Tive, recentemente, um conversa cujas reflexões posteriores eu gostaria de expôr aqui. Debatíamos eu e um advogado sobre a questão do salário mínimo; este, segundo o profissional liberal, estava muito caro. Falei que, mesmo no valor atual, o salário mínimo só permite a sobrevivência, mas não uma vida ''de verdade'': um salário mínimo justo precisaria garantir uma boa educação, saúde de qualidade, acesso à cultura, etc. Ele, então, me propôs imaginar o caso de uma empregada que tivesse lá seus 4 filhos e um médico que ganhasse uns 15000 por mês e que tivesse esposa e 2 filhos. O médico, disse meu interlocutor, precisaria de uma boa casa, um bom carro, planos de saúde, escola de alto nível para seus filhos e uns outros luxos para a família, além de que teria pagar lá seus tributos ao Estado. Sairia-lhe, portanto, muito caro pagar um salário mínimo que permitisse à hipotética empregada, por sua vez, garantir uma vida de qualidade sequer razoável para seus filhos. O resultado seria o desemprego da mesma.
Que bela situação, não? O médico e sua família - genuínos representantes das classes média e altamente abastadas, tal como meu interlocutor - têm de ter coisas da melhor qualidade, mas a empregada e suas crianças, em contrapartida, podem continuar com sua vida medíocre, ainda que nenhum dos últimos tenha escolhido nascer pobre ou deixar de se qualificar profissionalmente. Não, companheiros, esta não é uma bela situação; é, na realidade, uma desgraça que resume a condição da humanidade no mundo moderno, no mundo capitalista: deixamos - pelo menos boa parte de nós deixou - de ver muitas pessoas como seres humanos para vê-las como coisas, como mercadorias. Entendemos o sacrifício diário dos pobres pelos ricos nas mais variadas conjunturas como algo natural, até mesmo desejável!
O mesmo advogado, durante o primeiro turno da disputa presidencial, disse que não votaria na Marina Silva porque ela seria, como este que vos escreve de fato é, socialista. Não é incomum que nós, socialistas e comunistas, ouçamos de gente como ele a ofensa de que somos totalitários, de que sacrificamos os indivíduos pelo coletivo. Oras, quem nessa conversa defendia a individualidade, a plena realização das potencialidades dos menos favorecidos? Quem defendia, afirmando que ''É preciso que certas pessoas fiquem com nesse nível inferior'', a opressão destes em favor dos relativamente mais poderosos?
Voltando à questão dos salários, é preciso lembrar que o argumento não é novo. Os bancos brasileiros, quando da aprovação de um salário mínimo por parte de Getúlio Vargas, fizeram um enorme estardalhaço, afirmando que a medida traria 30% de desemprego no setor; vários economistas ortodoxos - intelectuais a serviço da burguesia -, como Ludwig von Mises e Friedrich Hayek, afirmavam a mesma coisa. É preciso ser honesto aqui e dizer que eles não estão de inteiro errados; adaptando a fala de Marx, que seria meu herói caso eu tivesse heróis, um aumento de salários forçado seria uma anomalia que, deixando de lado todas as outras dificuldades, só poderia manter-se pela força. Mas Marx falava de condições exageradas, tal como já foi trabalhado aqui; um salário-mínimo tão básico como o que foi oficializado por Vargas e que foi ampliado e garantido agora às empregadas domésticas jamais teria efeitos semelhantes. A verdade é que os contratantes desses trabalhadores, querendo reduzir os custos ao mínimo possível e tendo para si que esses mesmos trabalhadores não passam de mercadorias e não seres humanos, não desejam abrir mão de seus luxos, e por isso distorcem a realidade para convencer aos mais humildes que, se estes não viverem mal, viverão ainda pior.
Alguns dos que também se chocaram diante de tal imundície propuseram reformas dentro do capitalismo: impostos progressivos, limitação do direito de herança, aumento dos salários etc. Essas medidas, que tiveram início após a crise de 1929 e que são conhecidas como keynesianas ou social-democratas, porém, levaram à crise econômica dos anos 70. A resposta dos capitalistas ao problema foi curta e grossa: fim dos programas de assistência social, privatização das empresas públicas, desregulamentação dos contratos de trabalho e do mercado em geral, dentre outras coisas; é o que se chamou de neoliberalismo. Em 2008, uma nova crise se espalhou pela economia mundial, provando que o problema real não está em uma ou outra agenda estratégica de diretrizes, mas no próprio capitalismo. A única maneira de garantir um padrão de vida aceitável a toda a humanidade e manter o desenvolvimento, companheiros, é o fim do próprio capitalismo, que, como qualquer transformação radical de uma sociedade em outra, só virá por meio de uma revolução. Quando isso acontecerá - ou mesmo se isso acontecerá -, não se sabe. Mas é a dura verdade que temos de suportar.
Cada um de nós deve escolher se continuará passivo ou se contribuirá para que tal mudança chegue o mais rápido possível e nós finalmente alcancemos um mundo justo e igualitário, onde reine o princípio de Marx: de cada um segundo suas capacidades a cada um segundo suas necessidades.
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