sábado, 29 de outubro de 2016

Macroeconomia, a falácia do pai de família e a PEC 241


O texto abaixo foi feito por Kaio Pimentel e Guilherme Haluska, ambos membros do grupo de economia política ''Excedente'', essencialmente composto por economistas da UFRJ. Creio que está em linguagem bastante acessível, e seu tema é da mais alta importância nestes dias. Espero que apreciem.



O discurso moralista diz que o Estado, assim como um pai de família, deveria sempre gastar menos do que ganha. Esse discurso acaba por sugerir ao cidadão, leigo em economia, que: 1) é possível a todos os agentes de um sistema econômico ganhar mais do que gastam, e 2) que o Estado apresenta algum tipo de restrição financeira, típica de um pai de família. Esse discurso é falacioso porque, 1) não é possível no agregado de um sistema econômico ganhar mais do que é gasto e 2) o Estado não quebra quando se endivida na moeda que ele mesmo emite, ou seja, na dívida pública denominada em sua própria moeda (reais, no caso brasileiro).

Infelizmente, esse discurso falacioso está ganhando adeptos entre as pessoas que tomam decisões importantes para o futuro do país. Esta retórica chegou a tal ponto que o governo pretende aprovar uma Proposta de Emenda à Constituição que congelaria o gasto público primário em termos reais pelos próximos 20 anos, permitindo apenas reajustes para recompor a inflação passada. O objetivo desta medida seria, segundo o discurso oficial, de promover um ajuste nas contas públicas.

Essa PEC tem recebido várias críticas, devido ao seu caráter perverso do ponto de vista social, pois impediria o governo de ampliar o conjunto de bens e serviços públicos ofertados à população. Nós endossamos essas críticas, e pretendemos ir um pouco além, mostrando que quando o Estado se comporta segundo esta lógica – como se fosse um pai de família – ele provoca efeitos nocivos sobre a economia.

Lição 1: Em um sistema econômico, o que se gasta é exatamente o que se ganha


Para simplificar ao máximo o argumento, vamos desconsiderar o setor externo, as transferências do governo, bem como supor que todo o gasto público consiste em consumo e que não há variações de estoques. Ressaltamos que o argumento é valido mesmo sem essas simplificações.

Temos então que o produto (PIB) (Y), pela ótica da renda, é igual à soma da massa salarial, deduzidos os impostos (W), da massa de lucros, também deduzidos os impostos (P), e do total de impostos arrecadados (T). Pela ótica da demanda, o produto é igual à soma do consumo das famílias (C), do investimento (I) e do consumo do governo (G) . Por definição, essas duas somas tem de ser iguais. Temos então:

Y = W + P + T = C + I + G

Produto = Renda = Demanda

O que o setor privado “ganha”, no caso, é a soma dos salários e lucros (W+P), e o que o governo “ganha” é o montante de impostos (T). O que o setor privado gasta, por sua vez, corresponde ao consumo mais o investimento (C+I), enquanto que o gasto do governo é o próprio G. Fazendo poucas passagens algébricas a partir da equação acima, chegamos à seguinte expressão para o superávit do setor privado:

(W + P) – (C + I) = G – T

Como (G – T) é o próprio déficit público, isso pode ser escrito, alternativamente:

Superávit do setor privado = déficit público

Isso significa que quando o orçamento do governo é superavitário, o setor privado ganha menos do que gasta, e quando o orçamento do governo é deficitário, o setor privado ganha mais do que gasta. Assim, para que seja possível que o setor privado (o conjunto de empresas e famílias em um sistema econômico) ganhe mais do que gasta, é necessário que o governo gaste mais do que ganha.

A possibilidade de ganhar mais do que se gasta só existe para o indivíduo na suposição de que a sua renda está dada e o indivíduo escolhe o quanto gasta. Entretanto, no agregado, a renda e o gasto são iguais. Sendo assim, num sistema econômico considerado como um todo, não é possível que todos os agentes ganhem mais do que gastam, simplesmente porque, no agregado, o que se ganha é exatamente igual ao que se gasta. Com isso, vemos que é impossível que o setor privado e o setor público sejam superavitários ao mesmo tempo.

Lição 2: Para o nível de emprego, o que importa é o nível de gasto público e não o déficit público


Para uma dada capacidade produtiva, o nível agregado de gastos destinado à compra dos bens e serviços correntemente produzidos (demanda), medido aos preços normais, determina os níveis de renda, produto e emprego. Este é, de maneira simples e direta, o chamado princípio da demanda efetiva desenvolvido de maneira independente por Keynes e Kalecki nos anos 1930 que estabelece a seguinte relação de causalidade: é o gasto que gera a renda. Esta formulação é válida desde que existam recursos ociosos na economia – isto é, capacidade produtiva ociosa e trabalhadores desempregados.

Por isso, sempre que houver recursos ociosos, o governo deveria elevar o seu nível de gastos induzindo o aumento da renda, do produto e do emprego. Quando o governo eleva sua demanda por bens e serviços, isso aumenta diretamente a demanda da economia e os empresários precisam produzir mais para atender essa demanda adicional do governo. Isso implica que mais trabalhadores sejam contratados, assim como aumenta a demanda dos próprios empresários por insumos diversos, gerando um crescimento da renda agregada maior que o crescimento dos gastos públicos. Um processo inverso ocorre quando o governo corta gasto: isso diminui diretamente a demanda da economia, fazendo com que os empresários precisem produzir menos para atender a demanda do governo que caiu. Isso implica que trabalhadores sejam demitidos, assim como diminui a demanda dos próprios empresários por insumos diversos, gerando uma queda da renda agregada maior que a provocada pelo corte inicial dos gastos públicos. No longo prazo, os empresários ajustam a sua capacidade produtiva para atender a demanda efetiva da economia, que é a demanda que proporciona lucro para eles.

Assim, no início de 2015, ao optar deliberadamente por cortar fortemente os gastos, o governo causou recessão e elevação do desemprego na economia brasileira. Esta recessão reduziu a arrecadação tributária, de forma que o corte de gastos não está provocando uma melhora das contas públicas, pois a arrecadação está caindo mais do que os gastos públicos.



Note que déficit ou superávit é apenas um resultado das contas públicas que não nos diz se o governo está agindo de modo a estimular ou contrair a economia. O que nos diz isso é o que está acontecendo com o nível de gastos do governo, que gera demanda para a economia, e não se ele tem déficit ou superávit.

O atual governo federal afirma que congelar o crescimento real da despesa primária é uma condição para que o país volte a crescer, afirmando que os empresários voltariam a investir, ampliando a capacidade produtiva da economia. Entretanto, não faz sentido algum que os empresários ampliem a capacidade produtiva (invistam) com a demanda pelos produtos deles caindo ou estagnada. Este discurso sem sentido está sendo repercutido e defendido pelos grandes meios de comunicação. Obviamente desde que o governo começou a cortar gastos, o nível de produto (PIB) caiu, o investimento dos empresários caiu mais ainda, e o desemprego subiu. Estes são os efeitos nocivos para a economia que acontecem quando o governo se comporta como um pai de família:



Congelar a despesa primária depois da forte redução dos gastos ocorridos desde 2015 provavelmente vai nos condenar a uma longa estagnação, que sequer garante que haverá uma melhora da arrecadação e das contas públicas. Se quiser melhorar os resultados fiscais, o governo pode recorrer a aumentos de impostos sobre os mais ricos, desfazer as desonerações para as empresas, ou simplesmente melhorar a estrutura tributária, ao invés de cortar e congelar gastos. Não o faz por uma opção política.

Procuramos nesta nota explicar os aspectos mais básicos de como o governo influencia os resultados econômicos. Ressaltamos porém que é preciso o governo enfrentar os reais desafios relacionados 1) ao perfil regressivo da estrutura tributária e das transferências realizadas pelo governo e 2) à estrutura produtiva para que o crescimento da economia brasileira não esbarre na restrição de balanço de pagamentos.


Este artigo foi publicado originalmente em Excedente


quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Marx e a economia política clássica

O texto abaixo corresponde a uma seção -- intitulada ''Ricardo e Marx'' -- do capítulo 2 de ''Tempo, trabalho e dominação social'' (São Paulo: Boitempo, 2014), de Moishe Postone. Espero que gostem da leitura!




 Em Political Economy and Capitalism, Maurice Dobb oferece uma definição da lei de valor semelhante à dada por [Paul Marlor] Sweezy: 

A lei de valor era um princípio de relações de troca entre mercadorias, inclusive a força de trabalho. Era simultaneamente um determinante do modo em que o trabalho era alocado entre diferentes indústrias na divisão social geral do trabalho e da distribuição de produtos entre as classes. [1]

 Ao interpretar valor como categoria de mercado, Dobb caracteriza o capitalismo essencialmente como um sistema de regulação social não consciente. A lei do valor, de acordo com Dobb, indica que “um sistema de produção e troca de mercadorias pode operar por si só, sem regulação coletiva nem propósito único” [2] . Ele descreve a operação desse modo “automático” de distribuição com referência às teorias da economia política clássica [3]: a lei de valor mostra que “essa disposição da força de trabalho social não era arbitrária, mas seguia uma lei determinada de custo em virtude da ‘mão invisível’ de forças competitivas de Adam Smith” [4]. A formulação de Dobb deixa explícito o que está implícito nas interpretações da lei do valor de Marx — o fato de essa lei ser basicamente semelhante à “mão invisível” de Adam Smith. A questão é, entretanto, se as duas podem realmente ser identificadas. Dito de forma mais geral: qual é a diferença entre a economia política clássica e a crítica de Marx da economia política? 

 Os economistas clássicos, de acordo com Dobb, “ao demonstrar as leis do laissez-faire ofereceram uma crítica das ordens anteriores da sociedade; mas não ofereceram uma crítica histórica do próprio capitalismo” [5]. Esta última tarefa foi a contribuição de Marx [6]. Tal como está, há pouco a objetar na declaração de Dobb. Entretanto, é necessário especificar o que Dobb quer dizer com a crítica social em geral e a crítica do capitalismo em particular.

 De acordo com Dobb, o elemento crítico fundamental da economia política era indicar que a regulação da sociedade pelo Estado, apesar de considerada essencial sob o mercantilismo, era desnecessária [7]. Ademais, ao mostrar que as relações que controlam o comportamento dos valores de troca são relações entre pessoas na condição de produtores, a economia tornou-se primariamente uma teoria da produção [8]. Ela implicava que uma classe consumidora, que não tinha nenhuma relação ativa com a produção de mercadorias, não desempenhava papel econômico positivo na sociedade [28/9]. Assim, os ricardianos, por exemplo, podiam usar a teoria para atacar os interesses vinculados à terra pois, na visão deles, os únicos fatores ativos na produção são o trabalho e o capital - mas não a renda agrária [10]. Em outras palavras, a noção de Dobb de crítica social é uma crítica de agrupamentos sociais não produtivos do ponto de vista da produtividade. 

 A crítica histórica do capitalismo de Marx, de acordo com Dobb, envolveu a tomada de uma teoria clássica do valor e, refinando-a, aplicou contra a burguesia. Marx, afirma, foi além dos ricardianos ao mostrar que o lucro não podia ser explicado com referência a nenhuma propriedade intrínseca do capital, e que somente o trabalho era produtivo [11]. No centro do argumento de Marx está o conceito de mais-valor. Ele partiu de uma análise da estrutura de classes da sociedade capitalista - em que os membros de uma classe numerosa não têm propriedade e são forçados a vender sua força de trabalho para sobreviver — e em seguida mostrou que o valor da força de trabalho como mercadoria (a quantidade necessária para sua reprodução) é menor que o valor produzido pelo trabalho em ação [12]. A diferença entre os dois constitui o mais-valor apropriado pelos capitalistas.

 Ao localizar a diferença entre a análise de Marx e economia política clássica na teoria do mais-valor, Dobb admite que as duas têm em comum teorias substancialmente idênticas do valor e da lei do valor. Assim, ele afirma que Marx “tomou posse” da teoria de valor da economia política [32/13] e a desenvolveu mostrando que o lucro é função apenas do trabalho [14]. Consequentemente, “a diferença essencial entre Marx e a economia política clássica estava [...] na teoria do mais-valor” [15]. De acordo com essa interpretação muito comum, “a teoria de valor de Marx é uma versão mais refinada e consistente da teoria de valor do trabalho de Ricardo” [16]. Portanto, sua lei de valor tem também uma função semelhante - explicar a operação do modo laissez-faire de distribuição em termos do trabalho. Entretanto, o próprio Dobb mostra que embora a categoria de valor e a lei do valor desenvolvida pela economia política clássica ofereçam uma crítica das ordens anteriores da sociedade, elas não oferecem sozinhas a base de uma crítica histórica do capitalismo [36/17]. Então, a implicação dessa posição é que a crítica de Marx do capitalismo ainda não é expressa pelas categorias com que ele começou sua crítica da economia política — categorias como mercadoria, trabalho abstrato e valor são desenvolvidas no nível lógico inicial da sua análise [18]. Pelo contrário, esse nível da sua análise é implicitamente tomado como prefácio de uma crítica; presumivelmente, ele apenas prepara o terreno para a “crítica real”, que começa pela introdução da categoria mais-valor [19].

 A questão de se as categorias iniciais da análise marxiana expressam uma crítica do capitalismo está relacionada à questão de se elas fundamentarem teoricamente a característica dinâmica histórica daquela sociedade [20]. De acordo com Oskar Lange, por exemplo, a superioridade real da economia marxiana está “no campo da explicação e antecipação de um processo de evolução econômica” [21]. Ainda assim, partindo de uma interpretação da lei de valor semelhante a de Dobb e Sweezy, Lange argumenta que “o significado econômico da teoria do valor-trabalho [...] nada mais é que uma teoria estática do equilíbrio econômico” [22]. Como tal, ela só é realmente aplicável à economia de trocas pré-capitalista de pequenos produtores independentes e não é capaz de explicar o desenvolvimento capitalista [23]. A base real da análise de Marx sobre a dinâmica do capitalismo, de acordo com Lange, é um dado institucional: a divisão da população em uma classe que possui os meios de produção, e uma classe que só possui a sua força de trabalho [24]. E por essa razão que o lucro capitalista só pode existir numa economia progressista [25]. O progresso técnico resulta das necessidades dos capitalistas de evitar que os salários cresçam a ponto de engolir os lucros [45/26]. Em outras palavras, partindo da interpretação comum da teoria do valor de Marx como essencialmente parecida com a da economia política clássica, Lange argumenta que existe uma lacuna entre os “conceitos econômicos específicos” estáticos usados por Marx e sua “especificação definida da estrutura em que se desenvolve o processo econômico na sociedade capitalista” [27]. Somente esta última é capaz de explicar a dinâmica histórica da formação social. A lei do valor, de acordo com Lange, é uma teoria de equilíbrio; como tal, ela nada tem a ver com a dinâmica de desenvolvimento do capitalismo. 

 Vimos que, se a teoria marxiana de valor for basicamente a mesma da economia política clássica, ela não fornece diretamente, nem pode fornecer, a base para uma crítica histórica do capitalismo nem para uma explicação do seu caráter dinâmico. (Então, por implicação, a minha reinterpretação deve mostrar que as categorias marxianas básicas desenvolvidas no nível lógico inicial da sua análise são de fato críticas do capitalismo e implicam uma dinâmica histórica imanente.) 

 De acordo com as interpretações resumidas até agora, a teoria de Marx do valor-trabalho desmistifica (ou ''desfetichiza'') a sociedade capitalista revelando ser o trabalho a verdadeira fonte de toda riqueza social. Essa riqueza é distribuída “automaticamente” pelo mercado e é apropriada pela classe capitalista de maneira não aberta. O significado essencial da crítica de Marx é, portanto, revelar sob a aparência de troca de equivalentes a existência da exploração de classe. Considera-se que o mercado e a propriedade privada dos meios de produção são as relações capitalistas de produção essenciais, expressas pelas categorias do valor e mais-valor. A dominação social é tratada como função da dominação de classe que, por sua vez, está enraizada na “propriedade privada na terra e no capital” [28]. No âmbito dessa estrutura geral, as categorias do valor e mais-valor expressam como o trabalho e seus produtos são distribuídos numa sociedade de classe baseada no mercado. Mas eles não são interpretados como categorias de formas particulares de riqueza e trabalho. 

 Qual é a base dessa crítica do modo burguês de distribuição e apropriação? Nas palavras de Dobb, ela é uma “teoria da produção” [29]. Como já vimos, Dobb considera ser essa a teoria que, ao identificar as classes que verdadeiramente contribuem produtivamente para a sociedade econômica, oferece uma base para colocar em questão o papel das classes não produtivas. A economia política clássica, pelo menos na forma ricardiana, mostrou que a classe dos grandes proprietários de terras não era produtiva; Marx, ao desenvolver a teoria do mais-valor, fez o mesmo com a burguesia. 

 Deve-se notar, e isso é crucial, que essa posição implica que o caráter da crítica de Marx sobre o capitalismo é basicamente idêntico ao da crítica burguesa sobre as ordens anteriores da sociedade. Nos dois casos, trata-se de uma crítica das relações sociais sob o ponto de vista do trabalho. Mas, se o trabalho é o ponto de vista da crítica, ele não é, nem pode ser, seu objeto. O que Dobb chama de “teoria da produção” gera uma crítica não da produção, mas do modo de distribuição, e o faz baseado numa análise da “verdadeira” fonte produtiva da riqueza, o trabalho.

 Nesse ponto, pode-se perguntar se a crítica marxiana é fundamentalmente semelhante em estrutura à economia política clássica. Como já vimos, esse entendimento pressupõe que a teoria marxiana de valor é idêntica à da economia política; portanto, sua crítica do capitalismo ainda não é expressa pelo nível lógico inicial da sua análise. Vista assim, a crítica de Marx começa mais tarde na exposição da sua teoria em O capital, a saber, na distinção que faz entre as categorias de trabalho e força de trabalho e, por associação, no seu argumento de que o trabalho é a única fonte de mais-valor. Em outras palavras, considera-se que sua crítica se interessa primariamente em demonstrar que a exploração é estruturalmente intrínseca ao capitalismo. O pressuposto de que a categoria de valor de Marx é basicamente a mesma de Ricardo indica que suas concepções do trabalho que constitui valor devem também ser basicamente idênticas. A ideia de que o trabalho é a fonte da riqueza e o ponto de vista de uma crítica social é, como já observado, típica da crítica social burguesa e tem origem nos textos de John Locke e encontrou sua expressão mais consistente na economia política de Ricardo. A leitura tradicional de Marx — que interpreta suas categorias como as da distribuição (o mercado e a propriedade privada) e identifica as forças de produção no capitalismo com o processo (industrial) de produção - depende, em última análise, da identificação da noção de trabalho como fonte de valor de Ricardo, com a de Marx.

 Mas essa identificação é enganosa. A diferença essencial entre a crítica de Marx da economia política e a economia política clássica é exatamente o tratamento do trabalho. 

 É verdade que, ao examinar a análise de Ricardo, Marx o elogia assim:

A base, o ponto de partida da fisiologia do sistema burguês [...] é a determinação do valor pelo tempo de trabalho. Ricardo começa com isso e força a ciência [...] a examinar como ficam as coisas com a contradição entre os movimentos aparentes e reais do sistema. Esse é então o grande significado histórico de Ricardo para a ciência. [30]

 Mas essa homenagem não implica, de forma alguma, que Marx tenha adotado a teoria do valor-trabalho de Ricardo. Nem se devem entender as diferenças entre os dois apenas em termos dos métodos diferentes de apresentação analítica. É verdade que, no que se refere a Marx, a exposição de Ricardo avançou depressa e diretamente demais da determinação da grandeza do valor pelo tempo de trabalho até a consideração de se outras relações e categorias econômicas contradizem ou modificam essa determina­ção [31]. Marx age de modo diferente: no final do primeiro capítulo de Contribuição à crítica da economia política, relaciona as principais objeções à teoria do valor-trabalho e afirma que elas serão respondidas pelas suas teorias de salário, capital, concorrência e renda [32]. Essas teorias são expostas por categoria ao longo dos três livros d’O capital. No entanto, seria enganoso sustentar, como Mandei, que elas representam “a contribuição própria de Marx para o desenvolvimento da teoria econômica” [33] — como se Marx tivesse se limitado a repassar a teoria de Ricardo e não tivesse desenvolvido uma crítica fundamental dela.

 A principal diferença entre Ricardo e Marx é muito mais fundamental. Marx não se limita a tornar mais consistente “a determinação do valor de troca pelo tempo de trabalho” [34]. Afinal, depois de ter adotado e refinado a teoria do valor-trabalho de Ricardo, Marx o critica por ter postulado uma noção indiferenciada de “trabalho” como fonte de valor sem ter examinado em mais detalhe a especificidade do trabalho produtor de mercadoria: 

Ricardo parte da determinação dos valores relativos (ou valores de troca) das mercadorias pela “quantidade de trabalho”. [...] Mas Ricardo não examina a forma - a característica peculiar do trabalho que cria o valor de troca ou se manifesta em valores de troca — a natureza desse trabalho. [35] 

 Ricardo não reconheceu a determinação histórica da forma do trabalho associada com a forma-mercadoria das relações sociais, mas, pelo contrário, a trans-historizou: “Ricardo considera a forma burguesa de trabalho como a forma natural e eterna do trabalho social” [36]. E é precisamente essa concepção trans-histórica do trabalho constituinte de valor que impede uma análise adequada da formação social capitalista.  

 A forma de valor do produto do trabalho é a forma mais abstrata, mas também mais geral do modo burguês de produção, que assim se caracteriza como um tipo particular de produção social e, ao mesmo tempo, um tipo histórico. Se tal forma é tomada pela forma natural eterna da produção social, também se perde de vista necessariamente a especificidade da forma de valor, e assim também da forma-mercadoria e, num estágio mais desenvolvido, da forma-dinheiro, da forma-capital etc. [37]

 Uma análise adequada do capitalismo só será possível, de acordo com Marx, se partir de uma análise do caráter historicamente específico do trabalho no capitalismo. A determinação inicial e básica dessa especificidade é o que Marx chama de “duplo caráter” do trabalho determinado por mercadoria.

O melhor com relação ao meu livro é 1. (o entendimento total dos fatos depende disso) o duplo caráter do trabalho dependendo de ele se expressar como valor de uso ou valor de troca — como já enfatizado no primeiro capítulo; 2. O tratamento da mais valia independentemente das suas formas particulares, como lucros, juros, renda etc. [38]

 Na segunda parte deste livro desenvolverei uma discussão extensa da noção de Marx do “duplo caráter” do trabalho no capitalismo. Neste ponto notarei apenas que, de acordo com o relato do próprio Marx, sua crítica do capitalismo não começa com a introdução da categoria de mais-valor; ela começa no primeiro capítulo d’O capital com a sua análise da especificidade do trabalho determinado por mercadoria. Isso marca a distinção fundamental entre a crítica de Marx e a economia política clássica, distinção de que depende o “entendimento total dos fatos”. Smith e Ricardo, de acordo com Marx, analisaram a mercadoria em termos de uma noção indiferenciada de “trabalho” [39] como “Arbeit sans phrase” [59/40]. Se sua especificidade histórica não for reconhecida, o trabalho no capitalismo será considerado de maneira trans-histórica e, em última análise, acrítica como ‘“o' trabalho” [41], ou seja, como “a atividade produtiva dos seres humanos em geral, pela qual eles medeiam seu metabolismo material com a natureza, despojado [...] de toda forma social e caráter determinado” [42]. Mas, de acordo com Marx, o trabalho social per se — “a atividade produtiva dos seres humanos em geral” — é um reles fantasma, uma abstração que, considerada por si só, não existe de forma alguma [43].

 Então, contrariamente à interpretação comum, Marx não adota a teoria do valor-trabalho de Ricardo, torna-a mais consistente e a usa para provar que o lucro é criado apenas pelo trabalho. Ele escreve uma critique da economia política, uma crítica imanente da teoria do valor-trabalho clássica. Marx toma as categorias da economia política clássica e desvela sua base social historicamente específica não examinada. Assim, ele as transforma de categorias trans-históricas da constituição de riqueza em categorias críticas da especificidade das formas de riqueza e relações sociais no capitalismo. Ao analisar o valor como uma forma historicamente determinada de riqueza, e expor a natureza “dupla” do trabalho que a constitui, Marx argumenta que o trabalho que cria valor não pode ser adequadamente entendido como trabalho tal como é geralmente entendido, ou seja, como uma atividade intencional que muda a forma da matéria de uma maneira determinada [44]. Ou melhor, o trabalho no capitalismo possui uma dimensão social adicional. O problema, de acordo com Marx, é que, apesar de o trabalho determinado por mercadoria ser social e historicamente específico, ele se apresenta numa forma trans-histórica como uma atividade que medeia entre seres humanos e natureza, como “trabalho”. Então, a economia política clássica se baseou na forma trans-histórica da aparência de uma forma social historicamente determinada.

 É crucial a diferença entre uma análise baseada na noção de “trabalho”, como na economia política clássica, e outra baseada no conceito do duplo caráter, concreto e abstrato, do trabalho no capitalismo; nas palavras de Marx, esse é “todo o segredo da concepção crítica” [45]. Ela resume a diferença entre uma crítica social que parte do ponto de vista do “trabalho”, um ponto de vista que não é ele próprio examinado, e outra em que a forma do trabalho em si é objeto de investigação crítica. A primeira permanece confinada nos limites da formação social capitalista, ao passo que a segunda aponta além dela. 

 Se a economia política clássica oferece a base para uma crítica da sociedade do ponto de vista do “trabalho”, a crítica da economia política resulta numa crítica daquele ponto de vista. Portanto, Marx não aceita a formulação de Ricardo do objetivo da investigação político-econômica, a saber, “determinar as leis que regulam essa distribui­ção” da riqueza social entre as várias classes da sociedade [46], pois tal investigação toma como verdadeira a forma do trabalho e da riqueza. Pelo contrário, em sua crítica Marx redefine o objeto da investigação. O centro do seu interesse passa a ser as formas de trabalho, riqueza e produção no capitalismo, e não somente a forma de distribuição.

 A redeterminação fundamental de Marx sobre o objeto da investigação crítica também implica uma importante reconceituação analítica da estrutura da ordem social capitalista.

 A economia política clássica expressou a crescente diferenciação histórica entre Estado e sociedade civil e se interessou pela segunda esfera. Já se argumentou que a análise de Marx foi uma continuação desse estudo e que ele identificou a sociedade civil como a esfera social governada pelas formas estruturantes do capitalismo [47]. Como elaborarei adiante, as diferenças entre as abordagens de Marx e as da economia política sugerem que ele tenta ir além da conceituação da sociedade capitalista em termos da oposição entre Estado e sociedade civil. A crítica de Marx da economia política (escrita depois da ascensão da produção industrial em larga escala) argumenta de maneira implícita que o que é central à sociedade capitalista é o seu caráter direcionalmente dinâmico, uma dimensão da vida social moderna que não pode ser adequadamente baseada em nenhuma dessas esferas diferenciadas da sociedade moderna. Ele prefere tentar entender essa dinâmica delineando outra dimensão social da sociedade moderna. E essa a significância fundamental da sua análise da produção. Marx investiga a esfera da sociedade civil, mas em termos das relações burguesas de distribuição. Sua análise da especificidade do trabalho no capitalismo e das relações capitalistas de produção tem outro objetivo teórico; é uma tentativa de basear e explicar a dinâmica histórica da sociedade capitalista. Portanto, a análise de Marx sobre a esfera da produção não deve ser entendida em termos de “trabalho” nem consideradas como privilegiando o “ponto de produção” sobre outras esferas da vida social. (De fato, ele indica que a produção no capitalismo não é um processo puramente técnico regulado pelas relações sociais, mas que incorpora essas relações; ele determina e é determinado por elas.) Como tentativa de elucidar a dimensão social historicamente dinâmica da sociedade capitalista, a análise de Marx da produção argumenta implicitamente que essa dimensão não pode ser entendida em termos de Estado ou sociedade civil. Pelo contrário, a dinâmica histórica do capitalismo desenvolvido embute e transforma cada vez mais essas duas esferas. Portanto, não está em questão a importância relativa “da economia” e “do Estado”, mas a natureza da mediação social no capitalismo, e a relação entre essa mediação e a dinâmica direcional característica dessa sociedade.


Notas

[1] Maurice Dobb, Political Economy and Capitalism, cit., p. 70-1.
[2] Ibidem, p. 37.
[3] Ibidem, p. 9.
[4] Ibidem, p. 63.
[5] Ibidem, p. 55.
[6] Idem.
[7] Ibidem, p. 49.
[8] Ibidem, p. 38-9.
[9] Ibidem, p. 50.
[10] Idem.
[11] Ibidem, p. 58.
[12] Ibidem, p. 58-62.
[13] Ibidem, p. 67.
[14] Ibidem, p. 56, 58.
[15] Ibidem, p. 75.
[16] Ver, por exemplo, Ernest Mandel, The Formation o f E conomic Thought o f Karl Marx, cit., p. 82-8; Paul Walton e Andrew Gamble, From Alienation to Surplus Value (Londres, Sheed and Ward, 1972), p. 179; George Lichtheim, Marxism: An Historical and Critical Study (Nova York/ Washington, Praeger, 1965), p. 172s.
[17] Maurice Dobb, Political Economy and Capitalism, cit., p. 55.
[18] Essa posição está intimamente ligada à interpretação espúria dos primeiros capítulos d’O capital como uma análise de um estágio pré-capitalista de “simples produção de mercadorias”. Discutirei essa questão com mais detalhes a seguir.
[19] Martin Nicolaus fornece um exemplo mais recente dessa abordagem: na introdução da sua tradução dos Grundrisse, Nicolaus afirma que “com o conceito de ‘força de trabalho’, Marx resolve a contradição intrínseca da teoria clássica de valor. Ele preserva o que é bom nela, a saber, a determinação do valor pelo tempo de trabalho [...]. Ao romper as limitações nela contidas, Marx transformou a velha teoria no seu oposto; de uma legitimação da dominação burguesa na teoria [...] que explica como a classe capitalista enriquece com o trabalho dos operários”. Martin Nicolaus, “Introdução”, em Karl Marx, Grundrisse: Foundations of the Critique of Political Economy (trad. Martin Nicolaus, Londres, Penguin, 1973, p. 46).
[20] Ver Henryk Grossman, Marx, die klassische Nationalökonomie und das Problem der Dynamik (Frankfurt, Europäische Verlagsanstalt, 1969).
[21] Oskar Lange, “Marxian Economics and Modern Economic Theory”, em David Horowitz (org.), Marx and Modern Economics (Londres, MacGibbon & Kee, 1968), p. 76. (Esse artigo foi publicado na edição de junho de 1935 de The Review o f Economic Studies.)
[22] Idem.
[23] Ibidem, p. 78-9.
[24] Ibidem, p. 81.
[25] Ibidem, p. 82.
[26] Ibidem, p. 84.
[27] Ibidem, p. 74.
[28] Maurice Dobb, Political Economy and Capitalism, cit., p. 78.
[29] Ibidem, p. 39.
[30] Karl Marx, Theories of Surplus Value (trad. Renate Simpson, Moscou, Progress, 1968), parte 2, p. 166 [ed. bras.: Teorias da mais-valia: história critica do pensamento econômico, trad. Reginaldo SantAnna, São Paulo, Bertrand Brasil, 1987].
[31] Ibidem, p. 164.
[32] As objeções relacionadas por ele são as seguintes: primeira, dado o tempo de trabalho como a medida imanente de valor, como os salários serão determinados nessa base? Segunda, como a produção baseada no valor de troca determinado apenas pelo tempo de trabalho pode levar ao resultado de ser o valor de troca do trabalho inferior ao valor de troca do seu produto? Terceira, como, com base no valor de troca, poderia surgir um preço de mercado diferente desse valor de troca? (Em outras palavras, valores e preços não são idênticos.) Quarta, como pode acontecer de mercadorias que não contêm trabalho terem valor de troca? (Ver Contribuição à crítica da economia política, cit., p. 191-2.) Muitos críticos da teoria de valor de Marx parecem não saber que ele reconhece esses problemas para não mencionarem as suas soluções propostas.
[33] Ernest Mandel, The Formation of Economic Thought of Karl Marx, cit., p. 82-3.
[34] Karl Marx, Contribuição à crítica da economia política, cit., p. 91.
[35] Idem, Theories of Surplus Value, cit., parte 2, p. 164.
[36] Idem, Contribuição à crítica da economia política, cit., p. 90.
[37] Idem, O capital, cit., Livro I, nota 32, p. 155.
[38] Marx para Engels, 24 de agosto de 1867, em Marx-Engels Werke (a partir de agora MEW), v. 31 (Berlim, Dietz, 1956-1968), p. 326.
[39] Karl Marx, “Results of the Immediate Process of Production'’ cit., p. 992.
[40] Marx para Engels, 8 de janeiro 1868, MEW, v. 32, p. 11.
[41] Karl Marx, Capital, cit., Livro III, p. 954.
[42] Idem.
[43] Idem.
[44] “Os economistas, sem exceção, não entenderam a questão simples segundo a qual se a mercadoria é uma dualidade de valor de uso e valor de troca, o trabalho representado na mercadoria tem também de ter duplo caráter, ao passo que a mera análise de trabalho sans phrase, como em Smith, Ricardo etc. deverá por toda parte enfrentar o inexplicável. Esse é, na verdade, todo o segredo da concepção crítica”. Marx para Engels, 8 de janeiro de 1868, MEW, v. 32, p. 11.
[45] Idem.
[46] David Ricardo, Principles of Political Econony and Taxation, (org. Piero Sraffa e Maurice Dobb, Cambridge, University Press for the Royal Economic Society, 1951), p. 5.
[47] Ver, por exemplo, Jean Cohen, Class and Civil Society, cit.

sábado, 22 de outubro de 2016

A questão da demanda efetiva em Ruy Mauro Marini e Robert Kurz

 Já que no momento a demanda efetiva é um tema importante nos meus estudos, achei interessante compartilhar o material a seguir com vocês.

Marini (1932-1998) foi um grande sociólogo brasileiro e é considerado o pai da teoria marxista da dependência, em especial graças a suas obras ''Subdesenvolvimento e revolução'' (1969) e ''Dialética da dependência'' (1973). Ele já apareceu neste blog algumas vezes.


Trecho do prefácio da 5ª edição de Subdesarollo y revolución, de Marini:

''[P]or mais irrelevante que possa parecer aos intelectuais pequeno-burgueses, a realização dos produtos de consumo corrente é motivo de constante preocupação para o capitalista; aliás, a isso se deve o enorme me desenvolvimento da publicidade e, mais ainda, o giro dado pela economia burguesa a partir de meados do século XIX, que deixou de enfocar problemas da oferta ou da produção para se centrar em problemas da demanda. Isso ocorre porque, por mais significativa que seja a realização de mercadorias sob a forma de maquinário e insumos industriais (que, por certo, é cada vez mais importante), a realização se encontra referida, em última instância, ao mercado de bens finais, para o qual a demanda de bens de consumo corrente tem um papel relevante. Pretender separar a produção da circulação e da realização das mercadorias, sob o pretexto de que é a primeira que deve primar na análise, subestimando assim na realização do capital o papel desempenhado pela demanda de bens de consumo corrente, não apenas passa longe de ser uma posição marxista, como também pode se tornar um instrumento útil de apologia ao sistema. A realização do capital é, antes de mais nada, realização do capital-mercadoria, e constitui um elemento essencial no ciclo do capital; a dissociação da realização se dá apenas naqueles momentos em que o ciclo do capital se enfrenta à sua própria ruptura: na crise. E, no final das contas, é o fantasma da crise que fustiga incessantemente a produção capitalista, arrastando-a cada vez mais depressa ao abismo que tanto busca evitar.''

Graduado em História, Filosofia e Pedagogia, Kurz (1943-2012) foi (e é) um dos principais nomes da chamada ''nova crítica do valor'', uma interessantíssima renovação da teoria marxista a partir da noção de ''fetiche'' e do conteúdo do livro III dO Capital; assim como Marini, ele já figurou neste blog antes.


Trecho de Os últimos combates, de Kurz:

 ''Principalmente desde a era fordista de um capitalismo abrangente, voltado à produção em massa altamente organizada, o poder de compra das massas é conditio sine qua non para uma bem-sucedida acumulação do capital. Se o poder de compra das massas é radicalmente pulverizado pelo desemprego em massa, pela redução dos benefícios sociais e pela retração dos serviços públicos ou dos investimentos estatais, então o que se põe em xeque não é somente a reprodução social, mas também a capacidade de existência e funcionamento econômico do próprio capitalismo. Mediante a globalização econômico-empresarial, tal problema não é superado, mas somente globalizado ele próprio: nesse plano, ele retomará sobre o capital com fúria redobrada. Eis por que, já a médio prazo, o neoliberalismo monetarista é um programa suicida do modo de produção capitalista.''

João Sicsú: mentiras da PEC 241

Uma coletânea de pequenos textos recentemente publicados pelo professor do Instituto de Economia da UFRJ, João Sicsú.




MENTIRAS DA PEC 241

1/4

“Reverter, no horizonte de médio e longo prazo, o quadro de agudo desequilíbrio fiscal em que nos últimos anos foi colocado o Governo Federal” (do texto da PEC).

 O déficit público orçamentário (ou nominal), desde 2003, sempre esteve em patamar aceitável (média do período 2003-2013 = 3%). O que houve foi um aumento preocupante desse déficit no ano de 2014 (para 6,07% do PIB). Contudo, suas causas são conhecidas: o pagamento exorbitante de juros da dívida pública devido às elevadas taxas Selic (R$ 311 bilhões), as exageradas desonerações tributárias das atividades empresariais (perda de mais de R$ 100 bilhões) e a fraca arrecadação em decorrência do baixo crescimento (aumento do PIB de apenas 0,1%).

 O quadro fiscal de desequilíbrio agudo ocorreu somente no ano de 2015 quando foram adotadas medidas severas de cortes de gastos públicos (que provocaram uma grave recessão de 3,8% do PIB, com queda da receita de 3% em termos reais). Em 2015, sob uma política de austeridade fiscal conjugada com gastos descontrolados de juros referentes à dívida pública (aumento dessas despesas foi de 62% em relação à 2014 enquanto a inflação do ano foi de 10,67%), o déficit orçamentário saltou, então, para um patamar inaceitável de 10,34% do PIB.

 Nossas dificuldades fiscais advêm dos exagerados pagamentos de juros da dívida pública que decorrem das elevadas taxas Selic que são praticadas pelo Banco Central. E para conter esse desperdício de recursos públicos, a PEC nada propõe. Muito pelo contrário, esse é único gasto do governo que não está limitado pelas regras da PEC 241.

2/4

“Recolocar a economia em trajetória de crescimento, com geração de renda e empregos” ou “numa perspectiva social, a implementação dessa medida [a PEC 241] alavancará a capacidade da economia de gerar empregos e renda...” (do texto da PEC 241) .

Não é explicado COMO a economia pode crescer a partir de um freio nos gastos públicos do governo federal. O crescimento de uma economia tem que ocorrer necessariamente pelo crescimento do consumo ou do investimento privado ou das exportações (menos as importações) ou dos gastos do governo (inclusive seus investimentos).

 Qualquer desses canais pode influenciar os demais. As exportações estão se enfraquecendo porque o Banco Central está deixando o câmbio se valorizar. E a contenção de gastos públicos indicado na PEC terá efeito negativo sobre o consumo e o investimento privado. Portanto, não há nexo com a teoria econômica nem com a realidade entre a contenção de gastos públicos (proposta na PEC) e uma possível trajetória de crescimento da economia (prometida na PEC).

3/4

A PEC 241 objetiva eliminar a suposta raiz do problema fiscal: “a raiz do problema fiscal do Governo Federal está no crescimento acelerado da despesa pública primária” (do texto da PEC 241).

 Gastos públicos devem crescer (ou decrescer) em função da arrecadação do governo, de sua capacidade de endividamento saudável e das necessidades da sociedade. O crescimento de gastos públicos acima ou abaixo da inflação não significa absolutamente nada. O aumento real dos gastos públicos não implica necessariamente piora dos resultados das contas públicas ou melhoria na qualidade de vida da população. Bem-estar social e organização fiscal dependem de outros fatores, por exemplo, aumento da arrecadação, crescimento populacional, despesas com o pagamento de juros da dívida pública e demandas sociais.

 A raiz do déficit público brasileiro, ou seja, a sua principal causa é o pagamento de juros da dívida pública devido às altas taxas Selic praticadas pelo Banco Central. E não o excesso de gastos primários(saúde, educação etc). Nos últimos cinco anos (2011-2015), a despesa com o pagamento de juros cresceu 111,8%, enquanto a inflação do período foi de 39,4%.

4/4

 A PEC 241 pretende criar as condições para a redução das taxas de juros: “certamente a contenção do crescimento do gasto primário, em uma perspectiva de médio prazo, abrirá espaço para a redução das taxas de juros, seja porque a política monetária não precisará ser tão restritiva, seja porque cairá o risco de insolvência do setor público” (do texto da PEC).

 Diferentemente do que é argumentado no texto da PEC, o Banco Central não alega que não reduz a taxa de juros Selic devido à política de gastos do governo federal. O argumento do BC é a necessidade do controle da inflação. É o que é dito nos documentos oficiais. Também são mentiras. A verdade é que os juros são altos para que haja uma brutal transferência de renda de toda a sociedade (via setor público) para banqueiros e rentistas.

 O outro argumento mentiroso é que a taxa de juros Selic poderá cair porque haverá redução do risco de insolvência do setor público. Entretanto, não há nenhuma relação entre taxa de juros Selic e grau de insolvência do setor público (considerando os atuais patamares da Selic).

 Os credores do governo federal sabem que o risco de insolvência do setor público é desprezível, que o governo sempre honra com os seus compromissos - em detrimento inclusive de áreas sensíveis como saúde e educação.

 Os credores aceitam os atuais 14% ao ano de juros como remuneração para a aquisição de mais títulos, mas aceitariam 13%, 12%, 11% etc. Nós não sabemos qual é o piso de taxa de juros capaz de rolar (ou não) a dívida pública porque nunca arriscamos conhece-lo.

 Se tivéssemos realizado uma redução significativa da taxa de juros Selic, poderíamos conhecer a relação entre piso de juros e risco de carregamento de títulos públicos. Mesmo quando a presidente Dilma decidiu reduzir a taxa Selic no ano de 2012, os “gritos” não eram que títulos não seriam comprados àquela taxa devido ao risco de insolvência do setor público, mas sim que a inflação era alta e descontrolada (associado ao blá-blá-blá que “taxa de juros não se reduz por decreto”).





quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Robert Kurz sobre a utilidade marginal



deep eyes

 Já publiquei aqui um bocadinho de material do e sobre o Kurz, então não vou me dedicar a falar quem ele é de novo. Segue um trecho de um artigo do Kurz (intitulado ''Marx 2000'') cuja tradução foi publicada mês passado (30/09/2016):


The Marxian analysis of the capitalist deep structure, with its immanent fetishism, reveals the negative character of the labor-substance and its value-form. This crucial point has been ignored bashfully by the Marxism of the labor movement, and has been dismissed by the official economic science as "philosophical nonsense". In the context of the rejection of the Marxian Theory, academic science even discarded the doctrine of the beourgeois classical economists, who regarded the expended amount of labor as the content of economic value. The dominant consciousness kept only the ethically repressive meaning and moral of the positive term of labor and thereby protected itself through ignorance against the discovery of their own irrational constitution, which lurks in the Marxian term of fetishism. Economics became the superficial theory of marginal utility, or the theory of subjective value. Within this theory – the foundation of today’s mainstream economics – the term of value is entirely dissolved into the appearance of price and, in turn, price is reduced to the purely subjective utility-calculations made by market participants (whose existence and constitution are assumed a priori). This post-classical theory does not really intend to and is not able to explain anything. Rather, its purpose is to bring the calculations of the market subjects into a systematic and computable form. Within the social sciences, mathematics appears on the scene at the point when the critical impulse has been lost and when one tries to bring the description of the social context, which lacks a theoretical explanation, back under control.
However, the proposition that price can be reduced to subjective calculations of utility and that it has nothing to do with some sort of an objective substance of value, is plausible only in unusual situations, outside the implicitly assumed social relations. For example, in the famous idea of the "glass of water in the desert," whose marginal utility would rise to infinity. But examples of that sort are silly since they are not part of the ordinary performance of social-economic actions and can therefore not be considered to be the subject of economics. Within the real society of a commodity-producing system the explanatory power of the marginal utility calculations of use-values is practically zero. This is because, although market participants evidently weigh their subjective utility against the respective money price, they do not do this independent of social conditions; rather, they do this under objectified conditions, which are forced upon them and (a priori) influence their calculation in an unconscious manner. The theory of subjective value (price) confuses cause and effect here. Normally a certain good is disposable on a larger scale because the respective productivity has increased, i.e., the objective value of the single commodity (the expended amount of labor per good) has decreased through the diminution of its labor-substance. The subjective calculation of utility thus only follows, at best, the development of social productivity regarding the expenditure of labor.
However, the perception of smaller or greater utility in relationship to the level of human needs in no way regulates the production of goods. For instance, assume a growing mass of unemployed and recipients of welfare, people who are not able to buy certain desired and necessary goods: an increase in their subjective calculation of utility concerning these goods by no means causes a rise in prices of these goods; they are on the contrary more likely to fall, because demand decreased as a result of missing purchasing power, in spite of an increased social need. It is pure cynicism to attribute this fall in prices (consider a deflationary shock, for example) to a decline in marginal utility of the goods, due to a saturation of the corresponding needs. On the other hand, a lack of demand will not lead to any arbitrary decrease in prices below the objective labor-substance (according to the level of productivity), rather, it will precipitate a shut-down in production regardless of the unsatisfaction of (even vital) needs and an abundant capacity of production.
The theory of marginal utility, or the theory of subjective value, together with their various extensions in the twentieth century, wholly ignore that the capitalist order of society is not determined by the subjects of circulation, but by the irrational end-in-itself of production. The capitalist inversion of means and end, which Marx analysed, enforces firstly, that humans can in no way appear on the demand side of the goods markets without having previously sold their own skin in the labor market in the name of the systemic end-in-itself. Secondly, and following from this, the goods market is not at all the place where the calculations of use-value-utility made by independently producing subjects meet. Rather, the market, apparently being the place of the "freedom" of buying and selling, represents nothing but the sphere of the "realization of surplus-value," i.e., the reconversion of the expended quota of labor into the form of money capital. The goods market is in this respect only a pass-through for the ceaseless pulsating capitalist end-in-itself, and is far from being constituted by a sum of subjective calculations of utility. The exact opposite is the case: these calculations of utility are bound to the realm of the pre-existing capitalistic law of the system. The term of utility itself is determined by that, not by the sense of well-being and the satisfaction of needs of the market participants.

segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Política macroeconômica e estratégia de desenvolvimento: uma visão crítica

por Franklin Serrano*




 Para muitos, o regime de política macroeconômica importa apenas para a discussão da estabilidade (ou instabilidade) de curto prazo, o que só afeta de forma muito indireta e mediada o desenvolvimento da economia no longo prazo. No caso do Brasil, no período mais recente, especialmente a partir de 1999, o entendimento da relação entre regime de políticas macroeconômicas e desenvolvimento tem sido fortemente prejudicado pelo fato de que, tanto os defensores quanto a grande maioria dos críticos do regime de política macroeconômica adotado no país, compartilham de uma mesma visão idealizada de seu funcionamento. Este quase consenso inclui os dois pilares principais do regime de política macroeconômica atual: o sistema de metas de inflação e a política fiscal de grandes superávits primários. 

 A grande maioria tanto dos defensores quanto dos críticos do sistema de metas de inflação brasileiro acredita que ele é operado da forma descrita pelo modelo do “novo consenso” ou “nova síntese neoclássica”. Ao mesmo tempo, a imensa maioria dos economistas no Brasil, inclusive dos que se dizem desenvolvimentistas (ou “novos” desenvolvimentistas), apóia a política fiscal de manutenção de vultosos superávits primários, com objetivo de ajudar a estabilizar (ou diminuir) a dívida líquida do setor público, que é considerada um indicador do grau de solvência do Estado brasileiro. 

 Neste artigo, gostaria primeiro de expor minha visão sobre como funciona de fato o sistema de metas de inflação, depois fazer algumas observações críticas sobre a política fiscal e finalmente levantar alguns dilemas de política macroeconômica que surgirão, numa eventual tentativa de criar uma nova estratégia nacional de desenvolvimento.

  Comecemos pela discussão sobre o sistema de metas de inflação. A visão consensual da operação do regime de metas de inflação, aceita inclusive pela maior parte de seus críticos, pode ser sintetizada em três proposições: a) o núcleo ou tendência da inflação é resultado de choques de demanda; b) a taxa de juros é operada com o objetivo de controlar a demanda agregada; e, c) alguma variação na taxa de câmbio ocorre como um efeito colateral das mudanças na taxa de juros.

 Apesar de sua ampla aceitação, estas três proposições básicas, a rigor, só se sustentam se quatro pressupostos fundamentais do modelo teórico do “novo consenso” mencionado acima forem válidos. Estes pressupostos são: i) que o hiato do produto (e/ou do emprego) afeta a inflação de forma sistemática; ii) que os choques inflacionários têm persistência total, isto é, os coeficientes de inércia e de expectativas inflacionárias, somados, se igualam à unidade; iii) que o produto potencial é independente da evolução da demanda; e, iv) que os choques de custo são aleatórios, causados, por exemplo, por safras agrícolas abundantes ou excepcionalmente fracas. 

 Somente se estes quatro pressupostos forem válidos, a visão consensual faz sentido. Os pressupostos 2 e 3 implicam que o Banco Central deve se preocupar exclusivamente com a meta de inflação, pois a política monetária é neutra e a longo prazo não afeta nem o produto, nem a capacidade produtiva da economia. Os demais pressupostos garantem a possibilidade de controlar a inflação, controlando a evolução da demanda agregada (pressuposto 1), e que não se pode (nem se deve) fazer muito para controlar a inflação de custos (pressuposto 4). O pequeno problema é que, no caso da economia brasileira no período de 1999, até agora nenhum destes quatro pressupostos se sustenta. 

 Em primeiro lugar, não se observa uma relação empírica sistemática entre o hiato do produto e a aceleração da inflação (a rigor, nem com o nível da inflação). As estimativas de diversos estudos econométricos mostram a não significância do hiato do produto na chamada Curva de Phillips. Em segundo lugar, no caso da economia brasileira recente, os choques inflacionários não têm persistência total sobre a inflação. Estimativas para a persistência inflacionária no Brasil mostram que esta não pode ser considerada completa, isto é, a soma dos coeficientes da inflação passada (inércia) e futura (medida pelas expectativas inflacionárias) na curva de Phillips é sempre inferior à unidade. Existe uma persistência na inflação, mas esta é somente parcial (em torno de 0,7 no máximo). 

 A terceira hipótese descrita acima, de que produto potencial é independente do produto corrente, é totalmente refutada pela literatura moderna de séries temporais, tanto no Brasil quanto nos demais países. As evidências de existência estatística de uma raiz unitária (e, portanto, de uma tendência estocástica) no PIB mostram que a tendência do produto potencial é fortemente correlacionada com a evolução do produto corrente (a chamada histerese). A presença de histerese significa que os mesmos fatores que causam os ciclos causam a tendência de longo prazo. Como a maioria dos economistas aceita que as flutuações do produto no curto prazo são determinadas por mudanças na demanda agregada, estas evidências de histerese são incompatíveis com o modelo do novo consenso, que supõe que o produto potencial depende apenas de fatores ligados à oferta. A histerese aponta para o fato de que o crescimento da própria capacidade produtiva da economia no longo prazo depende da expansão da demanda efetiva. E o mecanismo de transmissão mais plausível, que explica por que a tendência do crescimento da demanda afeta o produto potencial, vem da constatação (também corroborada por diversos estudos empíricos) que o investimento que cria capacidade para o setor privado é basicamente induzido pela evolução da demanda final de consumo, investimento residencial, exportações e gastos do governo.

 É importante entendermos o efeito combinado destas evidências sobre os pressupostos 2 e 3 para a questão do dilema entre inflação e crescimento. Se os três pressupostos acima fossem válidos e valesse o modelo do novo consenso, um choque de demanda temporário levaria a um aumento no patamar da inflação e um choque de demanda permanente levaria direto à hiperinflação (a curva de Phillips seria aceleracionista). 

 Se além da persistência incompleta levássemos em conta o efeito histerese, veríamos que mesmo um choque de demanda permanente produziria apenas um efeito temporário sobre o nível da inflação (e um efeito permanente sobre o nível de preços). A inflação inicial se dissiparia na medida em que o hiato de produto fosse se fechando endogenamente a média que maturasse o efeito capacidade dos investimentos induzidos pelo maior crescimento da demanda.

 Finalmente, o quarto dos pressupostos da interpretação consensual do sistema de metas, a ideia de que os choques de oferta são aleatórios, definitivamente não se aplica ao Brasil, por diversas razões. Em primeiro lugar, temos os preços monitorados que crescem bem acima dos preços livres de 1999 a 2006. A maior parte dos preços monitorados é atrelada contratualmente ao IGP-M que, em geral, cresceu bem mais do que o IPCA, o que provavelmente implicou numa tendência ao aumento das margens de lucro das empresas destes setores, ao longo do período como um todo. Além disso, os preços internacionais do petróleo crescem desde 1999 e os das demais commodities, desde 2002, impondo crescimento semelhante aos preços dos bens importados (e pressionando para cima os preços no mercado interno dos bens exportáveis). Finalmente, o salário mínimo nominal também tem evoluído continuamente bem acima do IPCA, devido à política do governo de recomposição do seu poder de compra, que está retornando aos níveis dos anos 1960.

 Como nenhum dos quatro pressupostos se sustenta, é evidente que o núcleo da inflação brasileira não é de demanda e o sistema de metas no Brasil não pode funcionar da maneira em que é descrito, consensualmente. Mas ainda assim, o sistema bem ou mal funciona. A inflação crônica não retornou a partir de 1999 e a inflação ficou contida, dentro da faixa estipulada pelas metas em 1999, 2000, 2005, 2006 e 2007 (fi cando acima da meta em 2001, 2002, 2003 e 2004). Então, fica a questão: como é possível controlar a inflação a partir da taxa de juros, numa economia onde não há evidência de que o controle da demanda agregada seja capaz de conter diretamente o aumento de preços ou salários nominais e onde há um conjunto de pressões inflacionárias pelo lado dos custos?

 A resposta é que, na prática, o sistema funciona da seguinte maneira: aumentos da taxa de juros valorizam a taxa de câmbio nominal; as mudanças na taxa de câmbio, por sua vez, com alguma defasagem, têm um forte impacto de custos, diretos e indiretos, sobre todos os preços da economia, inclusive os “livres”. Desde meados de 1999 até agora, apesar da enorme mudança nas condições de comércio, liquidez e taxas de juros da economia mundial, da grande virada da conta corrente brasileira, da mudança de governo e dos movimentos especulativos habituais, se observa, ainda assim, uma forte relação entre o diferencial de juros interno e externo (corrigido pelo risco país) e o nível da taxa de câmbio nominal.

 É a valorização do câmbio, resultante do elevado diferencial de juros, que torna possível a transformação de grandes choques de oferta negativos em dólares em choques de oferta positivos em real. Outro fator de controle da inflação de custos tem sido a política do governo de não repassar integralmente para os preços internos da gasolina e, especialmente, do óleo diesel, as brutais variações externas do preço do petróleo (o que ficou claro quando recentemente o governo reduziu impostos indiretos para compensar o reajuste parcial do preço interno).

 A maioria dos analistas acredita, seguindo a caracterização consensual descrita acima, que o efeito dos juros altos sobre a demanda agregada é o que impede que os choques de custo se transformem em aumentos da taxa de inflação. No entanto, o fato de que não se observa relação sistemática entre o hiato do produto (ou emprego) e a inflação mostra que não é isso o que ocorre. A política de juros elevados, ao valorizar a taxa nominal de câmbio, gera diretamente um choque positivo de custos em moeda local. Assim, dada a ausência do canal de transmissão tradicional da demanda para a inflação e a força do canal de transmissão dos juros para o câmbio e do câmbio para os preços, o efeito dos juros sobre a demanda agregada, na realidade, se torna apenas um efeito colateral da política monetária.

 Note que, mesmo quando a economia sofreu choques cambiais adversos, oriundos de problemas nas contas externas, como em 2002, o papel principal dos juros elevados não foi propriamente conter a demanda para evitar o repasse aos preços da desvalorização inicial, mas sim parar e depois reverter a desvalorização cambial nominal. Não é por outro motivo que, como nos lembra Nelson Barbosa, em todos os anos que a inflação ficou dentro da faixa estipulada como meta (fora o ano de 1999, que marca a transição para o sistema) o câmbio nominal se valorizou. [1] Nos anos mais recentes, o grande diferencial de juros e a contínua valorização nominal do real manteve a inflação dentro da meta, apesar do forte crescimento dos preços internacionais das commodities e do petróleo em dólares.

 A outra característica fundamental do sistema é que, embora o núcleo da inflação brasileira recente seja de custos, não tem havido inflação puxada pelos salários nominais médios (a despeito do grande crescimento nominal do salário mínimo). Em geral, os custos unitários do trabalho em termos nominais só têm crescido menos e depois do aumento da inflação, independentemente do nível de atividade da economia. No fundo, é a ausência de indexação salarial e a baixa resistência salarial real que explicam tanto a pouca persistência dos choques inflacionários, quanto o fato da inflação crônica não retornar, mesmo quando ocorreram grandes desvalorizações cambiais.

 Vemos então que operação concreta do sistema de metas inflacionárias no Brasil tem as seguintes características: i) o núcleo da inflação é de custos; ii) as variações na taxa de juros afetam a taxa de câmbio; iii) as variações no câmbio afetam os custos e, posteriormente, os preços de todos os setores da economia. O primeiro impacto se dá nos preços dos transacionáveis e dos monitorados (estes via indexação ao IGP-M) e, posteriormente, o impacto dos preços por atacado afeta os custos e os índices de preços “livres” e dos não transacionáveis; iv) o efeito dos juros na demanda agregada é, afinal, apenas um efeito colateral da política monetária; e, v) a âncora do sistema é a baixa resistência dos salários reais médios.



 Somente a partir desta caracterização mais realista de como o sistema funciona poderemos discutir adequadamente os dilemas que a política macroeconômica impõe ao desenvolvimento econômico. 

 Passemos agora à discussão da política fiscal. Vamos discutir brevemente três aspectos onde cremos que o quase consenso que existe no Brasil merece ser questionado: a) a relação entre taxa de juros e dívida pública; b) o problema da relação entre o investimento público e o próprio conceito de dívida líquida do setor público; e, c) a questão dos gastos correntes e da carga tributária. 

 Em primeiro lugar, da discussão acima, que mostra que a taxa de juros no Brasil é determinada pela política monetária e manipulada ao nível que for necessário para o sistema de metas de inflação funcionar, segue-se que a evolução da dívida pública é causada pela evolução da taxa de juros real (e da taxa de câmbio). Os substanciais superávits primários que se vêm obtendo no Brasil, há dez anos, não têm sido sufi cientes para determinar a dinâmica da razão dívida pública sobre o PIB, que tem crescido ou diminuído na direção dada pela política monetária que define a dinâmica da taxa de juros e do câmbio.

 Apesar da forte evidência favorável de que as variações maiores da dívida pública são causadas pelas variações da taxa de juros, a maioria dos economistas no Brasil acredita que de alguma forma é a razão dívida pública/PIB que causa as taxas de juros reais elevadas. O argumento, às vezes chamado de “dominância fiscal”, seria de que o spread entre a taxa de juros interna e externa (o chamado “risco-país”) tenderia a subir quando a dívida pública estivesse crescendo, pois os credores internacionais do país passariam a temer um calote. No entanto, é muito difícil entender porque o crescimento da dívida interna, que é paga em moeda nacional (e, portanto, jamais o governo fi cará realmente sem dinheiro para pagá-la), levaria a uma maior probabilidade de calote. Mais estranha ainda é a ideia de que nossos credores externos se preocupariam com o improvável e desnecessário calote interno, em vez de um possível calote da dívida externa, ou com uma súbita desvalorização cambial, se forem detentores de títulos em moeda doméstica, que são os fatores que deveriam ser motivo de preocupação destes agentes, se eles fossem minimamente racionais. Além da implausibilidade teórica, há também substancial evidência que o chamado risco-país é em boa parte exógeno e segue as flutuações dos mercados financeiros internacionais (alguns estudos mostram que metade da flutuação do risco-país é comum a quase todos os países “emergentes”), e a parte idiossincrática dele tem a ver, evidentemente, com as condições de solvência e liquidez das contas externas e não das contas públicas.  



 Mas o problema mais grave parece estar no próprio conceito de dívida líquida do setor público, que é utilizado no Brasil. O “setor público” é definido de forma a englobar não apenas o governo, propriamente dito, mas inclui também todas as empresas estatais menos os bancos públicos. E o conceito de “dívida líquida” por algum motivo não considera que, em geral, o investimento em capital fixo, seja do governo seja das estatais gere um ativo. É o uso deste conceito para fazer política fiscal (aceito acriticamente por todos no Brasil, com a exceção do professor Dércio Munhoz) que cria fortes obstáculos ao crescimento do investimento público. Na Grã-Bretanha, se usa a chamada “regra de ouro”, onde se tenta manter um equilíbrio ao longo do ciclo (mas não a cada instante) entre gastos públicos correntes e receita tributária e, ao mesmo tempo, se permite o financiamento via aumento da dívida pública de todos os gastos do governo em capital fixo. Mesmo nos países da zona do Euro que se submeteram às regras do Acordo de Maastricht, os déficits correntes podem chegar a 3% do PIB, que não é um número muito diferente da média da taxa de investimento público nestes países.

 No Brasil, a muito custo, se retiraram parte dos investimentos da Petrobrás e, mais recentemente, com o PAC, foi permitido que até 0,5% do PIB de investimento público seja descontado da meta de superávit (que, aliás, já foi aumentada de novo). Porém, ninguém questiona a falta de sentido do nosso conceito de “dívida líquida do setor público”, em si. Como pode uma dívida que não desconta a contrapartida de ativos reais ser “líquida”?

 Além disso, a decisão de excluir os bancos públicos do setor público gera toda sorte de distorções. Por que se o BNDES empresta dinheiro para uma prefeitura fazer obras de saneamento (ou para a Eletrobrás comprar uma turbina) a dívida líquida do setor público aumenta? Neste caso, por exemplo, não há transferência de recursos para o setor privado nem aumento algum na dívida mobiliária. Até hoje, apesar da crescente constatação de que será impossível uma retomada do desenvolvimento, sem uma expansão vigorosa do investimento público em infra-estrutura econômica e social, infelizmente ninguém parece querer questionar este peculiar conceito de dívida líquida do setor público. 

 O terceiro ponto onde há quase um consenso total é o de que a carga tributária no Brasil é alta demais e que os gastos correntes do governo estão crescendo, a taxas insustentáveis. O problema aqui é que a carga tributária, que é relativamente alta (e terrivelmente regressiva), é a carga tributária bruta, sem descontarmos as transferências do governo ao setor privado. Mas como o governo brasileiro transfere muitos recursos, tanto aos mais pobres, através da Previdência Social e do programa Bolsa Família, quanto também para os mais ricos, através do pagamento de juros da dívida pública, a carga tributária líquida no Brasil é razoavelmente baixa em termos internacionais (de acordo com Carlos Pinkusfeld Bastos, em 2004, os dados eram: 12,7% para o Brasil; 15,1%, no México; 21,3%, na Espanha; 20,7%, na Irlanda; e 14,25, na Polônia, por exemplo).

 O mesmo tipo de confusão (com freqüência proposital) aparece na discussão dos gastos correntes. É pratica comum, no Brasil, inclusive entre os desenvolvimentistas, somar-se os gastos do governo propriamente dito com as transferências não-financeiras do governo e chamar isso de “gastos correntes”. A seguir, aponta-se que estes gastos assim calculados têm crescido mais que o PIB e, a partir daí, se define que são insustentáveis. Mas os gastos do governo propriamente dito em consumo e investimento não têm, em geral, crescido a taxas maiores que o PIB, no conjunto dos últimos anos. O que tem ocorrido é que, de fato, as transferências do governo têm crescido mais que o produto, em boa parte por conta da bem sucedida política de valorização do salário mínimo. Mas a arrecadação total também tem crescido tanto, que o superávit primário tem sido mantido e recentemente se expandiu. As transferências do governo configuram uma redistribuição de renda para os muito pobres e muito ricos (juros). Mas não se configura uma crescente pressão do gasto público, propriamente dito. 

 A partir deste conjunto de esclarecimentos e observações críticas podemos pensar as dificuldades reais que enfrentaria uma tentativa mais séria de retomar o desenvolvimento. 

 É claro que o regime atual de “juro alto e câmbio baixo” tem grandes custos. Em termos fiscais, aumenta a carga de juros da dívida pública. Em termos distributivos, os juros reais elevados estabelecem um alto custo de oportunidade para o capital, que eleva o piso aceitável das margens de lucros das empresas e concentra a distribuição funcional da renda. Os juros reais elevados atrapalham o crescimento do crédito para o consumo e para a construção civil e, a partir daí, desestimulam o investimento produtivo induzido e o crescimento do próprio produto potencial. O câmbio real cada vez mais valorizado desprotege a indústria local contra as importações, diminuindo sua competitividade, e atrapalha as exportações de produtos industriais mais sofisticados, solidificando uma inserção externa de pouco dinamismo tecnológico, baseada apenas em nossas vantagens absolutas em alguns recursos naturais. 

 Além disso, a tentativa de acelerar o crescimento mantendo em operação o sistema “juro alto câmbio baixo” leva a uma explosão das importações, que cria uma tendência à deterioração progressiva das contas externas, gerando déficits em conta corrente que podem no futuro significar o retorno da restrição externa ao crescimento.

 Por vários destes motivos, é crescente o número de críticos do regime que propõem a transição para um regime de política econômica de “juro baixo e câmbio alto”. O problema é que uma vez que nos demos conta de como o sistema de metas funciona, realmente, se o diferencial de juros for reduzido e o câmbio substancialmente desvalorizado surgem, então, algumas questões complicadas.

 Em primeiro lugar, como manter a inflação sob controle? Recentemente, as taxas de crescimento dos preços internacionais dos alimentos e do petróleo têm sido bem mais elevadas do que a meta de inflação brasileira. Se não for usado o instrumento da valorização cambial, o que se deve fazer?

 Alguns economistas têm sugerido que o Banco Central use controles de crédito de diversos tipos para a demanda agregada, sem ter que elevar a taxa básica de juros (evitando assim a valorização do câmbio). Outros sugeriram (já conseguiram) a ampliação adicional dos já elevados superávits primários fiscais, que diminuiriam o crescimento da demanda agregada, sem a necessidade de aumentar os juros (novamente evitando a valorização do câmbio).

 O problema é que estes críticos não levam em conta que a economia está sofrendo um choque de oferta externo e não um choque de demanda interno. A economia não está superaquecida e o choque externo do aumento do preço dos alimentos e de produtos comercializáveis que usam muito petróleo como insumo (já que o repasse aos preços internos do petróleo tem sido pequeno) diminui por si só os salários reais e desacelera o consumo. Além disso, e mais importante, como vimos acima, não há evidência de que as flutuações no hiato do produto (ou emprego) no Brasil afetem a inflação, nem o grau de repasse de choques de custos. Estas medidas de controle de demanda só teriam o efeito colateral de reduzir o crescimento, viés já existente na política de juros altos, e não afetariam a taxa de inflação, exatamente por não valorizar o câmbio.

 Não é por outro motivo que logo após o governo ampliar a meta do superávit primário para 2008, supostamente para controlar o excesso de demanda, o Banco Central mesmo assim elevou fortemente a taxa de juros, e o câmbio continuou a se valorizar. Neste caso, talvez esteja na hora de começar a se pensar em desindexar de vez os preços monitorados. Além disso, seria interesse seguir diversos outros países que introduziram subsídios aos preços dos alimentos (o que, na prática, já é feito no Brasil para os combustíveis), para evitar que o choque de preços reduza o salário real e gere pressões inflacionárias de custos.

 Por sua vez, se mais adiante houver uma grande desvalorização cambial e a inflação aumentar pouco, e temporariamente, como fi carão os salários reais? É importante notar que, devido à indexação dos preços monitorados ao IGP-M, que é muito afetado pela taxa de câmbio, os salários reais médios serão fortemente reduzidos por uma desvalorização cambial. Curiosamente não tenho visto nenhuma preocupação com este assunto no debate recente, nem entre os desenvolvimentistas.

 Estes difíceis dilemas entre inflação, taxa de câmbio e salários reais, típicos de uma economia em desenvolvimento, podem ser amenizados se houver uma grande expansão do investimento público em infra-estrutura e tecnologia (muito superior ao modesto PAC), que melhore sistematicamente a produtividade, tanto dos setores industriais mais expostos à concorrência externa, quanto a dos setores que produzem direta e indiretamente a cesta de bens e serviços relevante para os salários reais. Isto, porém, só será possível na escala necessária se e quando houver vontade política de excluir todos os investimento públicos das metas de superávit primário. 

 

 


[1] No caso de 1999 o sistema funcionou por poucos meses e a faixa da meta foi ajustada para cima. Note que, em 2003, o câmbio nominal também se valorizou, mas havia se desvalorizado tanto em 2002 que, mesmo assim, a meta não foi atingida, por conta das defasagens entre a flutuação câmbio e a inflação.

 



 

*Economista, professor adjunto do Instituto de Economia, da UFRJ. Graduado pela PUC-RJ, Mestrado no IE-UFRJ e Mestrado e Doutorado na Universidade de Cambridge, Inglaterra.  Deu aulas na CEPAL (Chile) e na Universidade Demontfort, em Leicester, Inglaterra.


domingo, 9 de outubro de 2016

Marcelo Carcanholo: Límites del progresismo en América Latina y el golpe en Brasil

Que futuro terão os pequenos latino-americanos em meio à reviravolta neoliberal no subcontinente?

Artigo do economista marxista brasileiro Marcelo Dias Carcanholo recentemente (01/10/2016) publicado em documento do CLACSO - Conselho Latino-Americando de Ciências Sociais.



Los gobiernos progresistas en América Latina se presentaron como alternativas al neoliberalismo que se aplicaba de forma contundente en los años 90 del siglo pasado. El neoliberalismo profundizó la condición dependiente de nuestras economías, una vez que incremenó el proceso de transferencia de valor producido en nuestras economías pero apropiado por el capitalismo central.

 ¿Cuales son las alternativas de desarrollo al neoliberalismo, por lo menos en las economías dependientes? La primera es modificar la composición de la forma de apropiacion de la plusvalía producida de forma expandida. Así, reducir las tasas de interés, para niveles por debajo de las tasas de ganancia, incentivaria al capital a apropiarse de la plusvalía de una forma que garantizaría la reproducción del capital de forma ampliada, con una dinámica de crecimiento sostenido. Esta define lo que se pasó a denominar estrategia neodesarrollista, característica de los gobiernos progresistas que no se propusieron cambios más estructurales, como Argentina y Brasil. Pero, ella constituye una falsa alternativa al neoliberalismo, porque no se proponía revertir las reformas ni disminuir la necesidad de superexplotación del trabajo.

 La otra alternativa, dentro del capitalismo, sería romper con las reformas neoliberales. Esto implica, además de un cambio en la política económica, revertir los procesos de liberalización y apertura de los mercados, retroceder en las privatizaciones, renacionalizando sectores estrategicos de la economía. Esta alternativa, al romper con las reformas neoliberales, reduciria el peso de los mecanismos de transferencia de  valor, disminuyendo la necesidad de elevar la superexplotación de la fuerza de trabajo y, por tanto, posibilitando una redistribución de los ingresos y de la riqueza. Esta redistribución, a su parte, aún contribuiria para la creación/ampliación de un mercado interno, necesario para compensar la reducción del mercado externo (via exportaciones) como patrón de acumulación de las economías dependientes.

 En términos de economía política, lo que esta alternativa promueve es una contraposición extremadamente radical con intereses internos y externos de clases y franjas de clases que se benefician del actual patrón de acumulación del capitalismo dependiente. Esto implicaría una fuerte reacción de esos sectores, tanto económica como política, lo que exigiría de los campos alternativos  y críticos una fuerza política constituida para enfrentar la reacción, una base popular fuerte  y consciente; en síntesis, una acumulación de fuerzas y conciencia para enfrentar la lucha de clases que eso provocaría. Esta alternativa más estructural puede caracterizar los procesos del progresismo en países como Venezuela, Bolivia y Ecuador, sin desconsiderar todas las diferencias, contradicciones y matices de cada uno de ellos. Lo que importa marcar es que más allá de la radicalidad en su enfrentamiento al neoliberalismo, los gobiernos progresistas se apoyaron en un escenario externo favorable de la economía mundial, donde los precios de las commodities exportadas por estas economías subieron demasiado, al mismo tiempo en que las cantidades exportadas elevaban sus volúmenes. La expansión de las exportaciones y la fuerte entrada de capitales permitió fuentes de financiamiento para el crecimiento y para alguna redistribución de los ingresos generados, además de políticas sociales compensatorias y focalizadas. Pero, con la crisis de la economía mundial que estalla en el 2007, ese escenario externo favorable se hunde. El requisito para una política de conciliación de clase es que abunden los recursos. Cuando estos recursos escasean los gobiernos son obligados a elegir con cual clase social se quedan. Suele ser, en el capitalismo, que se mantiene la base con la clase capitalista. Es el fin del progresismo.

 El golpe que ocurrió recientemente en Brasil es ilustrativo de las disyuntivas en la región. De hecho, el ajuste y las reformas neoliberales ya estaban planteadas en Brasil, durante el gobierno Dilma, por lo menos desde el 2012. La retomada del neoliberalismo más duro es, por lo tanto, anterior al golpe. ¿Si es así, por qué entonces los sectores más reaccionarios del país implementaron el golpe? En esto hay varios elementos, de los cuales destacamos dos. Por un lado, se requiere una nueva ronda de privatizaciones y el grupo en el poder que las maneje puede orientar quienes serán los nuevos propietarios de esos espacios de valorización. Por otro lado, la revancha conservadora, en el momento en que la economía demuestre señales de recuperación, no está más dispuesta a conceder ningún tipo de conciliación de clase, de redistribución del crecimiento, por menor que sea, como lo fue durante los gobiernos del PT. El neoliberalismo, en esta etapa, no desea ningún tinte reformista. Es el fin del progresismo, incluso como posibilidad.