Onde o socialismo deu certo? Somos confrontados assim frequentemente ao falar sobre o socialismo. No primeiro turno das eleições presidenciais de 2010, por exemplo, tais perguntas se repetiram ad nauseam nas entrevistas do candidato Plínio de Arruda Sampaio (PSOL), que é declaradamente socialista.
Mas além de, na minha opinião, Plínio não ter respondido adequadamente, faltou-lhe questionar o pressuposto que essa pergunta apresenta como estabelecido. Este pressuposto é o de que o socialismo "não deu certo".
Em primeiro lugar, o que significa "dar certo"?
Em segundo lugar, o sistema tem que "dar certo" para quem?
Vamos dar uma olhada em que medida o socialismo e também o capitalismo "dão certo". Comecemos pelo socialismo cubano, um dos mais atacados.
Cuba sofre um bloqueio econômico por parte dos EUA há mais de 50 anos, o que lhe impede de ter relações comerciais não só com as empresas estadunidenses, mas também com empresas de diversos outros países devido à extensão do bloqueio. Além disso, Cuba é um país pobre e, como todos os outros países da América Latina, uma ex-colônia.
Portanto, o problema de Cuba não é o socialismo. Seu problema é a "pobreza" anterior ao socialismo, comum a todos os países do continente, com o enorme agravante de um bloqueio econômico criminoso que nenhum outro país da América sofre, e que nenhum outro país suportaria nem por 5 meses, quanto menos por 50 anos. Mas a despeito de todas as dificuldades, Cuba não se entrega e resiste bravamente, mantendo sua dignidade e sua soberania.
Quando dizem que o "modelo cubano" não funciona, os capitalistas pretendem comparar a riqueza dos países capitalistas com a pobreza dos cubanos.
Mas por que não comparar a pobreza dos países capitalistas com a pobreza dos países socialistas?
E então, o que encontramos ao comparar a "pobreza" dos cubanos com a literal miséria do restante da América? Cuba possui o melhor sistema de saúde público e gratuito de todo o continente. Seu sistema educacional gratuito abrange toda a população. Seu índice de analfabetismo é o menor da AL, assim como da desnutrição infantil. Seu índice de desenvolvimento humano (IDH) também é o maior.
Isso seria "dar certo" ou não? Vemos que isso depende dos parâmetros de avaliação, e também do para quem dá certo.
Vejamos o caso da União Soviética, URSS.
A Rússia virou o século XX como um país semi-feudal, que ainda possuía um tsar. A revolução ocorreu em 1917. O país passou por difíceis períodos de guerra civil, perdeu mais de 25 milhões de pessoas na II Guerra Mundial, foi devastado com a invasão alemã, mas mesmo assim se tornou uma potência mundial, contando apenas com suas próprias forças para isso, ao contrário dos países imperialistas que receberam uma boa fatia do Plano Marshall para se reerguer.
Seu avanço tecnológico chegou a tal ponto que foi o primeiro país a enviar o homem para o espaço (o astronauta Yuri Gagárin), em 1961.
Vejam bem: de semi-feudal em 1917, ano da revolução, a URSS estava enviando o homem para o espaço em 1961.
Num espaço de apenas 4 décadas o país, sob o socialismo, saiu do arado de madeira para o espaço sideral.
Neste parâmetro de avaliação, isso seria "dar certo" ou não?
Além de tudo aquilo que conhecemos através dos livros sobre os sistemas de saúde, de educação, de transportes, etc, já tive a oportunidade de conversar diretamente com um soviético (com quem trabalhei por um tempo) sobre como era a vida em seu país.
Ele, um cidadão comum da URSS, me disse que não conhecia pessoalmente nenhum indivíduo que não pudesse fazer faculdade, por exemplo. Me disse que não conhecia ninguém desempregado, e que o grande problema lá é que até faltava mão-de-obra. Lá ninguém era rico, mas também ninguém era "pobre".
É verdade que tanto na URSS como em todo o leste europeu houve um retrocesso ao capitalismo. Mas isso de forma alguma é um sinal de que o socialismo "não deu certo". O próprio capitalismo sofreu inúmeros retrocessos históricos antes de se estabelecer.
No caso do leste europeu há importantes fatores que determinaram este retrocesso e que quase nunca são colocados.
Em primeiro lugar, o leste europeu não se tornou socialista através de revoluções populares bem preparadas com um amplo trabalho de massas, apesar do enorme apoio dos partidos comunistas entre o povo. O socialismo foi implantado nesses países principalmente em virtude das circunstâncias existentes na Europa ao final da II Guerra Mundial.
Antes do término da guerra, esses países estavam sob governos fascistas, implantados por Hitler. Na famosa Conferência de Yalta chegou-se à conclusão de que eles não poderiam ser deixados "sozinhos" após a guerra, sob o risco da ameaça fascista ressurgir naquela região. Fixou-se então que a URSS ficaria encarregada por ela.
No entanto, os partidos comunistas desses países se encontravam desbaratados. Vários dos seus principais quadros e lideranças haviam sido assassinados pelos fascistas. Este foi um dos importantes fatores que não permitiram que o socialismo seguisse um rumo diferente do que poderia em condições normais.
Mas mesmo assim, quando comparamos o nível de desenvolvimento industrial desses países antes e depois da guerra (períodos capitalista e socialista), vemos como o socialismo avançou a indústria dessa "periferia" da Europa.
(A propósito, veja alguns dados comparando a situação do leste europeu nos períodos do socialismo e da volta ao capitalismo: Capitalismo, golpe fatal no Leste Europeu)
Além disso, ao contrário do que alguns costumam afirmar, não se pode considerar todo o leste europeu como "várias experiências" socialistas. Apesar das particularidades de cada país, todos constituem uma única experiência socialista, a experiência de praticamente um único modelo.
Enfim, o que essas e todas as experiências socialistas mostraram e continuam mostrando é que, ao contrário do que dizem, o socialismo é um sistema exequível.
A história não segue linearmente, como se fosse uma linha reta. O curso histórico talvez seja mais parecido com uma espiral, com seus recuos momentâneos. O próprio capitalismo sofreu diversos golpes e contra-revoluções em seu início, e demorou séculos para se estabelecer completamente. Por que esperar então que o socialismo fosse estabelecido de uma vez por todas com um só golpe?
Para finalizar, apresento agora alguns dados sobre o capitalismo e inverto a pergunta: o capitalismo "dá certo"? O capitalismo "funciona"? O que seria "dar certo" no capitalismo? Ele "funciona" para quem?
População mundial: 6,8 bilhões, dos quais:
1,02 bilhão têm desnutrição crônica (FAO, 2009)
2 bilhões não têm acesso a medicamentos (www.fic.nih.gov)
884 milhões não têm acesso a água potável (OMS/UNICEF 2008)
924 milhões de "sem teto" ou que vivem em moradias precárias (UN Habitat 2003)
1, 6 bilhão não tem eletricidade (UN Habitat, “Urban Energy”)
2,5 bilhões não tem acesso a saneamento básico e esgotos (OMS/UNICEF 2008)
774 milhões de adultos são analfabetos (www.uis.unesco.org)
18 milhões de mortes por ano devido à pobreza, a maioria delas de crianças com menos de 5 anos (OMS)
218 milhões de crianças, entre 5 e 17 anos, trabalham em condições de escravidão ou em tarefas perigosas ou humilhantes, como soldados, prostitutas, serventes na agricultura, na construção civil ou na indústria têxtil (OIT: A Eliminação do Trabalho Infantil: Um Objetivo a Nosso Alcance, 2006)
Entre 1988 e 2002, os 25% mais pobres da população mundial reduziram sua participação na riqueza global de 1,16% para 0,92%, enquanto que os 10% mais ricos acrescentaram mais riquezas, passando de 64,7 para 71,1% da riqueza produzida mundialmente. O enriquecimento de poucos tem como reverso o empobrecimento de muitos.
Só esse 6,4 % de aumento da riqueza dos mais ricos seria suficiente para duplicar a renda de 70% da população da Terra, salvando inumeráveis vidas e reduzindo as penúrias e sofrimentos dos mais pobres. Entenda-se bem: tal coisa seria obtida se tão só fosse redistribuído o enriquecimento adicional produzido entre 1988 e 2002, dos 10% dos mais ricos do planeta, deixando intactas suas exorbitantes fortunas. Mas nem sequer algo tão elementar como isso é aceitável para as classes dominantes do capitalismo mundial.
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