domingo, 4 de maio de 2014

Religião e moral

''Em um exame do mundo como um todo, percebe-se que cada progresso, por menor que seja,  melhor no código penal, cada passo na melhor direção do tratamento das raças de cor, cada mitigação da escravidão, cada progresso moral que ocorreu no mundo só ocorreu em oposição às igrejas organizadas do mundo. Digo de maneira bastante deliberada que a religião cristã, tal como ela é organizada em suas igrejas, foi e é o maior inimigo do progresso moral no mundo.'' - B. Russel

O curto artigo abaixo, homônimo ao título desse post, de autoria do filósofo e matemático britânico Bertrand Russel, foi publicado em 1952 e faz parte da coleção de textos reunidos no livro Why Am Not I Christian (Aqui lançado pela editora L&PM).

Religião e Moral

 Muita gente nos diz que, sem a crença em Deus, um homem não é capaz de ser nem feliz, nem virtuoso. No que diz respeito à virtude, posso falar apenas por observação, não por experiência pessoal. No que diz respeito à felicidade, nem a experiência nem a observação me levaram a pensar que quem tem fé é mais feliz ou infeliz, em média, do que aqueles que não a têm. É contumaz encontrar razões ''grandiosas'' para a infelicidade, porque é mais fácil manter o orgulho se for possível atribuir o infortúnio à falta de fé do que se for necessário atribuí-lo ao fígado. No que diz respeito à moralidade, muito depende de como se compreende esse termo. De minha parte, penso que as virtudes mais importantes são a gentileza e a inteligência. A inteligência é tolhida por qualquer credo, independente de qual seja, e a gentileza é tolhida pela crença no pecado e no castigo (essa crença, aliás, é a única que o governo soviético tomou do cristianismo ortodoxo).

 Existem diversas maneiras práticas pelas quais a moralidade tradicional naquilo que é socialmente desejável. Uma delas é a prevenção de doenças venéreas. Mais importante é a limitação da população. Avanços na medicina tornaram essa questão muito mais importante do que jamais o foi. Se as nações e raças que continuam se proliferando tanto quanto os britânicos há cem anos não mudarem seus hábitos relativos a esse aspecto, não haverá perspectivas para a humanidade além de guerras e pobreza. Isso é algo que todo estudante inteligente sabe, mas que continua a ser negado pelos dogmatistas teológicos.

 Acredito que a decadência das crenças dogmáticas só pode trazer o bem. Não hesito em reconhecer que os novos sistemas de dogmas, como aqueles dos nazistas e dos comunistas, são ainda piores do que os antigos, mas jamais teriam conseguido se apoderar do espírito dos homens se hábitos dogmáticos ortodoxos não lhes tivessem sido incutidos na infância. A linguagem de Stálin é cheia de reminiscências do seminário teológico em que recebeu sua educação. O que o mundo precisa não é de dogma, mas de uma atitude de investigação científica, combinada à crença de que a tortura de milhões não é desejável, seja ela infligida por Stálin ou por uma Divindade imaginada à semelhança dos que acreditam.

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