segunda-feira, 25 de dezembro de 2017

A vida e a(s) economia(s)



"[Q]uando despida de sua estreita forma burguesa, o que é a riqueza, senão a totalidade das necessidades, capacidades, prazeres, potencialidades produtoras, etc., dos indivíduos, adquirida no intercâmbio universal? O que é, senão o pleno desenvolvimento do controle humano sobre as forças naturais -- tanto as suas próprias quanto as da chamada 'natureza'? O que é, senão a plena elaboração de suas faculdades criadoras, sem outros pressupostos salvo a evolução histórica precedente que faz da totalidade desta evolução -- i. e. , a evolução de todos os poderes humanos em si, não medidos por qualquer padrão previamente estabelecido -- um fim em si mesmo? O que é a riqueza, senão uma situação em que o homem não se reproduz a si mesmo numa forma determinada, limitada, mas sim em sua totalidade, se desvencilhando do passado e se integrando no movimento absoluto do tornar-se?''
Karl Marx, Formações econômicas pré-capitalistas  

 Para que serve a ''economia''? Aliás, o que é a ''economia''? Bem, estas não são questões que a maioria das pessoas pessoas se fazem com frequência, por motivos óbvios (ou não). Mas em geral elas sabem, ou pensam, que quando a ''economia'' vai mal, as coisas tendem a piorar para elas. E quando é que a ''economia'' ''vai mal''? Geralmente, aprendem, é quando o ''PIB'' cai, ou cresce demasiado lentamente.

 Economia, então, aparentemente significa ''economia empresarial'', ou melhor: produção empresarial de bens e serviços, produção de bens e serviços como mercadorias tendo por objetivo a venda destes com lucro. Aliás, dizem-nos alguns economistas chamados ''keynesianos'', eis o motivo de a vida da maioria das pessoas tender a piorar quando ''a economia vai mal'': são as empresas que empregam os trabalhadores, e só os empregam quando esperam vender mais (com lucro). Aliás, alguns deles, chamados ''neo-desenvolvimentistas'', dizem-nos que nossas indústrias estão sumindo e que os trabalhadores precisam fazer um aperto no cinto, aceitando a redução de salários reais (o poder de compra dos salários), para que o investimento na indústria volte a ser atrativo para os nossos capitalistas.

 Num certo sentido, nós -- os marxistas -- concordamos com estas coisas. ''Economia'' hoje, realmente é isso aí. Ou melhor: a maior parte da produção de bens e serviços, ou -- o que é mais ou menos a mesma coisa -- a produção da maior parte dos bens e serviços ocorre hoje sob forma (social) capitalista, ou seja: sob a propriedade privada dos meios de produção (as fábricas e instalações empresariais em geral, com suas máquinas e equipamentos; a maior parte das terras, com os recursos naturais nelas contidos, etc.), que tem como consequências os fatos gêmeos de que a) devido à não-posse de meios de produção, a maior parte da população é forçada, pela necessidade, a vender sua capacidade de trabalhar -- sua força de trabalho -- para conseguir se sustentar, o que permite aos proprietários dos meios de produção fazer esses trabalhadores produzirem riqueza para além daquela de que se apropriam sob a forma de salário, isto é: produzirem excedente; b) os produtos do trabalho social são apropriados de maneira privada pelos proprietários dos meios de produção, podendo ser vendidos e convertidos em lucro (que por sua vez pode ser usado para comprar bens e serviços para consumo individual ou novos meios de produção para investimento no capital empresarial, para acumulação).

 Repito: ''economia'' nos dias de hoje é isso aí. E não em todos os lugares do mundo, aliás. A produção capitalista é um fenômeno temporal e geograficamente particular; ''histórica e transitória'', portanto, nas palavras do velho Marx. Aliás, o nosso ponto de vista sobre as questões postas no início deste texto é que a ''economia'' é a reprodução, socialmente realizada, da vida material. Melhor dizendo: como você sabe, nós usamos e precisamos de um enorme conjunto de coisas, que sozinhos não podemos produzir; a produção dessas coisas, como seu transporte, distribuição e troca entre as pessoas, é feita socialmente, através da divisão social do trabalho.

 Uma consequência óbvia do nosso ponto de vista é que a atual economia ''empresarial'', capitalista, não é a única possível. E também não acreditamos que seja a melhor.

 Mas qual o critério para julgar que economia é pior ou melhor? Bem, essa pergunta nos leva de volta à pergunta que iniciou este texto: ''para que serve a economia?'', mas desta vez sob uma forma um pouco diferente: para que deve(ria) servir a economia?

 Minha opinião pessoal, construída tendo Marx por base (e sugiro reler o trecho citado acima deste texto), é que a economia deveria servir ao enriquecimento dos indivíduos. Mas oras, não é isso o que quase todo economista diz, mesmo os mais ''próximos'' das empresas, propagandistas do capitalismo etc.?

 Em aparência, ou forma, pode até ser. Mas o conteúdo das nossas ideias é muito diferente. Explico: a maior parte dos economistas, que pode até pensar que a economia capitalista não é uma coisa natural nem eterna, mas está basicamente satisfeita com as relações capitalistas de produção e/ou acha que ela é o tipo mais eficiente de economia que pode haver (ou que já houve, pelo menos), basicamente só consegue pensar em ''enriquecimento dos indivíduos'' como acumulação contínua e acelerada de capital; o PIB aumenta, e com ele os empregos, o dinheiro na mão das pessoas etc. Uma parte deles, aliás, se satisfaz com a concentração de (muito) dinheiro nas mãos de algumas pessoas; costumamos chamá-los de neoliberais, mas ''canalhas'', ''cretinos'' e similares são bons substitutos.

 E quanto aos marxistas, ou pelo menos a este (autodenominado) marxista que vos escreve, que é que pensamos (ou penso) sobre o que é ''enriquecimento dos indivíduos''? Bem, de primeira acreditamos que o dinheiro é uma forma social particular de riqueza, ou seja: uma forma de riqueza sob determinadas relações sociais (pense, por exemplo, em qual lhe seria a utilidade de 95 trilhões de reais ou mesmo dólares numa ilha deserta ou na Idade Média); o verdadeiro conteúdo da riqueza são os já citados bens e serviços, que, em sua diversidade, atendem às necessidades humanas -- que não se resumem à sobrevivência fisiológica, sendo historicamente constituídas.

 E o tal ''enriquecimento dos indivíduos'', o que é e/ou como deve ser? Primeiro, pegando o gancho do que acabei de dizer, ele é a satisfação das necessidades de toda e cada pessoa, através do acesso à riqueza concreta, aos bens e serviços necessários. E a forma de fazer isso, penso eu (como a maioria dos marxistas), passa pela alteração das relações sociais de produção, distribuição e troca, ou seja: rompendo-se com a propriedade privada dos meios de produção e a produção capitalista de mercadorias, e consequentemente com a exploração capitalista da força de trabalho (ou seja: com a utilização da força de trabalho para a produção de excedentes que se convertem em riqueza para os proprietários dos meios de produção).

 E o que viria no lugar? A conversão destes meios de produção em propriedade social, isto é, coletiva, dos povos, bem como o planejamento social do processo de produção, distribuição e troca dos bens e serviços visando a satisfação das necessidades das pessoas, inclusive regulando a jornada normal de trabalho, definindo o quanto do tempo das pessoas será tempo de trabalho e o quanto será tempo livre -- ''a verdadeira riqueza'' segundo Marx, pressupondo que neste ''tempo livre'' as pessoas estão com suas necessidades satisfeitas e podem dedicar-se a seus prazeres, ao exercício e aprimoramento de seus talentos etc.

 Em outras palavras: a transformação socialista da sociedade, o socialismo.

''Quando se diz que os interesses do capital e os interesses dos trabalhadores são os mesmos, isso significa apenas que capital e trabalho assalariado são dois aspectos de uma mesma relação. Um condiciona o outro como o usurário e o perdulário se condicionam reciprocamente.
Enquanto o trabalhador assalariado for trabalhador assalariado, sua sorte dependerá do capital; eis a tão enaltecida comunhão dos interesses entre o trabalhador e o capitalista.''
Karl Marx, Trabalho assalariado e capital