domingo, 15 de fevereiro de 2015

Yanis Varoufakis: mais errático que marxista

 Artigo originalmente publicado no blog do economista marxista britânico Michael Roberts


Yanis Varoufakis, o ultimamente famosíssimo ministro de finanças da Grécia.

 Enquanto o 'enfant terrible' da mídia financeira, o novo ministro das finanças grego Yanis Varoufakis, inicia negociações-chave com outros ministros de finanças da zona do Euro sobre um acordo em relação à dívida grega e a recuperação econômica, eu estive me informando sobre as ideias econômicas e filosóficas de Varoufakis.

 Como um economista experiente que já ocupou vários cargos acadêmicos em diversas universidades importantes, YV se considera marxista, mas um marxista 'errático'. Como ele pôs em seu blog em 2013, ''enquanto um marxista sem remorsos, eu acho que é importante resistir apaixonadamente a ele de diversas maneiras. Ser, em outras palavras, errático em seu marxismo''.

 Em seu post confessional, YF explica que, apesar de ele se considerar marxista, ele evitou estudar a economia marxista na universidade porque queria entender e assumir as premissas básicas da economia burguesa tradicional. ''Quando eu escolhi minha tese de doutorado, em 1982, eu escolhi um tema altamente matemático e um tema no qual o pensamento de Marx era irrelevante, pela forma''. Ele é, aparentemente, um especialista sobre o papel da teoria dos jogos nos mercados e do comportamento econômico dos 'agentes de mercado', tendo sido empregado certa vez por uma empresa de jogos para sua perícia.

 Mas ele reconheceu que a teoria econômica burguesa tinha pouco a ver com a realidade. ''Quando chamado a comentar sobre o mundo em que vivemos, em oposição à ideologia dominante sobre o funcionamento do mundo, eu não tinha alternativa a não ser recorrer à tradição marxista''.

 E quais foram os méritos fundamentais da tradição marxista, aos olhos de YF? Primeiro, foi o insight de Marx de que o mundo estava cheio de contradição:  riqueza e pobreza, crescimento e colapso, democracia e governo da elite. ''Esta perspectiva dialética, onde tudo está grávido com o seu oposto, e os olhos espertos com os quais Marx o potencial de mudança nas aparentemente mais constantes e imutáveis estruturas sociais, ajudou-me a compreender as grandes contradições da era capitalista. Ele dissolveu o paradoxo de uma período que gerou a riqueza mais notável e, no mesmo fôlego, a pobreza mais visível''.

 Foi o pensamento dialético de Marx que lhe permitiu fazer sua descoberta mais importante sobre o modo de produção capitalista, ou seja, a ''oposição binária dentro do trabalho humano, entre duas naturezas bastante diferentes do trabalho: I) trabalho enquanto atividade criadora de valor que nunca pode ser especificado e quantificado com antecedência (e, portanto, impossível de mercantilizar) e II) o trabalho como quantidade (por exemplo, número de horas trabalhadas), que está à venda e tem um preço''.

 Portanto o ''brilhante insight (de Marx) sobre a essência das crises capitalistas era precisamente esse: quanto maior for o sucesso do capitalismo em transformar trabalho em mercadoria, menor é o valor de cada unidade que ele gera, menor é a taxa de lucro e, finalmente, mais próxima estará a terrível recessão da economia como um sistema''.

 Assim, YF captura corretamente a lei fundamental da contradição do capitalismo: a acumulação do capital através da exploração da força de trabalho tem uma tendência de diminuir a lucratividade e gerar crises regulares e recorrentes na produção. Como YF coloca: ''O capital nunca pode vencer em sua luta para transformar o trabalho em uma entrada infinitamente elástica e completamente mecanizada em destruir a si mesmo. Isso é o que nem os neoliberais nem os keynesianos nunca vão entender! 'Se toda a classe de trabalhadores assalariados for aniquilada pela maquinaria', escreveu Marx, 'quão terrível que seria para o capital, que, sem o trabalho assalariado, deixa de ser capital!' ''

 Para YV, Marx expõe a ''falsa consciência'' da economia burguesa que reconhece a riqueza como ''produzida privadamente e apropriada por um Estado quase ilegítimo'' quando o oposto é a realidade: ''a riqueza é produzida coletivamente e depois apropriada privadamente através de relações sociais de produção e direitos de propriedade''. Além disso, YV reconhece que Marx argumenta que o que está errado com o capitalismo não é a desigualdade (que existe em todas as sociedades de classes), mas que esse é sacudido com crises contínuas que são ''irracionais, habitualmente condenando gerações inteiras ao desemprego e à privação''.

 Tudo isso parece fazer de YV um marxista pela maior parte das definições. Mas YV dirá que ele é na verdade um 'errático', porque, na sua opinião, Marx estava errado em duas áreas-chave.

 Primeiro, ele era muito dogmático e fechado em seus pontos de vista. Como resultado, criou marxistas depois dele que adotaram políticas e ações autoritárias. Marx ''não conseguiu dar pensamento suficiente, e manteve um silêncio prudente, sobre o impacto de própria sua teorização acerca do mundo sobre o qual ele estava teorizando... Ele simplesmente não considerou a possibilidade da criação de um Estado operário forçaria o capitalismo a se tornar mais civilizado, enquanto o Estado dos trabalhadores seria infectado pelo vírus do totalitarismo enquanto a hostilidade do resto do mundo (capitalista) cresce progressivamente''.

 Dessa forma, YV concorda com a visão superficial dos artigos da direita populista e de intelectuais conservadores de que há uma linha reta de Marx a Stálin e Pol Pot. Não há espaço aqui para lidar com essa calúnia absurda contra Marx e o marxismo. Deixo ao leitor considerar quão justificado é o argumento de YV.

 Isso porque, de acordo com ele, o outro grande erro de Marx é ainda pior que a geração de regimes autoritários e totalitários que se autodenominam marxistas. ''Foi sua suposição de que a verdade sobre o capitalismo poderia ser descoberta na matemática de seus modelos (os chamados 'esquemas de reprodução'). Esse foi o pior desserviço que Marx poderia ter feito ao seu próprio sistema teórico''.

 De acordo com YV, Marx estava determinado em seu determinismo (minha frase). Marx queria encontrar modelos econômicos e leis que provavam que o capitalismo iria cair ou ser sujeito a crises, quando não podem existir tais provas. Por ''brincar ao redor com modelos algébricos simplistas, em que as unidades de trabalho foram, naturalmente, totalmente quantificadas, esperando contra toda a esperança de evidenciar a partir dessas equações alguns insights adicionais sobre o capitalismo.'' Como resultado, nós, os epígonos da economia marxista, temos ''desperdiçado longas carreiras entregando um tipo similar de mecanicismo escolástico... totalmente imerso em debates irrelevantes sobre o problema da transformação'' e assim sido ignorados pelo consenso econômico.

 O argumento de YV cheira a empiricismo e oposição à teoria. Na verdade, os debates ''escolásticos'' sobre o ''problema da transforamação''  por marxistas nos anos de 1980 e 1990 culminaram eventualmente em um importante avanço na teoria econômica marxista que defendeu com sucesso a lei da taxa de lucro de Marx contra as tentativas da economia neoclássica e neo-ricardiana de jogarem-na na lata de lixo (veja o livro seminal de Andrew Kliman, Reclaiming Marx's Capital). É disso que se trata o debate teórico: avançar nosso conhecimento de forma rigorosa.

 No entanto YV continua em ''Foi essa determinação de 'ter o completo', uma história 'fechada', ou modelo, a 'palavra final', é algo que eu não posso perdoar em Marx. Provou-se, afinal, responsável por uma grande quantidade de erros e, mais significativamente, de autoritarismo. Erros e autoritarismo que são em grande parte responsável pela incompetência da esquerda como uma força para o bem e como um controle sobre os abusos da razão e da liberdade que a tripulação neoliberal estava supervisionando. Portanto Marx era um pensador de mente fechada, um determinista que não tinha espaço para erros e dúvidas e, assim, perdeu o tempo de marxistas posteriores em debates inúteis e, assim, perdeu o tempo de marxistas posteriores em debates úteis e ele era tão duro com que criticaram esta visão determinista que ele criou atitudes autoritárias em seus seguidores.

 Sérios crimes, é verdade, se fossem verdadeiros. Mas YV está falando coisas sem sentido. Ele critica o volume 2 d'O Capital por tentar encontrar uma fórmula matemática para tentar demonstrar que a acumulação capitalista pode crescer sem problemas, quando o mundo real é indeterminado, cheio de oportunidade e mudanças. Mas, como muitos outros, YV deixa de reconhecer que os esquemas de reprodução de Marx no volume 2 não pretendem retratar a liberdade do capitalismo com todas as suas verrugas. Eles são um modelo ''capital em geral'', onde o capitalismo é reduzido para as forças básicos da criação do valor e de reprodução, excluindo-se a concorrência entre os capitais, crédito, dinheiro, a equalização das taxas de lucro entre os capitais e as diferenças engendradas entre valores e preços de produção, para não falar das cotações diárias de mercado.

 Os esquemas de reprodução de Marx no volume 2 d'O Capital não eram um 'modelo fechado do capitalismo'. O que eles mostram é que a acumulação capitalista não vai tropeçar por causa da 'falta de demanda efetiva'. Acumulação pode ter lugar com a demanda por bens de capital e bens de consumo. É um equilíbrio. Mas, na realidade, isso quase nunca acontece, exceto por acidente. É tão indeterminado quanto YV quer. Marx reconheceu e defendeu que o modo de produção capitalista era um sistema dinâmico e incerto, mas ele mergulhou abaixo do nível da incerteza e de aparências para a essência do capital em geral e, em seguida, adicionando de volta cada estágio da realidade ao nível de muitos capitais (volume 3) e, em seguida, a preços de mercado.

 Como Henryk Grossman explica em seu artigo sobre valor e preços de produção, ao nível de muitos capitais, são os preços de produção que atuam para estabelecer a taxa média de lucro, e não os valores (veja aqui). E é aqui que a cruz das crises descansa -- no movimento da taxa média de lucro (volume 3), não nos esquemas de reprodução do valor (volume 2). Este é um erro chave na [in]compreensão de Luxemburgo e Bauer acerca dos esquemas de reprodução de Marx -- e parece que na de YV também.

 Tendo convencido a si mesmo que Marx tinha um sério hálito de determinismo autoritário, ele contrasta isso com o seu gosto na indeterminação eclética de John Maynard Keynes. Sim, Keynes estava do lado da burguesia, era um esnobe etc., e deu suporte às ideias do arqui-pensador conservador da economia clássica, (o pastor Thomas) Malthus, mas ''Keynes abraçou o ceticismo de Malthus em relação a a) a sabedoria de buscar uma teoria do valor que é consistente com a dinâmica e complexidade do capitalismo, e b) a convicção de Ricardo, que Marx posteriormente herdou, de que a depressão permanente é incompatível com o capitalismo''.

 Veja, YV diz, o problema com a teoria das crises de Marx é que essa é muito generosa com o capitalismo. Uma vez que valores de capital suficientes são destruídos e a taxa de lucro é restaurada, capitalismo pode se recuperar em um novo ciclo de de acumulação e crescimento. Mas Keynes (e Malthus aparentemente) viram que isso estava errado porque o capitalismo pode ficar preso em grandes e longas depressões das quais pode não sair. ''Marx contou a história de recessões redentoras ocorrendo graças à natureza dupla do trabalho e dando origem a períodos de crescimento que guardam no ventre com a próxima recessão que, por sua vez, engendra a próxima recuperação, e assim vai. Entretanto, não havia nada de redentor sobre a Grande Depressão. A grande crise de 1930 foi simplesmente isso: uma queda que se comportou tal qual um equilíbrio estático -- um estado da economia que parecia perfeitamente capaz de se perpetuar, com a recuperação prevista obstinadamente se recusando a comparecer ao longo do horizonte, mesmo depois que a taxa de lucro se recuperou em resposta ao colapso nos salários e nas taxas de lucro''. 

 Portanto, a ''joia da descoberta de Keynes sobre o capitalismo era dupla: a) Este era um sistema inerentemente indeterminado, com o que os economistas podem se referir nos dias de hoje como equilíbrios múltiplo, alguns dos quais foram consistentes com o desemprego em massa permanente, e B) poderia cair em um desses equilíbrios terríveis na queda de um chapéu, imprevisivelmente, sem pé nem cabeça, só porque uma parcela significativa dos capitalistas temiam que ele pudesse fazê-lo''.

 A visão de YV de que a teoria marxiana das crises sob o capitalismo não pode abranger depressões longas e duradouras e só pode explicar recessões regulares e normais é novamente tolice. Na verdade, este blog tem gasto grande quantidade de palavras argumentando que a teoria das crises de Marx oferece a melhor explicação para a Grande Depressão [2007-8] e a atual Longa Depressão, ao contrário das respostas keynesianas (veja meu post, Why is there a long depression). E o meu livro por vir, provavelmente em junho, lida exatamente com esse tema.

  YV exalta o conceito keynesiano de 'espíritos animais', i.e., que o que guia a acumulação capitalista não é o movimento da rentabilidade/taxa de lucro [profitability] mas a 'confiança' emocional dos capitalistas individuais. De acordo com YV, esta é uma ideia ''profundamente radical'' porque capta a ''indeterminação radical enterrada no DNA do capitalismo'', um conceito que Marx abandonou ''de modo a estabelecer seus teoremas matemáticos, como provas inquestionáveis''. Mais uma vez eu não tenho espaço para lidar com as falácias da incerteza keynesiana e dos espíritos animais como uma explicação das crises capitalistas (veja meu artigo sobre o keynesianismo, APPENDIX TWO).

 Mas o mais irregular são as visões de YV sobre a atual crise econômica mundial e, em particular, a crise na zona do Euro. Ele dramaticamente aponta que ''a atual crise presente na Europa não é apenas uma ameaça para os trabalhadores para os despossuídos, para os banqueiros, para determinados grupos, classes sociais ou mesmo nações. Não, a posição atual da Europa representa uma ameaça para a civilização como a conhecemos''. Caramba, o fim da civilização! Talvez isso sugira algumas medidas socialistas radicais antes que seja tarde demais...

 Mas não. Veja, a longa depressão que está sendo experimenta na Europa (e eu concordo com a interpretação) ''coloca radicais em um terrível dilema''. Veja, não é um ambiente para medidas socialistas radicais, afinal. Em vez disso, ''é um dever histórico da esquerda, neste momento particular, estabilizar o capitalismo; salvar o capitalismo europeu de si mesmo e dos manipuladores fúteis da crise inevitável da zona do Euro''.

 Assim, diz YV, suas intervenções no debate público sobre Grécia e a Europa [por exemplo, a proposta modesta para resolver a crise na Europa (ver http://yanisvaroufakis.eu/euro-crisis/modest-proposal/) que ele, Stuart Holland e James Galbraith (veja meu post, From establishment to anti-establishment)] -- escreveram em co-autoria e têm militado a favor ''não tem sequer um sopro de marxismo em si''. Modesto, de fato!

 YV diz que preferiria promover políticas socialistas para resolver a crise do Euro, mas que isso seria irrealista. Políticas radicais não conseguiram nada contra as forças do neoliberalismo e do thatcherismo na década de 1980: ''Que bem conseguimos na Grã-Bretanha no início de 1980, através da promoção de uma agenda de mudança socialista que a sociedade britânica desprezava enquanto caía de cabeça na armadilha neoliberal de Margaret Thatcher? Precisamente nenhum''. Aparentemente, era um desperdício de tempo defender políticas socialistas (assumindo que o fizemos) na década de 1980, porque o povo da Grã-Bretanha acabava de engolir o anzol, linha e chumbada do thatcherismo (Só um ponto: Thatcher nunca ganhou mais que 40% dos votos em qualquer eleição e a maioria dos eleitores votaram contra ela em todas as eleições). Então, quando políticas socialistas devem ser defendidas, segundo YV -- depois de salvar o capitalismo? Eu não acompanho a lógica.

 Esse marxista errático, agora negociando com os lideres neoliberais do Euro, visa ''salvar o capitalismo de si mesmo'', de modo a ''minimizar o custo humano desnecessário desta crise; as inúmeras vidas cujas perspectivas serão ainda mais esmagadas, sem qualquer benefícios para as futuras gerações de europeus''. Aparentemente, o socialismo não é capaz de fazer isso. YV diz que ''nós simplesmente não estamos prontos para ligar o abismo que um capitalismo europeu em colapso vai abrir com um sistema socialista funcionando''.

 Em vez disso, de acordo com YV, ''a análise marxista de ambos, o capitalismo europeu e a condição atual da esquerda, nos obriga a trabalhar no sentido de uma ampla coalizão, mesmo com direitistas, o objetivo que deveria ser a resolução da crise da zona do Euro e a estabilização europeia... Ironicamente, aqueles de nós que detestam a zona do Euro têm a obrigação moral de salvá-la!'' Assim, YV  fez campanha por sua modesta proposta para a Europa com ''gente como Bloomberg e os jornalistas do New York Times, os membros conservadores do parlamento, financistas que estão preocupados com o estado lamentável da Europa''.

 Um marxista errático, de fato!




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