de trabalho aumentou 66%! Se isolarmos apenas os dias de Thatcher, é a mesma história: a taxa de lucro subiu 22%, tecnologia e instalações foram dizimadas (caindo a composição orgânica em 3%), mas a taxa de exploração aumentou 20%. Os anos Thatcher foram devastadores para o trabalho, mas o processo já havia começado sob os trabalhistas e continuou até meados de 1990.
Há dois mitos que os apoiadores do capitalismo gostam de proclamar sobre os anos de Thatcher. O primeiro é que o crescimento foi muito melhor sob sua gestão que antes ou depois e permitiu ao Reino Unido competir com outras economias capitalistas. Mesmo Paul Krugman parece aceitar isso em seu último post: ''Eu penso que é um fato que as alterações de Thatcher nos impostos, regulação do trabalho etc. criaram uma economia mais flexível, que tornou os bons anos sob Blair possíveis''. Bem, é verdade que entre 1982 e 1997 o Reino Unido teve um crescimento real do PIB melhor que entre 1965 e 1982, quando a taxa média de lucro estava despencando. Mas o crescimento econômico (e a rentabilidade) estava longe de ser tão alto quanto entre 1946 e 1965, no Reino Unido e em todas as economias capitalistas avançadas.
A ''Era de Ouro'' para o capitalismo foi na década de 1960 e não na de 1980 -- e a Era de Ouro também foi quando as taxas de imposto de renda progressivas estavam operando (uma taxa máxima de 99% nos Estados Unidos sob Eisenhower em fins da década de 1950); havia bolsas de estudo no Reino Unido para o ensino superior (sem taxas e empréstimos); as pensões foram equiparadas aos salários médios; setores importantes da economia, como água e energia, estavam sob o controle do Estado (incluindo o Banco da Inglaterra) e o desemprego era relativamente baixo. Os anos Thatcher não alcançaram tais conquistas de forma alguma.
Na verdade, se não fosse por um golpe de sorte, a descoberta e aproveitamento de petróleo do Mar do Norte e do gás no final de 1970, a economia do Reino Unido teria se saído muito pior e não teria feito melhor que na década de 1970. Foi uma pequena janela de boom do petróleo que permitiu ao Reino Unido competir com aqueles como EUA e Alemanha. Mais uma vez isso começou antes de Thatcher, mas o governo dela foi o que mais se beneficiou já que os preços do petróleo aumentaram fortemente até 1986. Houve um crescimento insignificante da produção industrial entre 1973 e 1993. E, claro, a indústria de energia elevada de capital intensivo, criou poucos empregos, apenas grandes lucros. O setor primário como um todo foi responsável por 4,3% do PIB em 1973. O crescimento na extração do petróleo no Mar do Norte na década de 1980 resultou em um aumento de 6,7%.
O resultado real da redução das taxas de imposto de renda para pessoas com renda superior e abolição de impostos sobre ganhos de capital, redução da tributação sobre patrimônio mas aumento dos impostos sobre o consumo foi o aumento das desigualdades de renda e riqueza. Mas a principal razão para o aumento da pobreza e os níveis elevados de desigualdade agora, apenas acompanhados pelos dos EUA, foi a dizimação de empregos seguros bem-pagos na indústria e na sua substituição por empregos inseguros e de baixa remuneração no setor de serviços. E claro, houve o aumento maciço de dos rendimentos e da riqueza para a elite no setor de serviços financeiros. E todos nós sabemos como isso terminou em lágrimas.
Thatcher fez seu trabalho destruindo milhões de empregos britânicos, rendas e vidas com entusiasmo, dedicação e arrogância. Mas, nos interesses do capitalismo, não há alternativa.
*Alguns dados adicionais sobre a gestão Thatcher:
''Nos dois primeiros anos do novo governo, os impostos aumentaram, os salários reais caíram e o PIB reduziu-se em 3,5%. O que é pior, a produção manufatureira caiu em 14% no mesmo período e a taxa de emprego caiu na mesma proporção... Depois da queda inicial, a recuperação foi lenta, especialmente na indústria manufatureira. A produção não alcançou os níveis daquela de 1979 até 1987 e a taxa de emprego continuou a cair. A taxa de desemprego geral cresceu, de cerca de 4% para mais de 10%, e continuou em tal nível até 1987-1988, quando começou a declinar lentamente.'' (Humprey, in: Soares, R. M. (org.). Gestão da empresa, automação e competitividade. Brasília, IPEA/IPLAN, 1990 [p.216].
Margaret Thatcher nunca ganhou mais que 40% dos votos em qualquer eleição e a maioria dos eleitores votaram contra ela em todas as eleições.
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