segunda-feira, 29 de junho de 2015

Malafaia, Feliciano e o fascismo à brasileira

''Nenhum humano é ilegal''. A todos devem ser garantidos os direitos fundamentais da pessoa humana, ainda que reacionários briguem e esperneiem. 


 Eu acho uma merda repetir assunto. E acho uma merda falar de gente como o Malafaia. E acho ele um merda. Mas há certas coisas que valem a pena discutir, e mais: elas de certa forma exigem serem discutidas. Pois bem, que eu cumpra tal sina.

 3 acontecimentos recentes puseram a ''questão LGBT'' novamente em debate público: o primeiro foi a propaganda d'O Boticário exibindo dois casais homo-afetivos, um de cada gênero; o segundo foi a performance de Viviane Belebony, uma atriz transsexual, na parada LGBT de São Paulo como Cristo Crucificado; o terceiro foi a legalização do casamento civil igualitário nos EUA na última sexta-feira (26/06), que provocou uma campanha de substituição das fotos de perfil do facebook (não só de indivíduos como também de várias empresas e outras entidades/organizações) por uma versão com o filtro da bandeira LGBT, o arco-íris.

 Todos os acontecimentos desencadearam uma reação por parte dos moralmente conservadores. No primeiro caso, reclamaram de ''propaganda de orientação sexual''; Malafaia chegou a pedir um boicote aos produtos da empresa de cosméticos. No segundo, falaram de ''intolerância religiosa'', e um bocado de membros da bancada da bíblia chegou a ir ao púlpito da câmara dos deputados federais exigindo a punição do ''crime'' (dias depois, uma menina de 11 anos, após sair de um culto de candomblé com um grupo de pessoas vestidas com os trajes típicos da religião, foi vítima de xingamentos e pedradas [1] -- adivinhem de quem). Dão piti agora chamando a campanha do filtro (que muitas pessoas já retiraram, incluso o autor destas linhas) de ''modinha'' e uma miríade de coisas a mais, vide Feliciano afirmando que a formalização do casamento igualitário nos EUA foi uma medida desesperada de Obama pela reeleição (isso quando Obama já completou 2 mandatos e, portanto, tem de ser substituído por outro quadro do partido democrata).

 Outra pérola recente de tais conservadores foi a argumentação de Malafaia num debate recente entre ele e o famoso militante LGBT Tony Reis, que pode ser visualizada por meio do link mais abaixo [2]. De acordo com Malafaia,

 No Brasil, você pode falar mal do Diabo, pode falar mal de Deus, pode falar mal de político, pode falar mal de presidente, pode falar mal de pastor, pode falar mal de padre, pode falar mal do diabo que o carregue, mas se falar alguma coisa contra o homosexualismo é homofóbico... vai ver se eu tô na esquina!

 Como eu já disse em outros textos, tudo isso poderia nos fazer rir, se não nos devesse preocupar. Não acho necessário dizer coisa alguma sobre o caso d'O Boticário e o máximo que sinto vontade de fazer quanto ao da atriz transsexual é indicar a leitura do texto do professor de História da UFT, Bertone Sousa, sobre os direitos de uso da figura de Jesus [3]. Mas as peripécias mais atuais de Malafaia e Feliciano são, de certa forma, perigosas demais para deixar passar sem criticar.

 Quem já leu um pouquinho sobre a laicidade de Estado sabe que ela garante a liberdade de culto e, ao mesmo tempo e pelo mesmo ''fator'', estabelece que as normas jurídicas -- o próprio poder público -- não devem se pautar em crenças ou princípios religiosos, mas no conhecimento científico e na ética; nenhum de nós -- cristãos, judeus, ateus, pagãos, candomblecistas, muçulmanos, umbandistas, etc -- pode (ou deveria) ter sua liberdade de consciência violada e nem ser discriminado por motivos de crença. A laicidade de Estado foi uma pauta do iluminismo e uma conquista das revoluções modernas, desde a revolução inglesa do século XVII à russa do início do século XX, passando pela francesa no finzinho do século XVIII. Ela é uma característica primordial da civilização moderna.

 O problema é que certos indivíduos e grupos não são capazes de conviver com isso: eles desejam impor seus valores e crenças singulares a toda a sociedade. Simplesmente não são capazes de conviver tranquilamente com quem deles discorda. É por isso que Feliciano, por exemplo (ao contrário do ilustre padre Fábio de Melo [4]), além de burrice ou escrotice, afirmou que a conquista do casamento civil igualitário nos EUA não passou de uma medida desesperada obtenção da reeleição de Obama. O pastor-que-pede-cartão-de-crédito simplesmente não concebe que o Estado é algo por ideal distinto da(s) Igreja(s), sendo tal medida uma extensão obrigatória da cidadania; ele e seus companheiros de bancada costumeiramente (eu diria que é só o que eles fazem) incluem argumentações religiosas em seus projetos, uma clara afronta à laicidade do Estado e ao princípio da cidadania universal.

 E quanto a Malafaia? Bem, peço que você releia a citação que fiz mais acima. Malafaia, também por escrotice ou burrice (dado o diploma de psicologia e a fortuna que ele adquiriu no mercado da fé, eu apostaria na primeira opção), põe Deus, o Diabo, ''o presidente'', ''o padre'' e ''o pastor'' no mesmo balaio ontológico que o ''homossexualismo'' (ontologia, para quem não é lá muito chegado à filosofia, é o ''campo'' da metafísica que estuda o ser enquanto ser, isto é, do ser concebido como tendo uma natureza comum que é inerente a todos e a cada um dos seres). Você consegue perceber alguma diferença essencial entre as coisas que Malafaia citou? Se não, vamos refletir conjuntamente.

 'Presidente', 'padre' e 'pastor' são cargos/postos/funções ocupados por alguém (isto é, por um ser consciente), que deve fazer certas coisas, agir de certas maneiras e não de outras; não cumprindo o que dele se espera, 'o presidente', 'o padre' ou 'o pastor'' torna-se passível de crítica. Observe, entretanto, de que não se trata de uma crítica à presidência ou ao sacerdócio em si: estes são criticáveis em outro âmbito: o de não terem uma raison d'être, isto é, de não precisarem ser desempenhados, de não serem necessários. Deus e o Diabo, que são seres (supondo que existem -- o que não é consenso na humanidade, e mesmo que fosse não garantiria que tal crença é verdadeira -- e ignorando as diferentes concepções que aqueles que neles acreditam deles têm), podem ser criticados no sentido de que não fazerem algo que deles se espera, ou melhor, algo que têm o dever de fazer, que se comprometeram a fazer.

 O ''homossexualismo'' -- nome pelo qual a homossexualidade é conhecida entre nossos contemporâneos Homo neanderthalis -- está também em outro nível ontológico; não é um ser e nem uma função ou cargo, mas uma característica de certos seres. Homossexualidade é como chamamos o desejo erótico-afetivo que os humanos apresentam por outros humanos do mesmo gênero/sexo, em oposição à heterossexualidade, que é tal desejo por humanos do sexo/gênero oposto. Oras, criticar desejos, sensações, sentimentos é como criticar o sistema solar ou a gravidade: sendo um fenômeno natural (e não uma ação ou cargo), não faz sentido condená-los no campo da moral ou da ética. A homossexualidade é, entretanto, diferente da prática/ação homoerótica, do relacionamento entre dois seres humanos do mesmo sexo ou gênero; sob certas premissas morais, poderíamos criticar a última como alguns criticam o beijo, a dança ou o jogar videogame, que são todos ações também. Mas convenhamos: se o relacionamento homoerótico é consensual, se per se* não causa sofrimento e se surge como consequência de uma pulsão natural, por que raios condená-lo?

 Malafaia, Feliciano e seus similares, ao quererem dar uma raison d'être ao ''falar mal do homossexualismo'', se assemelham aos nazistas em seu racismo antissemita: querem tornar legítima uma condenação à própria natureza de alguns seres humanos, de cuja uma das consequências possíveis é a demanda pela eliminação daqueles, o genocídio. Sim, é verdade que Feliciano, até onde sabemos, não enviou ordens de assassinato de LGBTs aos seus seguidores, nem Malafaia começou a comprar peças para construir câmaras de gás; mas vemos o tempo todo na mídia notícias de LGBTs mortos ou severamente agredidos por gente como nossos adoráveis pastores, gente que odiava suas vítimas não por elas terem feito isso ou aquilo, mas meramente por serem quem são.
 Como disse o professor Bertone [5],

Comprando uma briga com o movimento LGBT (outro segmento que também ascendeu junto com os neopentecostais), Malafaia pretendia não apenas estar na mídia, mas fazer algo que nenhum outro líder protestante ainda conseguiu: unir os evangélicos em torno de um líder. E você apenas pode unir segmentos tão heterogêneos criando um inimigo, uma ameaça comum. Não importa que o inimigo seja imaginário, o importante é que as pessoas comprem a ideia. Nesse sentido, ele segue o exemplo de Pat Robertson nos Estados Unidos que, na década de 1960, criou a Maioria Moral (Moral Majority) para combater o feminismo, o divórcio, o aborto, a homossexualidade, a cultura secular.
Malafaia usa o discurso contra o homossexualismo como plataforma para conseguir essa projeção em nível nacional entre os evangélicos. O objetivo vai além: alcançar poder para intervir diretamente nas decisões políticas do país, criando um grupo forte e coeso para fazer lobby junto ao Congresso, ao Senado e à própria presidência da República.

 Malafaia e Feliciano são parasitas fundamentalistas para os quais a população LGBT é um bode expiatório, um meio de consolidar seus interesses, e os resultados disso são em potencial totalitários. Se nós quisermos proteger nossas instituições democráticas e a própria condição de civilização moderna, teremos de combatê-los. A eles e a todos aqueles que desejam fazer voltar a Idade das Trevas.


[1] http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2015/06/1642819-apos-sair-de-culto-de-candomble-menina-de-11-anos-leva-pedrada-no-rio.shtml
[2] https://www.facebook.com/VemPraDireitaBrasil/videos/934482606619023/
[3] https://bertonesousa.wordpress.com/2015/06/11/quem-deve-usar-a-imagem-de-cristo/ 
[4] https://www.facebook.com/jean.wyllys/photos/a.201340996580582.48122.163566147024734/866255353422473/?type=1&permPage=1
[5] https://bertonesousa.wordpress.com/2013/02/06/o-que-quer-silas-malafaia/

*Algumas pessoas sofrem por manterem relacionamentos com pessoas do mesmo sexo/gênero ou por algum ente querido fazê-lo, mas isso ocorre devido às crenças e valores internalizados por essas pessoas, e não pela relação homoerótica em si.

sábado, 27 de junho de 2015

Mimimi contra a democracia





 Como todos nós sabemos, o casamento civil homoafetivo foi legalizado ontem pela Suprema Corte dos EUA em todo o país. Em consequência disso, várias pessoas, organizações e entidades puseram a bandeira LGBT em seus ícones, avatares e fotos de perfil, simbolizando apoio à causa. A coisa chegou aqui no Brasil num instante, e logo nosso feeds coloriram-se com as cores do arco-íris. Não bastou muito tempo e surgiram pessoas, organizações e entidades reclamando de todo jeito, sendo os principais argumentos os de que isso seria ''modinha'' e que há causas mais importantes a se lutar por (não raro acompanhado da foto de uma criança negra desnutrida).

 Pois bem. A moda, segundo várias e várias fontes que tratam de temas matemáticos, é o valor que mais aparece num determinado estudo. Se, por exemplo, eu analiso as preferências musicais de uma turma de estudantes e o resultado que mais sai é ''rock'', a conclusão é que ouvir rock é a moda daquela sala. Sinceramente não acho que a maioria dos usuários brasileiros do facebook tenha posto o filtro arco-íris na foto de perfil pra que isso tenha se tornado moda entre nós; por outro lado, concordo que muitos se empolgaram ao ver conhecidos e figuras admiradas pondo o filtro e assumindo a defesa da causa progressista.

 O negócio, pessoal, é que essa adesão veloz e massiva à campanha tem sua razão de ser. Todos nós sabemos o perrengue que a população LGBT sofre: diariamente vemos as notícias sobre LGBTs mortos ou agredidos em crimes de ódio, sempre observamos nas escolas as piadinhas e as formas de exclusão aos que fogem do padrão de gênero e sexualidade e aqui e acolá nos deparamos com casos em que jovens foram expulsos de casa por serem homo, bi ou transexuais. Pôr um filtro com a bandeira LGBT significa dizer que damos apoio a essa significante parcela da população, significa que eles têm a quem recorrer. Diante da ascensão de uma direita conservadora nos últimos anos, em especial, pôr a bandeira LGBT sobre a foto de perfil significa que boa parte da sociedade civil se opõe ao reacionarismo que tomou de conta do Estado, e que nós desejamos que direitos tão fundamentais como o de se unir legalmente com a pessoa que se ama -- independentemente do sexo/gênero desta -- sejam de acesso universal. Princípios religiosos que condenem a união homoafetiva podem perfeitamente ser seguidos em âmbito privado e dentro das igrejas, mas não podem ser positivados em esfera pública, legal. A laicidade do nosso Estado, que dá a todos liberdade de culto (na medida em que isso não infringe outros direitos humanos), também garante isso.

 Quanto à existência de ''causas mais importantes'', só tenho a dizer que isso é ignorância. A luta pelo fim da miséria e da fome, a luta pelo fim do racismo, a luta por educação e saúde universais e de alta qualidade e a luta pela emancipação feminina, p. ex., não se opõem à luta pela extensão dos direitos civis aos LGBTs e pelo fim da LGBTfobia; tampouco podem ser travadas somente em alternativa a esta. Na verdade -- e isso pode ser constatado por qualquer um que dê uma passadinha por uma página de esquerda do facebook -- as mesmas pessoas, organizações e entidades (vou ter de inventar uma abreviação...)  que defendem uma dessas causas defendem também as outras, e simultaneamente. Tudo faz parte de uma luta que, para nós, é necessária se quisermos ter um mundo melhor. E nós queremos.

 E a todos aqueles que persistirem em gritar, espernear e se irritar com o avanço do progresso, eu (novamente) só tenho uma coisa a dizer:







quarta-feira, 17 de junho de 2015

O que é ser ateu?

por Bertone Sousa, para seu blog pessoal

Prometeu, de Nicolas-Sébastien Adam.


 Provavelmente nenhum grupo sofre tanta troça e preconceito no Brasil como os ateus. Não, não se trata de um discurso de vitimização, há estatísticas que o comprovam. Mas também é preciso dizer que muitas pessoas que se dizem ateias não têm muita clareza do que isso significa. Dessa incompreensão advém a iniciativa de alguns pela busca de reconhecimento social o que, mesmo em um estado laico, pode ser um erro. O ateísmo nasceu como uma postura negativa: não define uma minoria sociológica, não define um credo, nem mesmo é importante pra definir um indivíduo ou sua posição na sociedade.

 Recentemente, um estudante da UFAC (Universidade Federal do Acre) ganhou notoriedade porque, sendo ateu, queimou uma bíblia em uma manifestação na universidade. Inicialmente animado com a repercussão de seu ato, ele afirmou que não se arrependia e pretendia repeti-lo. Após ler a carta aberta de um padre que chamou a atenção para a importância da tolerância e do respeito à diversidade religiosa, o estudante respondeu dizendo que repensou sua ação e se arrependia dela. Pressionado pela possibilidade de responder judicialmente pelo gesto, ele declinou de outra tentativa de queimar uma bíblia.

 O gesto do estudante de queimar a bíblia traz à superfície um elemento alarmante em nossa sociedade: parte considerável da juventude que se diz ateia não tem referenciais fora de uma denegação pueril da religião e de um conjunto de leituras redutivas e desconexas. Basta ver os fóruns de discussão  na internet onde se reúnem para perceber que a ignorância tomou o lugar de discussões inteligentes e a razão, se é que um dia a cultivaram, foi reduzida a um materialismo cientificista risivelmente prosaico. Exemplos poderiam ser citados à exaustão, mas não vêm ao caso.

 Uma das questões para se entender isso é que essa juventude se beneficia de um ambiente político de ampla liberdade de expressão somado uma cascata inesgotável de informações e publicações com as quais, ou em contato com as quais, não sabe o que fazer, então absorve frases ou pensamentos sem compreender o que quer criticar. Em meu texto Neoateísmo ou a estupidez irreligiosa, chamei a atenção para os leitores de Richard Dawkins que entraram na moda do ateísmo cientificista sem compreenderem historicamente a religião.

 Dawkins esteve no Brasil recentemente. Em uma entrevista à Revista Galileu, ele se sentiu incomodado com  perguntas que não conseguiu responder e, para disfarçar, tentou fugir ao assunto. Um exemplo: o entrevistador lhe pergunta se ele consegue imaginar uma religião que não fosse cega pelo dogma, ao que Dawkins titubeia, demonstra não saber o que significa religião e arremata: “Eu realmente não sei, apenas não tenho interesse por religião. Isso é uma revista de ciência, não vamos falar de ciência?”. A pergunta foi interessante e a resposta tão inesperada quanto ríspida.

 Logo depois o entrevistador lhe pergunta sobre mitos e sua opinião sobre o papel dos mitos no passado e no presente, ao que ele responde: “Nunca entendi muito bem o que é um mito, quer dizer, ele é uma história, e eu suponho que seja uma história com algum significado antropológico. Uma tribo terá histórias tribais sobre a origem das coisas. Estou ciente delas, não acho que sejam muito interessantes sob meu ponto de vista, eu sou um cientista”. É muito curioso que Richard Dawkins, que precisa afirmar diariamente que Deus não existe, não saiba o que é religião ou mito e ache que nada disso tem a ver com ciência. Quando diz “eu sou um cientista”, Dawkins quer fugir de perguntas que expõem suas deficiências intelectuais, como se o que ignora não tivesse relação com a ciência e se esconde sob um título como em uma torre de marfim. Vendo sua fala, é impossível não sentir falta de um Carl Sagan, que conseguia estabelecer pontes com outras áreas do conhecimento fora de sua especialidade e isso refletia em seus vídeos e livros brilhantes e enxutos de dogmatismos.

 No texto sobre neo-ateísmo escrevi que Dawkins não é um intelectual de se jogar fora. Ele publicou bons livros e quando critica as pretensões de cientificidade do criacionismo ou do Design Inteligente, se mostra judicioso. Mas sua abordagem da religião falha por sua falta de conhecimento histórico, como quando disse, em uma dessas conferências no Brasil, que a religião é como um vírus para a mente humana ou ao comparar Deus com o monstro do espaguete voador, dois entes, se é que podemos chamar o monstro do espaguete assim, que não possuem nenhuma relação ou ponto em comum, nem mesmo a não-existência. Não que Deus ou o monstro do espaguete existam como existe esta mesa, este computador ou este lápis e é isso o que escapa a seu pensamento reducionista.

Não há dúvida de que a ciência, através da astrofísica, da genética e da neurociência tem nos ajudado a compreender questões que antes pertenciam ao domínio da metafísica ou da teologia, hoje reduzidas a pó, mas o ateísmo professado por alguns de seus expoentes pode se tornar problemático por uma razão essencial: as ciências naturais tornaram Deus dispensável para explicar a origem da vida e até mesmo do cosmo, assim como a neurociência tem contribuído para compreender os efeitos da meditação e da oração na mente, mas não podem explicar a função social das religiões. Mas há um contraponto que podemos incluir: Foi nos Estados Unidos que o neoateísmo (como é conhecido o movimento de crítica e combate à religião que aproxima cientistas e intelectuais de várias áreas) ganhou força, porque lá, diferentemente do que ocorreu na Europa ocidental, a secularização não implicou um afastamento da religião da esfera pública, ou uma desfiliação religiosa significativa e isso também reflete na área científica, onde pululam concepções pseudo-científicas que buscam aproximar religião de ciência, das quais o Design Inteligente talvez seja o mais notável.

 Enquanto o ateísmo crescia na Europa no século 19, nos Estados Unidos movimentos de despertar religioso combatiam os valores racionalistas oriundos da Revolução Francesa, ao mesmo tempo em que valorizavam o planejamento e a eficiência econômica, a educação, os direitos individuais, o avanço tecnológico, a urbanização e o aperfeiçoamento moral. Um movimento conhecido como “evangelicalismo” ou “evangelicismo” combateu o deísmo até torná-lo marginal na sociedade e empreendeu um amplo projeto de evangelização do país. Pregadores como Jonathan Edwards, John Wesley (ambos no século 18), Charles Grandison Finney e Dwight Lyman Moody (século 19) se tornaram líderes de movimentos religiosos avivalistas anti-deístas e anti-materialistas com ampla penetração na sociedade norte-americana.

 Essa tensão ganhou notoriedade internacional pelo menos desde 1925, quando John Scopes, um professor de Biologia no Estado do Tennessee foi julgado e condenado por ensinar o evolucionismo em uma escola pública estadual, o que era proibido por lei naquele Estado. Embora o veredito tenha sido revogado depois, o caso Scopes expôs a dificuldade que as autoridades e a sociedade norte-americana tinham com as descobertas da ciência moderna que contrariavam a narrativa da criação no Gênesis. Hoje, quase cem anos depois, o ensino do evolucionismo não é mais proibido nos Estados Unidos, mas ainda há uma forte resistência daquela sociedade de aceitar que o Gênesis não é um relato científico. Esse cenário contribui para a popularidade, naquela sociedade, de excentricidades teológicas como William Lane Craig.

 Isso torna compreensível e em vários aspectos também importante as críticas e ataques que Dawkins, Sam Harris, Daniel Dennett e outros acadêmicos fazem à religião e à pseudo-ciência. Mas também é preciso admitir que o ataque frontal pode produzir resultados opostos ao que desejam, na medida em que a denegação combativa da religião leve a um reforço do sentimento fundamentalista de muitos religiosos. Nesse sentido, o esclarecimento é mais importante do que o ataque e, nesse caso, esclarecer implica começar a fazer as pessoas entenderem a diferença entre mito e ciência.

 E aqui voltamos a Dawkins. Se ele não sabe o que é religião, mito  e dogma e mesmo assim se considera apto a dizer que a religião é como um vírus de computador, além de isso não explicar a religião, não se torna admirável que, sob o mote de um pretenso ateísmo, jovens comecem a queimar bíblias em universidades. Isso não chega a ser pior do que os Grupos de Oração Universitários, que tentam trazer suas igrejas para dentro da universidade e nos dois casos temos a exacerbação do dogmatismo, em campos opostos. Um ateu que queima bíblias não é mais inteligente do que um cristão que acredita na literalidade do Gênesis.

 O ateísmo moderno é filho do Iluminismo do século 18, do anticlericalismo que vicejou na França daquele contexto e se desenvolveu no século seguinte na Europa ocidental na esteira do avanço das ciências da natureza. Embora poucos intelectuais iluministas fossem ateus, como Diderot e D’Holbach, a concepção predominante no movimento foi o deísmo, que aceitava a existência de Deus, a criação e o governo do mundo por ele, mas rejeitava a revelação (por isso o deísmo foi fortemente combatido pelos movimentos avivalistas nos Estados Unidos).  O ateísmo é produto da moderna sociedade industrial e do avanço ciências e da luta por direitos e liberdades em um contexto de consolidação e expansão do sistema econômico capitalista.

 Ainda no século 19, a crítica superior da bíblia, originada na Alemanha, afastou os milagres e intervenções sobrenaturais dos eventos ali narrados para compreender sua historicidade. Foi a partir daí, por exemplo, que nasceu a figura do Jesus histórico, isto é, o Jesus que não nasceu de uma virgem, não ressuscitou e fez milagres, mas existiu historicamente e que cabe entender sua existência e ação como personagem histórico. Hoje sabemos que os autores da bíblia não pretendiam escrever relatos históricos e, como a Ilíada e Odisseia, é um livro fundador da cultura ocidental. Um estudante universitário que compreenda isso, mesmo sendo ateu, saberá que não faz sentido queimar uma bíblia. Mas pra isso ele também precisa entender que religião não é vírus de computador e que Deus e o monstro do Espaguete voador, mesmo que se queira negar a existência de ambos, não são a mesma coisa.

 Não compreendemos mais a religião a partir de alguns sentidos pelos quais eram abordadas até o início do século 20, como ópio do povo (Marx), platonismo para o povo (no caso do cristianismo, Nietzsche) ou neurose universal (Freud). Essas abordagens eram metáforas, não explicações da religião. A diferença é que quando Dawkins fala da religião como vírus, não fala como metáfora, mas literalmente. Se não usasse um discurso tão simplório talvez não tivesse se tornado uma celebridade. Ele é, de longe, o mais midiático do movimento neo-ateu e talvez graças a ele ateus se reúnam em templos aos domingos como uma paródia mambembe das religiões.

 Aí alguns religiosos podem dizer: “Ah, não existem ateus, quando o avião está caindo todos eles chamam por Deus”. Não, não é bem assim. Eu disse no início que o ateísmo não é um credo no sentido que as religiões o são, então é preciso defini-lo: é uma postura diante da vida; ser ateu não é repetir todos os dias que Deus não existe, é viver como se Deus não existisse. O ateu é alguém que encontrou estabilidade em sua vida emocional e social sem precisar de valores religiosos (uma postura que a maior parte da sociedade não pode adquirir). Isso só pode ser resultado de muitos anos de estudos e reflexões e da aquisição de uma cultura histórica e científica a partir da qual o indivíduo adota referenciais de vida e de conduta que prescindem da experiência e dos dogmas religiosos. Isso não torna o ateu necessariamente mais inteligente, mas deve torná-lo apto a entender que não é viável e talvez nem mesmo desejável que as crenças religiosas desapareçam.

 A existência humana é frágil, efêmera e caótica; as doenças e a morte são traumáticas e a vida é carente de sentidos. A religião atribui significados a esse estado de coisas, explica, a partir do mito, o sofrimento e a morte elaborando compensadores para ambos e confere estabilidade emocional e social. Apelar à história para argumentar que as religiões podem se tornar perseguidoras e assassinas não anula o seu papel como agências produtoras de sentidos e de cultura. Somente em condições econômicas, políticas e sociais muito específicas o ateísmo pode ganhar terreno. O que pode se tornar um problema é que, para muitas pessoas, o ateísmo está relacionado à ausência de moralidade e de ética, como no pensamento de Dostoievski de que “se Deus não existe, então tudo é permitido”. Essa visão parte da incapacidade de dissociação de moralidade e ética de religião. Durante milênios, as religiões foram as fontes inspiradoras dos valores morais e somente na modernidade, especialmente no Ocidente, essa relação se rompeu.

 Se existe algo para o que os ateus devem atentar em nossa época é para a importância de manter a religião afastada do controle do poder político, assim como vigiar pelas liberdades individuais e contra a intervenção de princípios religiosos na legislação. Ser ateu é ser, acima de tudo, secularista – o ateísmo não pode vicejar em um ambiente onde a religião tenha o controle do Estado, assim como a própria liberdade de consciência fica seriamente ameaçada nesse contexto.. Isso não significa anular a voz dos religiosos na política e mesmo que queiramos pensar mudanças na legislação que envolvem questões morais, não podemos deixar de dialogar com as religiões.

 O ateísmo contemporâneo somente pode ser eficaz se se afirmar como secularista, enfatizando as liberdades individuais, a tolerância e o esclarecimento (pautas que não são exclusivamente ateístas) em lugar dos reducionismos e de uma militância que por vezes pode atrair mais rejeição do que resultados positivos. Na área da ciência, cabe a reafirmação do ateísmo metodológico, isto é, o reconhecimento de que a ciência não prova Deus e é indiferente a crenças e valores religiosos. O ateísmo metodológico postula que um pesquisador não deve incluir a ação de Deus ou entes sobrenaturais na explicação de fenômenos naturais ou mesmo históricos. Esse princípio foi usado, por exemplo, por Bart D. Ehrman no debate com William Lane Craig sobre o tema da existência ou não de evidências da ressurreição de Jesus Cristo (clique aqui para assistir) e é amplamente aceito no meio científico.

sábado, 13 de junho de 2015

Rumo ao fascismo?


A História revela uma vergonhosa ligação entre a religião e o nazifascismo, a besta da contrarrevolução burguesa nos tempos de crise do capitalismo [1]. 


 A propaganda recente d'O Boticário envolvendo casais (cis-gêneros) homossexuais e a performance da travesti crucificada na Parada LGBT do último domingo em São Paulo suscitaram uma nova onda de debate público sobre liberdade de expressão, direitos civis e, claro, o embate entre religião e a minoria LGBT. No primeiro caso, conhecidos figurões do cenário religioso nacional voltaram com seus tradicionais mimimis sobre o ''apologia ao homossexualismo''; no segundo, os faniquitos se deveram a uma suposta ''intolerância religiosa'' que teria sido praticada no ato de Viviany Beleboni.

 Tudo isso me parece ao mesmo tempo terrivelmente engraçado e terrivelmente angustiante. Engraçado porque demonstra a burrice ou falta de caráter de algumas famosas lideranças religiosas do país, que insistem em afirmar que ''homossexualismo é comportamento e opção do indivíduo'', ignorando o fato simples de que eles mesmos não conseguem lembrar quando foi que optaram por sentir desejo por mulheres (talvez porque nunca o tenham feito...), e que homossexualidade não é comportamento (ou ''ato'', ou ''prática''), mas sim desejo, amor erótico por pessoas do mesmo sexo/gênero. Homossexuais comportam-se de maneiras muito diversas: há gays mais másculos e outros mais efeminados, e lésbicas idem; há aqueles entregues ao amor-livre, há os celibatários; há os extrovertidos e há os tímidos. Há, enfim, uma infinita variedade de comportamentos entre homossexuais (como há entre heterossexuais), exatamente porque a única ligação direta entre essas pessoas é a orientação sexual. Angustiante porque o poder que a bancada parlamentar religiosa (leia-se ''cristã'') está acumulando é tal que pode abalar os alicerces da laicidade de nosso Estado, o que traria uma série de consequências, nenhuma delas boa; e porque o mais recente atentado contra a humanidade projeto dessa bancada é a criminalização da ''cristofobia'', um cavalo de troia que poderá pôr em risco a liberdade de expressão e de livre-pensamento no país como nunca desde o fim da ditadura militar de 1964-1985.

 Os defensores do projeto de criminalização da ''cristofobia'' (segundo eles tão real quanto a homofobia, ou na verdade a única real entre as duas -- ainda que não tenhamos muitas notícias de jovens cristãos sendo expulsos de casa ao revelarem sua religião aos pais ou mesmo de cristãos sendo agredidos e mortos nas ruas por serem cristãos, no Brasil) afirmam que o que Viviany fez foi ''intolerância religiosa'' e um ''profundo desrespeito'' para com o cristianismo, devendo ser penalizado. Mas que intolerância religiosa foi essa? Até onde sei, Viviany não estava impedindo ou proibindo nenhum tipo de culto -- e é exatamente isso que se conhece por intolerância religiosa! Falemos, então, do ''profundo desrespeito'' ao cristianismo. A própria afirmou, em entrevistas, que não tinha a mínima intenção de ''atacar a igreja'', mas  de simbolizar o martírio que a população LGBT sofre em nosso país -- martírio esse cujos dados penso não ser necessário trazer aqui: conhecemos muito bem os casos de agressão física e verbal, expulsão e assassinato contra membros dessa parcela da população, além de coisas como suicídio, evasão escolar e bullying. Mas e se a intenção de Viviany fosse, de fato, ''atacar a Igreja'', criticar o cristianismo? Teria (ou deveria ter) ela esse direito? Para pensar na resposta, talvez seja interessante lermos algumas passagens de livros antigos.

 William Hollowitt, em seu Colonization and Christianity: a popular history of the treatment of the natives by the Europeans in all their colonies (Londres, 1838), diz que

As barbaridades e as implacáveis atrocidades praticadas pelas chamadas nações cristãs, em todas as regiões do mundo e contra todos os povos que elas conseguem submeter, não encontram paralelo em nenhum período da história universal, em nenhuma raça, por mais feroz, ignorante, cruel e cínica que tenha se revelado.

 Bertrand Russel, por sua vez, afirma num artigo intitulado ''Será que a religião capaz de curar nossos problemas?'' (Dagens Nyheter, Estocolmo, novembro de 1954) que

O cristianismo tem se distinguido de outras religiões por sua maior disposição à perseguição. O budismo jamais foi uma religião persecutória. O império dos califas era muito mais gentil para com judeus e cristãos do que os Estados cristãos para com os judeus de maometanos. Não incomodavam os judeus e cristãos, desde que lhe pagassem tributos. O antissemitismo foi promovido pelo cristianismo desde o primeiro instante em que o Império Romano se tornou cristão. O fervor religioso das cruzadas levou a massacres de judeus na Europa Ocidental. Foram cristãos que acusaram Dreyfuss injustamente (...). Em tempos modernos. Em tempos modernos, abominações foram defendidas pelos cristãos, e não apenas quando os judeus eram as vítimas, mas também em outras situações. As abominações do governo do rei Leopoldo no Congo foram escondidas e minimizadas pela Igreja e só tiveram fim devido a agitações causadas principalmente por livres-pensadores. Toda afirmação de que o cristianismo tem exercido influência moral elevada só pode ser mantida pela completa ignorância ou falsificação das evidências históricas.  

 Certamente que não há uma relação de causalidade entre ser cristão e ser um racista pró-colonialismo ou um antissemita doente, ao menos a partir de um certo conceito de cristianismo (as pessoas que creem que Jesus é Deus e o salvador têm ideias bastante diversas sobre ele...); mas tampouco se pode negar que o cristianismo tenha oferecido justificativa para tantas barbáries (nas quais faltaria incluir coisas como as queimas de mulheres acusadas de bruxaria e/ou de ''hereges'', como Giordano Bruno). Isso, por si só, legitima o direito à crítica do cristianismo.

 Engana-se, porém, quem pensa que as causas do direito à crítica do cristianismo (e na verdade de qualquer religião) parem aí. Religiões, como outras formas de ideologia, são conjuntos de ideias sobre como as coisas são (o campo da ciência) e sobre como as coisas devem ser (o campo do direito) -- estas, em boa parte, dependentes daquelas; a realidade objetiva, porém, é uma só (o que invalida aquela máxima de que ''todas as religiões são verdadeiras'', uma verdadeira pérola do relativismo), de forma que se duas pessoas divergem sobre a realidade, e uma delas está certa, a outra TEM de estar errada e, portanto, pode ter suas ideias criticadas por meio do debate científico imparcial. Similar para o direito: as leis que regem nossas vidas individuais e sociais devem estar pautadas na ética e na racionalidade (não exatamente distintas). Não importa com quanto amor e fé se apegue alguém à crença de que o sol gira em torno de nosso planeta (ou que este tem forma plana), sua crença deve ser criticada e falseada, de forma que o conhecimento humano siga progredindo; da mesma forma, se alguém acha que homo/bi/transsexuais devem ser reprimidos, agredidos e talvez mortos, justificando tais opiniões com ideias religiosas, estas devem ser criticadas, uma vez que não são o princípio ideal de referência para a vida coletiva.

 O projeto de criminalização da ''cristofobia'' pode dar margens ao total cerceamento da liberdade de crítica do sistema teológico do cristianismo, assim como a seus postulados morais (o que se estende para as doutrinas das mais diversas igrejas cristãs); é, em suma, um perigoso ataque à liberdade de pensamento da qual o iluminismo, findada uma era de trevas, foi símbolo. É o caminho para a teocracia.

 É claro que, entretanto, como pesquisador marxista, eu não posso deixar de tentar compreender a influência das forças materiais da sociedade no fenômeno do fundamentalismo religioso e da teocracia. Quem são os grandes nomes do fundamentalismo religioso no poder político? Gente como Magno Malta, João Campos e Eduardo Cunha. O primeiro é membro de um partido-fantoche de direita, o segundo é membro do maior partido burguês do país -- conhecido por seu entreguismo privatista e por sua práxis econômica neoliberal -- e ficou famoso por um projeto que tentava dar poderes de competência do Poder Legislativo a Igrejas, e o terceiro é uma raposa velha de nome imundo na justiça, envolvido em corrupção com as empreiteiras, campeão das grandes mídias nacionais, defensor do lobby dos planos de saúde e que pôs em urgência o voto do projeto de criminalização da cristofobia. Lembremos ainda da união da ''bancada religiosa'' com as bancadas ''da bala'' e ''do boi'', duas expressões do grande capital no Brasil.

 Mas por que há essa ligação? Por que o grande capital apoia e encontra apoio no fundamentalismo e no obscurantismo religiosos? A razão é relativamente simples de entender: ideologia. A religião, com seu forte apoio emocional, é capaz de legitimar e proteger as instituições que garantem a manutenção dos privilégios do grande capital, como a propriedade privada. É fácil de imaginar um cristão sentindo aversão a comunistas como o que vos escreve quando lhe é ensinado, por toda a vida, que foi criado por um deus onipotente que ama sua criação e que, entretanto, há um grupo de ''hereges materialistas'' que não creem nele e, ao mesmo tempo, defendem o fim de certas instituições -- que por acaso são as mesmas que garantem os privilégios de certa classe dominante. E mais: não iria ele internalizar que essa divindade é a fonte de toda a moral e a justiça e, portanto, generalizar os ''infiéis'' e ''desobedientes dos desígnios de Deus'' num único grupo, a ser combatido? Não é exatamente isso que os conservadores estão fazendo ao conclamar uma batalha contra ''comunistas-gayzistas-feminazis que querem destruir os valores da família tradicional brasileira''?

 Como disse Eric Hobsbawm em Era dos Extremos (São Paulo: Cia. das Letras, 1995),

 [...] com menos frequência observou-se a considerável ajuda dada após a guerra por pessoas de dentro da Igreja, às vezes em posições importantes, a fugitivos nazistas ou fascistas de vários tipos, inclusive muitos acusados de horripilantes crimes de guerra. O que ligava a Igreja não só a reacionários anacrônicos mas aos fascistas era um ódio comum pelo Iluminismo do século XVIII, pela Revolução Francesa e por tudo o que na sua opinião dela derivava: democracia, liberalismo e, claro, mais marcadamente, o ''comunismo ateu''. 

 Acrescente-se o que falou Paul A. Baran, em sua Economia Política do Desenvolvimento (São Paulo: Nova Cultural, 1986):

 As classes dominantes dos países subdesenvolvidos não poupam energia para aumentar o domínio das superstições religiosas sobre os espíritos das famintas populações desses países. Que importa a tais classes ou aos imperialistas que essas superstições representem grande obstáculo ao progresso? Que importa a eles ou a seus cúmplices ocidentais que o custo da conservação do obscurantismo religioso seja a fome crescente e a multiplicação da morte? (...) A incapacidade do capitalismo de servir como uma estrutura para o progresso econômico e social obriga seus apologistas e políticos a confiar a estabilidade do sistema mais no circo que no pão, mas na arenga ideológica que na razão. 

 A juventude e os trabalhadores como um todo devem compreender que a ascensão do fundamentalismo e do autoritarismo religiosos caminham juntamente com a busca pela busca da manutenção do status quo, da dependência e da sujeição de nosso povo frente às elites locais e estrangeiras, e que o caminho para o progresso e o bem-estar social está na ruptura com o atual modo de produção e na utilização da ética e da racionalidade (não exatamente distintas, como já falei) como referência para nossas atitudes individuais e coletivas, assim como para a legislação. Creio fortemente que nosso povo não é ignorante ao ponto de sentir-se seduzido pelos discursos desses pretensos ''mensageiros de Deus'' (e concretos mensageiros da burguesia), mas, diante dos tristes acontecimentos recentes (e de um medo muito distante, mas ainda sim existente, de que os LGBTs possam repetir por aqui o papel que desempenharam os judeus no desenrolar do nazismo), penso que seja importante reforçar nosso combate pelos ideais da emancipação humana.

 Não às hordas obscuras fascistas! Viva à luz, à razão e à liberdade!



 [1] Sobre a relação do nazismo com a Igreja Católica, ver esse vídeo e esse link; sobre a natureza de classe do nazifascismo, ver esse vídeo.

terça-feira, 9 de junho de 2015

Concepções erradas acerca do neoliberalismo

por Prabhat Patnaik






 O neoliberalismo muitas vezes é encarado apenas como uma política económica. Isto por si pode não importar, uma vez que um conjunto específico de medidas económicas cai, sem dúvida, sob a categoria de neoliberalismo. Mas ao reduzir o neoliberalismo apenas a um conjunto de medidas económicas por vezes é transmitida a impressão enganosa de que tais medidas são uma questão de escolha por parte da formação política burguesa dominante, isto é, que um conjunto "não neoliberal" de medidas também poderia ser seguido, mesmo nas condições do capitalismo contemporâneo, bastando apenas que a formação política burguesa instalada no governo assim o decidisse.

 Reduzir o neoliberalismo a uma mera política económica abre caminho para esta concepção errada. Na verdade, o neoliberalismo é de facto uma mera descrição (e bastante má) de todo um conjunto de medidas que estão necessariamente associadas à hegemonia da finança globalizada. Estas medidas não são uma matéria de escolha por parte de alguma formação política burguesa particular; elas teriam de ser adoptadas na época contemporânea por qualquer formação política burguesa, isto é, desde que o país permaneça dentro da órbita capitalista, de onde se segue que qualquer formação política que pretenda seriamente anular estas medidas teria necessariamente de estar preparada para transcender o capitalismo. Ela pode ter de fazer isso, sem dúvida através de toda espécie de complexos passos tácticos, mas não pode tranquilizar-se fazendo vista grossa para a necessidade de assim fazer. Este ponto adquire particular significância no contexto da Grécia de hoje e de outros países europeus que no futuro possam vir a ter governos de esquerda anti-"austeritários".

 O ponto a destacar aqui é análogo àquele que Lenine apontou contra Karl Kautsky na questão do imperialismo. Ele acusou Kautsky de pensar acerca do imperialismo como uma política e dessa forma sugerir que uma política não imperialista também seria possível naquele tempo, ou na base do próprio capitalismo monopolista ou através de uma regressão do monopolismo outra vez à "livre competição", da qual havia emergido. Mas tais possibilidades, argumentou ele, eram absolutamente irreais e representavam uma absoluta lavagem cerebral, ou uma fantasia "pequeno-burguesa".
Para sublinhar que não se pode destacar o imperialismo do capitalismo monopolista desta maneira, que não se tratava de uma "política" que pudesse ou não ser adoptada conforme a vontade do governo dominante sob o capitalismo monopolista, ele definiu o imperialismo como a fase monopolista do capitalismo. A réplica de Kautsky a isto, nomeadamente de que se alguém definiu imperialismo como capitalismo monopolista, então esse alguém não provou a "necessidade" do imperialismo para o capitalismo mas simplesmente avançou-a como definição, também emergia naturalmente da sua posição. Eles apenas exprimiu a sua percepção de que a necessidade do imperialismo era um assunto independente o qual tinha de ser tratado separadamente, de onde se seguia como uma possibilidade manter o capitalismo monopolista mas abolir esta necessidade, isto é, que uma política não imperialista seria possível naquele tempo mesmo sem transcender o capitalismo.

 De modo exactamente análogo, o neoliberalismo não é uma coisa separada e destacável do capitalismo contemporâneo. Ele é o capitalismo contemporâneo, uma manifestação deste capitalismo contemporâneo, caracterizado pela hegemonia do globalizado, isto é, do capital financeiro, internacional.

 Frequentemente encontramos uma imagem espelhada deste argumento da "separabilidade" quanto à "globalização", a qual predomina em círculos de esquerda, especialmente na Europa. Este argumento sustenta que a "globalização" que hoje se verifica é uma coisa "boa", muito embora o capitalismo contemporâneo seja "mau", de modo que deveríamos de algum modo reter esta "globalização" mesmo enquanto tentamos transcender o capitalismo contemporâneo. O que faz esta argumentação é destacar a "globalização" contemporânea do capitalismo contemporâneo e sugerir que deveríamos reter uma mas não o outro. Mas a "globalização" que se está hoje a verificar não é menos manifestação do capitalismo contemporâneo do que as medidas económicas abrangidas pelo termo neoliberalismo. Assim como não podemos nos livrar do neoliberalismo e ao mesmo tempo reter o capitalismo contemporâneo, da mesma forma não podemos nos livrar do capitalismo contemporâneo e ao mesmo tempo reter a globalização contemporânea. Eles em conjunto constituem uma unidade integral que tem de ser transcendida. Através de que passos tácticos particulares se faz isto é uma questão separada, mas imaginar que um componente disto pode ser retido enquanto o outro é descartado é ignorar esta unidade. Isto equivale a lavagem cerebral.

CAPITALISMO DESENFREADO

 A questão que se levanta é: quais são os traços característicos desta unidade que constitui o capitalismo contemporâneo? Obviamente aqui só se pode aflorar alguns deles, mas todos eles decorrem do facto de que o capitalismo de hoje é um "capitalismo desenfreado". A restrição que o capitalismo enfrentava quando estava empenhado numa luta contra a aristocracia (a qual havia entre outras coisas forçado a aprovação de legislações fabris na Inglaterra); a restrição que o capitalismo enfrentava quando estava empenhado numa luta contra a ascensão do proletariado, quando o encarava como se o socialismo estivesse prestes a conquistar o mundo; e a restrição que o capitalismo enfrentava quando estava organizado em linhas "nacionais", quando o capital financeiro "nacional" tentava impor-se sobre o Estado-nação contra a resistência dos trabalhadores, especialmente no período pós segunda guerra quando esta resistência forçou a instituição da democracia eleitoral nos países capitalistas avançados: esta conjuntura de restrições parece por agora tem sido suspensa. O desafio socialista diminuiu por enquanto; e a "globalização" do capital forçou Estados-nação, mesmo aqueles cujos governos obtêm apoio da classe trabalhadora, a aceder às exigências deste capital. As características do capitalismo contemporâneo portanto decorrem de certo modo desta conjuntura de "capital desenfreado". O que são estas características que são imanentes ao capitalismo, mas estão agora a serem exprimidas com uma "liberdade" sem precedentes?

 Uma é o propagar da mercantilização (commoditisation) numa escala até agora nunca vista. De particular relevância aqui é a mercantilização de sectores como educação e saúde. No país capitalista mais velho do mundo, a Inglaterra, mais de dois séculos decorreram desde a revolução industrial, antes de a esfera da educação superior ficar aberta à obtenção de lucro privado. A mercantilização da educação superior tem duas implicações. Uma é que aqueles que são os produtos desta também são meras mercadorias com pouca sensibilidade social e o que é verdade para os países capitalistas avançados verifica-se com muito maior força nos chamados países capitalistas "emergentes". A destruição da sensibilidade social entre os produtos da educação superior é executada aqui com muito maior extensão. O outro é uma tentativa de mercantilizar seja o que for que reste da resistência intelectual ao capitalismo e portanto enfraquecê-la.

 A segunda característica é uma destruição implacável da pequena produção. Historicamente o capitalismo subjugou a pequena produção (ou, mais geralmente, a produção pré capitalista) para os seus próprios objectivos através do colonialismo, sem necessariamente suplantá-la (excepto nas regiões temperadas de colonização branca onde a terra dos "nativos" foi tomada pelos imigrantes das metrópoles); mas contra tal subjugação também houve resistência maciça dos pequenos produtores. Na nossa própria história, a cadeia de revoltas, desde a revolta do Indigo ao levantamento de 1857, culminando num apoio do campesinato em grande escala à luta de libertação anti-colonial, são exemplos óbvios de tal resistência. A descolonização trouxe restrição a esta subjugação, mas o capitalismo contemporâneo, negando os regimes económicos dirigistas pós coloniais e integrando as oligarquias corporativo-financeiras das nações ex-coloniais no corpus do capital financeiro internacional, não só ressuscitou este processo implacável de subjugação de pequenos produtores como está agora a embarcar num processo maciço de expropriação (dispossession) de tais produtores, de "acumulação primitiva de capital" nua, da qual a "Lei de tomada da terra" ("Land Grab Bill") actualmente no parlamento indiano é um exemplo óbvio. O fenómeno de 200 mil camponeses cometerem suicídio após a assimilação da Índia dentro do mundo hegemonizado pelo capital financeiro internacional revela a severidade deste processo.

 O terceiro é um enorme aumento da desigualdade económica , não só em riqueza mas também em rendimentos e não só globalmente, entre os trabalhadores do mundo e as oligarquias corporativo-financeiras mundiais, mas também dentro de cada país, entre estes dois pólos dentro de cada país. Este problema tornou-se tão significativo que o livro de Thomas Piketty se tornou um best-seller instantâneo. E mesmo a cimeira económica de Davos dos líderes mundiais do capital listou-a como uma das três principais questões que confrontam a "espécie humana". A razão para este aumento da desigualdade é que enquanto o exército de reserva mundial do trabalho permanece grande e em toda plenitude, suas consequências destrutivas, de não permitir que as taxas de salário reais aumentem, agora não estão confinadas apenas aos países do terceiro mundo onde existem grandes reservas de trabalho. Elas estendem-se aos países capitalistas avançados cujos trabalhadores também têm de evitar reivindicações de aumentos salariais, temendo que o capital, agora "globalizado", se mude para países do terceiro mundo com salários mais baixos. Portanto, com salários reais por toda a parte a não aumentarem, todos os aumentos na produtividade do trabalho aumentam a fatia do excedente no produto e em consequência a desigualdade do rendimento. Isto ocorre globalmente bem como dentro de cada país.

CRESCIMENTO DA FOME MUNDIAL

 Um aspecto deste fenómeno é o crescimento da fome mundial. Sugerimos acima que salários reais permanecem ligados a algum nível de subsistência em países do terceiro mundo. Mas mesmo isto não acontece. A privatização da educação, saúde e outros serviços essenciais aumenta os seus custos enormemente, o que corrói o poder de compra dos trabalhadores e realmente reduz sua despesa real per capita com alimentos. Quando acrescentamos a isto, que basicamente afecta os trabalhadores empregados ou "exército do trabalho na activa", o facto de que a expropriação de pequenos produtores também incha o exército de reserva, a escala de aumento na magnitude da fome mundial torna-se entendível.

 A quarta característica está ligada a este aumento na desigualdade. Um tal aumento produz ao nível mundial uma tendência rumo à super-produção (uma vez que uma mudança de distribuição do rendimento dos trabalhadores para os grandes capitalistas tem como efeito deprimir a procura). Numa situação em que os Estados-nação que confrontam o capital internacional têm pouca opção a não ser obedecer ao seu diktat, o capital utiliza este facto para extorquir novas concessões do Estado com o fundamento de que tais concessões, ao melhorarem o estado de confiança dos "investidores", superariam a crise de super-produção. Em suma, foi construída na conjuntura contemporânea uma dialéctica de crescente desigualdade de rendimento, persistindo ou mesmo acentuando a crise económica e o crescente poder de classe do capital – que realmente agrava tanto a desigualdade como a crise mas que paradoxalmente é defendida como um caminho de saída da crise.

 A quinta característica decorre da anterior. As instituições democráticas tais como existem em países capitalistas resultaram de lutas dos trabalhadores. Uma vez que esta "restrição" da militância de trabalhadores foi levantada, a tendência natural do capitalismo seria afundar tais instituições (também, inter alia, mercantilizando-as). Entretanto, além da persistente dialéctica mencionada acima, de desigualdade crescente, crises persistentes e aumento do poder de classe do capital, a qual é justificada em nome da superação da crise que no entanto persiste, aumenta o temor do capitalismo, e a sua hostilidade, a instituições democráticas. Desde financiar grupos fascistas, dividir o povo de acordo com linhas étnicas e religiosas, o flagrante recurso à mentira (como no caso da guerra do Iraque), à supressão absoluta de instituições democráticas, todo um conjunto de métodos é empregue para assegurar que tais instituições sejam adequadamente enfraquecidas. Ao mesmo tempo, a tentativa de manter o povo dividido cria uma situação de desintegração social. O recurso ao autoritarismo político e a desintegração social tornam-se então a marca inconfundível do capitalismo contemporâneo.

O artigo se encontra em http://resistir.info/patnaik/neoliberalismo_17mai15.html

segunda-feira, 8 de junho de 2015

Rumo ao ''crash''?


Michael Roberts comenta sobre a especulação em torno dos últimos números de crescimento da China (artigo originalmente publicado aqui); tradução realizada pela página Café Socialista.



O crescimento reduz a marcha


 Há cerca de um mês, o Banco do Povo da China anunciou um corte em sua taxa de juros de referência, para algo ligeiramente acima de 5% ao ano. Esta foi a terceira redução da taxa desde novembro de 2014. O governo está claramente preocupado com a possibilidade de que a economia chinesa esteja reduzindo sua taxa de crescimento de tal forma que isso esteja a ameaçar a sua capacidade de prover emprego e rendimento suficientes para as multidões que seguem a fluir para as movimentadas cidades do país. Um falhanço na produção de crescimento e empregos poderia pôr em risco a condução que a elite chinesa impõe ao país.

 A economia chinesa cresce atualmente ao ritmo mais baixo desde o fim da crise financeira global e da Grande Recessão de 2009. Segundo os números oficiais, o crescimento no primeiro trimestre se reduziu para 7% ao ano sobre os doze últimos meses, contra 7,3% no trimestre anterior; e a maioria das estimativas não-oficiais apontam para um crescimento ainda menor. Além disso, tomava-se como dado que o produto chinês deveria crescer 8% ao ano, de forma a absorver a expansão e a migração da força de trabalho das zonas rurais para as cidades e fábricas. Afinal, por trás da impressionante ascensão econômica da está a maior migração humana da História. Até 2013, algo em torno de 269 milhões de habitantes das zonas rurais já haviam emigrado para as cidades, oferecendo mão-de-obra a custo reduzido e sustentando o crescimento urbano.

 A baixa no ritmo de crescimento é particularmente visível nos setores industriais. O valor adicionado na indústria, que é uma medida da produção manufatureira, atingiu os níveis da crise financeira [de 2009]. A produção industrial cresceu 5,6% em março, ante o mesmo mês do ano anterior - muito abaixo das expectativas dos economistas, de 6,9%. E o consumo também abrandou. As vendas a retalho cresceram 10,2% em março. Parece muito comparado com os padrões das principais economias capitalistas, mas é uma taxa menor do que a registrada durante a crise financeira.

 Acima de tudo, o principal indutor do crescimento - o investimento em ativo fixo, que é a medida dos recursos invertidos em grandes fábricas e projetos - cresceu 13,5% nos doze meses encerrados em março, depois de passar por um pico de 30% em 2009, muito embora a taxa atual ainda seja superior à registrada a princípios da década passada.

 Esta desaceleração é em parte o resultado de uma recuperação letárgica da economia mundial na Europa, no Japão e nos Estados Unidos - os destinos principais das exportações chinesas. Mas também é o resultado de uma política governamental deliberada de enfrentamento de uma imensa bolha imobiliária que se formou desde 2009. Esta bolha foi causada pelas baixas taxas de juros locais, pela imensa poupança acumulada pelos chineses ricos e pelo arrendamento e venda de terras, pelos governos locais, para a construção de habitações e cidades para a população urbana que brota por toda parte.

 Os bancos chineses, em busca de lucros, e administradores públicos corruptos, deram curso à uma imensa bolha imobiliária. O resultado foi uma elevação da dívida, tanto pública, oculta nos livros contábeis pelos governos locais, quanto privada, entre os incorporadores. A dívida, no momento, alcança 282% do PIB, segundo a McKinsey - uma taxa mais alta que a observada nos EUA. (1)

 Com o desmanche da bolha imobiliária, os chineses mais ricos se voltaram para a especulação no mercado bursátil. A Bolsa chinesa disparou. Mas isso já havia ocorrido antes. Entre 2005 e 2007, subiu 800%, para colapsar durante o "crash" financeiro global. Agora, subiu "apenas" 200% - pode, portanto, subir ainda mais.

 As bolhas chinesas - imobiliária e de ações - mostram que a grande expansão da indústria e do investimento ao longo dos últimos dez anos não foi repartida com equanimidade. Durante todo o período, a desigualdade de rendimento e riqueza subiu mais que em qualquer outra economia de porte, e a China apresenta um coeficiente de Gini superior a 0,40 - tão alto quanto o estadunidense e maior que o da maioria dos grandes países capitalistas.

 Há ampla evasão de impostos e fortunas são amealhadas em contas secretas pelos chineses super-ricos - mais uma vez revelada em relatórios vazados sobre os "pequenos príncipes chineses" (princelings), entre outros. Mais de uma dúzia de familiares dos mais altos líderes políticos e militares da China estão a fazer uso de empresas "offshore" localizadas nas Ilhas Virgens Britânicas, conforme revelam documentos oficiais divulgados. O cunhado do atual presidente chinês, Xi Jinping, e o afilhado do ex-primeiro-ministro Wen Jiabao estão entre os apadrinhados políticos que se servem desses paraísos fiscais. (2)

 Na verdade, enquanto o mundo se espanta com a subida de preço das ações chinesas, o dinheiro está a fugir silenciosamente do país no maior ritmo em pelo menos uma década Louis Kuijs, economista-chefe para a China do Royal Bank of Scotland, estima que a China perdeu US$300 mil milhões com as saídas financeiras ocorridas nos últimos seis meses encerrados em março passado. A Deltec International, uma empresa de investimentos das Bahamas, diz que as somas são ainda maiores. Isto expressa o temor que a elite chinesa tem da campanha anticorrupção posta em marcha pela liderança do Partido Comunista, bem como o medo dos investidores estrangeiros de que a bolha creditícia venha a estourar e a China faça uma "aterragem forçada" semelhante ao observado em 2008 no "capitalismo ocidental".

 Com US$ 3,73 milhões de milhões em reservas, não há risco da China ficar sem dinheiro. Mas a economia "mainstream" está confusa sobre os rumos da economia chinesa. Alguns media e economistas creem que a China está a caminhar para uma grande crise ou queda devido ao "superinvestimento" ("overinvestment"), uma reversão da bolha imobiliária impulsionada pelo crédito e uma espiral de créditos podres ocultos no sistema bancário. Por outro lado, alguns economistas acreditam que as autoridades chinesas serão capazes de engendrar uma "aterragem suave" por meio da facilitação do crédito e o financiamento da retirada das dividas do caixa nos balanços ("writing-off"), acumuladas ao longo dos anos.


Capitalismo?


 Por trás do debate sobre o futuro imediato há um outro: poderá a China continuar a crescer rapidamente através do investimento industrial, em infraestrutura e mais exportações, ou terá de migrar para uma economia de consumo, a importar mais e a fornecer produtos para uma "classe média ascendente", como as economias avançadas capitalistas supostamente o fazem? Os economistas do "mainstream" acham que isso não pode ser feito sem o desenvolvimento de uma economia "baseada no mercado", isto é, capitalismo - pois a "complexidade" duma sociedade de consumo somente pode funcionar sob o capitalismo e não sob a "mão-pesada" do planejamento econômico centralizado e com industrias estatais.

 Em minha opinião isto é uma incompreensão da natureza das tendências econômicas da China. Se examinamos as decisões do Terceiro Pleno do Partido Comunista Chinês, explicam-se melhor as coisas. (3) O Pleno emitiu uma resolução detalhada sobre o que a elite pretende fazer com o país nos próximos cinco a dez anos.(4) E esta não se comprometeu com nada parecido ao "capitalismo de livre mercado". Na melhor das hipóteses, acordaram-se alguns passos limitados voltados ao desenvolvimento das forças do mercado no sistema bancário (mais competição entre os bancos estatais) e na agricultura (algumas transações comerciais de propriedades); uma conversa vaga sobre "liberalização" de controles monetários e de capital mais à frente; algumas zonas econômicas especiais para o desenvolvimento de negócios das empresas estrangeiras; e permissão para companhias estrangeiras operar em alguns setores de serviços. E, é claro, haverá um relaxamento muito limitado da terrível política do filho único para as famílias e dos controles de movimentação das áreas rurais para as cidades (hukou), permitindo-se uma maior mobilidade rumo a cidades de menor porte.

 É tudo. Duas coisas chamaram a atenção por terem deixado de acontecer. Não houve qualquer mudança na filosofia geral do "socialismo com características chinesas" e, em consequência, na manutenção da hegemonia do setor estatal. Os elementos pró-capitalistas da elite chinesa pressionaram pela implementação das propostas contidas no extenso relatório do Banco Mundial sobre a China.(5) A primeira e mais enfática recomendação de "reforma" foi a privatização de empresas estatais. O Terceiro Pleno não deu em absoluto qualquer passo nessa direção. A outra mensagem clara é a de que não haverá mais democracia, tal como a transferência do controle de sistemas legais e de decisões, mesmo que locais, para o povo. Ao contrário: a liderança está a estabelecer serviços de segurança ainda mais repressivos, para monitorar e controlar a população e isolar qualquer dissidência.

 Portanto, nada há realmente, nas metas e políticas acordadas pela elite chinesa, que venha a alterar a natureza do modelo econômico, social e político do país A maior parte da liderança seguirá com um modelo econômico que é dominado por companhias estatais, conduzidas, em todos os níveis gerenciais, por funcionários graduados comunistas. Os mercados não ditarão as regras, e a lei do valor não dominará os preços, os salários ou o comércio doméstico. É óbvio que a lei do valor opera na China, mas principalmente através do comércio exterior, dos fluxos de capital (investimentos) e monetários, porém mesmo isso ocorre sob limites estritos, com movimentos apenas graduais para a ampliação desses limites.

 Poderá a elite continuar essa política "nem carne nem peixe" sem provocar uma crise ou um tropeço que a forçará a seguir pela "estrada do capitalismo", como o Banco Mundial e os elementos pró-capitalistas desejam? Terá de enfrentar uma erupção vinda de baixo, à medida que a classe trabalhadora urbana em rápida expansão comece a flexionar seus músculos para fazer valer sua voz na condução da sociedade?

 Bem, eu creio que não, pelo menos por enquanto. O FMI aparentemente pensa que a tendência da taxa de crescimento do produto chinês declinará gradualmente a apenas 6,3% em 2019 Outros são mais pessimistas. O Conference Board dos EUA previu, esta semana, que a tendência de crescimento do país após 2020 será tão-somente de 4% ao ano. Porém, mesmo essas previsões reconhecem que o PIB chinês continuará a crescer à taxa de 7% ao ano, pelo menos pelos próximos cinco anos. A população economicamente ativa ainda é crescente, embora deva atingir o pico por volta de 2020. Ainda há centenas de milhões de camponeses e trabalhadores rurais que terão de ser incorporados à indústria; e a China cada vez mais trata de absorver tanta matéria-prima quanto necessário para sustentar sua expansão industrial.

 John Ross, da Universidade de Xangai, assinalou que o crescimento industrial da China continua a ser verdadeiramente espantoso:

"Nos dados do Banco Mundial, a produção industrial chinesa e 2007 era apenas 60% da registrada nos Estados Unidos. Em 2011, correspondia a 121%. Assim, em apenas seis anos a China partiu de um produto industrial correspondente a menos de dois terços do produto dos EUA, ultrapassando-o por uma margem substancial. Em seis anos, o produto industrial chinês praticamente dobrou, enquanto a produção industrial nos EUA, Europa e Japão sequer atingiu os níveis pré-crise." (6)

 O grande "milagre econômico" chinês ainda não se esgotou.

Notas

(1) The McKinsey Institute, ‘Debt and (not much) deleveraging’, February 2015.
(2) Estas são as últimas revelações feitas por ‘Offshore Secrets’, um esforço de reportagem de dois anos, conduzido pelo Consórcio Internacional de Jornalismo Investigativo (ICIJ, em inglês), que obteve mais de 200 gigabytes de dados financeiros vazados de duas empresas das Ilhas Virgens Britânicas e dividiu a informação com o jornal The Guardian e outros provedores internacionais de notícias. Os documentos também revelam o papel central de grandes bancos e empresas de auditoria ocidentais, incluindo PricewaterhouseCoopers, Credit Suisse e UBS no mundo das companhias offshore, atuando como intermediários no estabelecimento dessas empresas. Entre US$ 1 e US$4 milhões de milhões em ativos não rastreados deixaram a China desde 2000, segundo estimativas (http://www.icij.org/offshore/leaked-records-reveal-offshore-holdings-chinas-elite).
(3) http://wiki.china.org.cn/wiki/index.php/Third_Plenum.
(4) http://chinacopyrightandmedia.wordpress.com/2013/11/15/ccp-central-committee-resolution-concerning-some-major-issues-in-comprehensively-deepening-reform.
(5) World Bank China 2030: www.worldbank.org/en/news/2012/02/27/china-2030-executive-summary.
(6) http://ablog.typepad.com/keytrendsinglobalisation/2013/09/china-has-overtaken-the-us.htm.

O blog de Michael Roberts: https://thenextrecession.wordpress.com.

quinta-feira, 4 de junho de 2015

A queda da URSS e o mito do colapso econômico

O artigo baixo é a versão traduzida deste artigo, que, por sua vez, é o resumo de um artigo (citado ao fim do texto) de David Kotz e Fred Wair.


 Mais e mais intelectuais, especialistas em suas áreas, estão repensando visões generalizadas sobre a União Soviética. Um dos mitos mais difundidos é o do colapso econômico, e é também dos que mais vem sendo contestado. De acordo com este mito, a queda da URSS teria sido devido principalmente a uma crise econômica brutal (pela ineficiência do sistema). Mas na Rússia, como em outros lugares, muitos pensam que a queda da URSS não teve muito a ver com uma suposta crise econômica, mas que foi um processo iniciado pelas elites da própria URSS, e a crise econômica não seria a causa da reforma, mas sua consequência, embora tenha sido usado como uma desculpa. Esta é uma crença bastante difundida na Rússia (ver por exemplo, os estudos de Kara-Murza e outros, alguns deles até mesmo traduzidos em espanhol), mas também compartilhada por outros. Aqui, por exemplo, eu apresento um resumo de um artigo de David Kotz e Fred Wair, publicado na revista húngara à esquerda"Eszmélet" ("Consciência"). O artigo é um resumo de seu livro "Revolução de cima: o desaparecimento do sistema soviético" (você pode ler parcialmente online aqui, em Inglês, eu não tenha feito ainda). Em relação ao artigo, eu não concordo com tudo o que os dois autores discutiram, mas no geral acho que é uma análise muito interessante.


Vista do Kremlim, em Moscou.

 Os autores partem da ideia, que tentam demonstrar no texto, que, embora a URSS tivesse graves problemas econômicos, não havia nenhuma indicação de que houvesse qualquer perigo de colapso econômico, e este não ocorreu até que a elite do país destruiu o sistema econômico existente.

 Foi a estrutura não-democrática do país que causou o desastre, e não a economia planificada.

 Eles começam falando da planificação soviética e de sua história:

 Desde 1917 os bolcheviques testaram várias estratégias quanto à estrutura econômica do país;apenas na década de 1920 é que surgiu o chamado sistema soviético. Se caracterizava pelo fato de que todas as empresas agrícolas eram de propriedade pública e eram dirigidas, em última instância, por uma instituição central de Moscou.


Usina hidrelétrica de Dniépr (construída entre 1927 e 1932). A foto é de 1947.

Apesar disso, a economia soviética teve um forte crescimento e um desenvolvimento rápido. Muitos pensam que este rápido crescimento foi alcançado pelas medidas de repressão contra certos setores da sociedade, bem como pelas condições de vida difíceis. Mas os autores dizem, muito pelo contrário, que o regime stalinista desacelerou o crescimento econômico, que poderia ter sido muito maior do que realmente era.

Entre 1928 e 75 a economia soviética cresceu a uma taxa de 5,1% ao ano. Entre 1950 e 75, quando a economia já havia se industrializado,  o crescimento econômico soviético permaneceu elevado, ainda mais do que os EUA.

 O sistema soviético teve muitas vantagens sobre o capitalismo: o pleno emprego, a possibilidade de utilizar os lucros das empresas maciçamente no desenvolvimento da educação e da formação e o fato de não ser afetado pelas crises periódicas do capitalismo.

 Nem tudo pode ser medido pelo PIB ou crescimento econômico, mas, em 1975, o país atrasado que havia sido a URSS havia se tornado uma potência econômica que de muitas maneiras competia com os EUA, e estes chegavam a estar em desvantagem numérica em alguns casos (veja o exemplo da corrida espacial).

Quebra-gelo atômico "Lenin", o primeiro navio de superfície no mundo alimentado por energia nuclear (1959-1989).

 Se, em 1960, metade de todas as famílias soviéticas tinham rádio, 10% televisão e 1 em cada 25 freezer, em 1985 todas as famílias tinham esses aparelhos. Em 1980, a URSS tinha mais médicos e leitos hospitalares do que os EUA. Na década de 70 o desenvolvimento científico, tecnológico e econômico da URSS foi seguido com alarme pelas potências ocidentais. Muitos pensaram que o futuro pertencia ao regime soviético, com suas grandes conquistas, apesar de seus traços negativos.

 No entanto, desde 1975, a economia soviética interrompeu o rápido desenvolvimento que teve até então. E o progresso tecnológico também parara. Pela primeira vez em décadas a economia americana crescia mais rápido que a soviética. Além disso, a corrida armamentista, reforçada pela administração Reagan, afeta-a seriamente.

 Em 1985 Gorbachev chega ao poder, e a elite dirigente da URSS reconhece que reformas são necessárias. Mas suas reformas não trouxeram uma melhoria da situação, e a produção seguiu sem decolar. Entre 1985 e 1989, o crescimento econômico soviético médio foi de 2,2%, em vez dos 1,8% entre 1975 e 1985. Mas, desde 1975, nunca houve um crescimento negativo, enquanto que nos EUA ocorreu ao longo de três anos.

Até o fim dos anos 80, a escassez de mercadorias se acentua. Para analistas ocidentais isso significavam os primeiros sinais de colapso, mas a explicação era outra; a razão era que a renda das famílias aumento muito mais do que a produção de artigos de consumo. As culpadas disto eram as reformas econômicas, que haviam descentralizado a produção e deixado de regular a renda.

 Assim, se a meados dos anos 80 a renda familiar cresceu 3-4% ao ano, em 1988 saltou a 9,1% e em 1989 a 12,8%. No entanto, os preços, que ainda não tinham sido estabelecidos pelas instituições centrais, não mudaram quase nada. Então as pessoas viram-se com um monte de dinheiro nas mãos, dos quais queriam se livrar o mais rápido possível. Em seguida, viu-se as lojas ficarem completamente vazias. O consumo, na realidade, continuava a crescer.

 É verdade que a economia soviética não conseguiu um crescimento notável nos anos 80, mas a imagem do colapso econômico é falsa.

 Porém a coisa muda entre 1990 e 1991. Gorbachev está perdendo poder para Yeltsin. Em maio de 1990 Yeltsin ganhou poder na Federação Russa, e tentou concentrá-lo todo em suas mãos, tirando-o das autoridades soviéticas. Assim, as instituições de planificação econômica encontraram-se sem qualquer poder real, e a economia soviética, que era um todo homogênea, começou a desabar lentamente. É importante destacar: a crise não veio da incapacidade da economia planificada, mas do seu desmonte, que levou a uma ausência de meios de coordenação eficazes.

O operário e a camponesa (1937), de Vera Mukhina, na era soviética.


 A elite escolhe o capitalismo


 Como é possível que o regime soviético tenha caído sem oposição aparente?

 Gorbachev e seu círculo pensavam que o principal defeito do regime soviético era a falta de democracia; por isso, desenvolveram a Perestroika (reestruturação). Formam-se 3 grandes grupos de opinião: os partidários da reforma, os partidários da manutenção do sistema como estava e os que rejeitavam o comunismo (''ultrapestroikistas''). Os anticomunistas, liderados por Yeltsin, se impôs a todos, porque conseguiu o apoio das elites do país.

 Os estudos de Alec Nove, Farmer e Matthews e outros mostram que após a Segunda Guerra Mundial a elite soviética era uma casta ambiciosa e sem princípios definidos; só se importava com poder e ganhos pessoais. Em 1991, muitos membros desta elite reconheciam abertamente que não eram comunistas, embora estivessem no Partido Comunista. Esta raça de oportunistas avaliou as suas opções com a chegada das reformas de Gorbachev: não lhes beneficiava o socialismo democrático de Gorbachev e muitos poucos membros dessa elite apoiavam o retorno ao sistema anterior. Ainda que esse sistema tivesse-lhes dado poder, era limitado, uma vez que não possuíam a propriedade privada e, portanto, o acúmulo de bens. Quando, em 1991, há uma tentativa de golpe contra as reformas, a mesma falha porque a elite se posiciona a favor de Yeltsin. Esta elite estava ansiosa para obter a posição de que gozaria no ocidente. E compreendeu que sua posição no país como novos capitalistas oferecer-lhes-iam muitas vantagens.

 Assim aconteceu, por exemplo, com Viktor Chernomirdin, primeiro ministro do governo russo entre 1992 e 1998, que tinha sido ministro de produção e tratamento de gás durante a era soviética. Hoje é um dos homens mais ricos do mundo e maior acionista da GAZPROM. Segundo uma análise, entre os 100 mais destacados homens de negócios da Rússia, 62 eram membros da elite comunista e 38 vêm do mercado negro e do mundo do crime.

 Um estudo de junho de 1991 da cientista política norte-americana Judith Kullberg mostra que 77% da classe alta soviética era partidária do capitalismo, 12% do socialismo democrático e 10% do comunismo ou nacionalismo.

 De acordo com um estudo realizado em 1991 por uma fundação americana na Rússia europeia, 10% da população queria voltar para o sistema anterior às reformas, 36% eram a favor do socialismo democrático, 23% do modelo social-democrata sueco e apenas 17% queriam um sistema similar ao capitalismo americano ou alemão. Ou seja, 69% queriam alguma forma de socialismo.

 Outros estudos e pesquisas mostram taxas ainda mais baixas de apoio ao capitalismo ocidental.

 Os reformistas dominavam as estruturas do poder soviético, mas os partidários do capitalismo dominavam as russas, por isso seu principal objetivo era destruir de alguma maneira a URSS. O referendo de março de 1991, entretanto, mostrara que a maioria da população era contra algo do tipo.



 No artigo também se mencionam dados interessantes sobre a economia da URSS:

 Crescimento econômico entre 1928 e 1985:

1928-40: URSS- 5,8% EUA- 1,7%
1940-50: URSS- 2,2% EUA- 4,5%
1950-70: URSS- 4,8% EUA- 2,9%
1975-85: URSS- 1,8% EUA- 2,9%

 Fonte: The Real National Income of Soviet Russia since 1928, Abraham Bergson, 1961; Measures of Soviet National Product in 1982 Prices, Joint Economic Committee, U.S. Congress.

 Crescimento da economia soviética entre 1986-1991:

1986: 4,1%
1987: 1,3%
1988: 2,1%
1989: 1,5%
1990: -2,4%
1991: -12,8%

 Fontes: Measures of Soviet National Product in 1982 Prices, Joint Economic Committee, U.S. Congress.

Lada ''Niva'', o famoso quadriciclo desenvolvido na URSS nos anos 70.

Fonte do artigo:

Nota: O artigo foi escrito originalmente para o Fórum Comunista.