quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Foucault e as relações entre o saber e o poder


''Vivemos em uma sociedade que em grande parte marcha 'ao compasso da verdade' - ou seja, que produz e faz circular discursos que funcionam como verdade, que passam por tal e que detém, por esse motivo, poderes específicos.'' 
''(Deve-se) mostrar às pessoas que elas são muito mais livres do que pensam, que elas tomam por verdadeiro, por evidentes, certos temas fabricados em um momento particular da história, e que essa pretensa evidência pode ser criticada e destruída.''

 Michel Foucault, filósofo francês do século XX, renovou o pensamento social com suas reflexões sobre o poder na sociedade moderna em suas mais diversas formas. Uma das contribuições mais interessantes do (autodenominado) estruturalista foi o ''insight'' de que os valores - o bem e o mal, o verdadeiro e o falso, o certo e o errado, o sadio e o doente etc - são consagrados historicamente em função de interesses relativos a poder dentro da sociedade.

 Segundo ele, a definição do que é bom, do que é verdade, do que é sadio depende das circunstâncias em que o poder se encontra. Exemplos práticos: acreditava-se, entre os séculos XVII e XIX, que os negros (e asiáticos em geral) eram inferiores aos brancos; ainda no século XX, os homossexuais eram tidos como doentes. Ambas as teses receberam legitimação por meio do discurso científico. Na idade média, acreditava-se que a mulher era a corruptora do homem, responsável pela queda do paraíso. Tal tese recebeu legitimação pelo discurso religioso. Em tais casos, um determinado discurso falso tomou caráter social de verdade porque quem o pronunciou tinha reconhecimento social, status, poder. No entendimento de Foucault, esse poder não seria essencialmente um poder de repressão ou de censura, mas sim um poder criador, no sentido de que produz a realidade e seus conceitos. 

Foucault falando ao mega-fone ao lado de Jean-Paul Sartre, durante manifestação.

 Também esse controle das noções por parte de quem detém poder gera mecanismos de controle social e punição, cuja evolução Foucault acompanha no livro Vigiar e punir, uma genealogia do poder. Ele caracteriza a sociedade contemporânea como uma sociedade disciplinar, na qual prevalece a produção de práticas disciplinares de vigilância e controles constantes, que se estendem a todos os âmbitos da vida dos indivíduos. Uma das formas mais eficientes dessa vigilância e disciplina se dá, no seu entender, através dos discursos e práticas científicas, aparentemente neutras e racionais, que procuram normatizar o comportamento dos indivíduos. Isso se demonstraria pelo tratamento científico dado à sexualidade, no qual o comportamento sexual é normatizado por meio do convencimento racional dos indivíduos sobre os cuidados necessários à sua vida nesse âmbito. Desse modo, assumindo a forma do saber, o poder  atinge os indivíduos em seu corpo, em seu comportamento e em seus sentimentos. 

 Portanto, já que o poder se encontra em múltiplos espaços, a resistência a esse estado de coisas não caberia, segundo o filósofo, a um partido ou uma classe revolucionária, pois estes se dirigiriam a um único foco de poder. Seria necessária, portanto, a ação de múltiplos pontos de resistência.




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