segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

Tempo, trabalho e desenvolvimento das capacidades humanas




''Quando existe uma sociedade em que alguns vivem sem trabalhar (sem diretamente tomar parte na produção de valores de uso), é claro que a superestrutura inteira da sociedade tem como condição o trabalho excedente do trabalhador. São duas coisas o que eles recebem desse trabalho excedente. Primeiro: As condições materiais de vida, já que participam do produto e subsistem por ele e daquilo que o trabalhador fornece, além do produto que é requerido para a reprodução de sua própria capacidade de trabalho. Segundo: o tempo livre que eles têm à disposição, seja para o ócio, seja para o exercício das atividades não imediatamente produtivas (como, por exemplo, guerra, serviço público), seja para o desenvolvimento das aptidões humanas e potências sociais (arte, etc., ciência) que não perseguem qualquer finalidade prática imediata, esse tempo pressupõe o trabalho excedente do lado da massa trabalhadora, isto é, que ela tenha de empregar mais tempo na produção do que aquele requerido na produção de sua própria vida material. O tempo livre do lado das partes da sociedade que não trabalham se baseia no trabalho excedente ou trabalho extraordinário, no tempo de trabalho excedente das partes que trabalham, o livre desenvolvimento de um lado se baseia no fato de que os trabalhadores têm de utilizar todo seu tempo, portanto o espaço de seu desenvolvimento na mera produção de determinados valores de uso; o desenvolvimento das aptidões humanas de um lado baseia-se nos limites nos quais é mantido o desenvolvimento do outro lado. Nesse antagonismo se baseia toda civilização e desenvolvimento social até aqui. Por um lado, portanto, ao tempo livre de alguns corresponde o tempo de trabalho extraordinário do tempo subjugado ao trabalho de outros -- tempo de sua existência e atuação como mera capacidade de trabalho. Por outro lado, o trabalho excedente se materializa no produto excedente -- excedente da produção além da massa que a classe trabalhadora necessita e utiliza para sua própria subsistência. (...) A produção de tempo de trabalho excedente, de um lado, é simultaneamente a produção de tempo livre do outro lado. O desenvolvimento humano inteiro, na medida em que vai além do desenvolvimento imediatamente necessário à existência natural humana, consiste meramente na apropriação desse tempo livre e o pressupõe como base necessária. O tempo livre da sociedade é assim produzido por meio da produção de tempo não-livre que é prolongado, do tempo de trabalho do trabalhador prolongado além do tempo de trabalho exigido para sua própria subsistência. O tempo livre de alguns corresponde ao tempo de servidão de outros.''

- Karl Marx, Para a Crítica da Economia Política (Manuscrito de 1851-1853, cadernos I a IV), ''O caráter do trabalho excedente''.

"O tempo é o campo do desenvolvimento humano. O homem que não dispõe de nenhum tempo livre, cuja vida, afora as interrupções puramente físicas do sono, das refeições etc., está toda ela absorvida pelo seu trabalho para o capitalista, é menos que uma besta de carga. É uma simples máquina, fisicamente destroçada e espiritualmente animalizada, para produzir riqueza alheia."

- ___, Salário, Preço e Lucro

''A troca de trabalho vivo por trabalho objetivado, i.e., o pôr do trabalho social na forma de oposição entre capital e trabalho assalariado, é o último desenvolvimento da relação de valor e da produção baseada no valor. O seu pressuposto é e continua sendo a massa do tempo de trabalho imediato, o quantum de trabalho empregado como o fator decisivo da produção da riqueza. No entanto, à medida que a grande indústria se desenvolve, a criação da riqueza efetiva passa a depender menos do tempo de trabalho e do quantum de trabalho empregado que do poder dos agentes postos em movimento durante o tempo de trabalho, poder que – sua |poderosa efetividadei –, por sua vez, não tem nenhuma relação com o tempo de trabalho imediato que custa sua produção, mas que depende, ao contrário, do nível geral da ciência e do progresso da tecnologia [...]. A riqueza efetiva se manifesta antes [...] na tremenda desproporção entre o tempo de trabalho empregado e seu produto, bem como na desproporção qualitativa entre o trabalho reduzido à pura abstração e o poder do processo de produção que ele supervisiona. O trabalho não aparece mais tão envolvido no processo de produção quando o ser humano se relaciona ao processo de produção muito mais como supervisor e regulador. [...] Não é mais o trabalhador que interpõe um objeto natural modificado como elo mediador entre o objeto e si mesmo [...]. Ele se coloca ao lado do processo de produção, em lugar de ser o seu agente principal. Nessa transformação, o que aparece como a grande coluna de sustentação da produção e da riqueza não é nem o trabalho imediato que o próprio ser humano executa nem o tempo que ele trabalha, mas a apropriação de sua própria força produtiva geral, sua compreensão e seu domínio da natureza por sua existência como corpo social – em suma, o desenvolvimento do indivíduo social. O roubo de tempo de trabalho alheio, sobre o qual a riqueza atual se baseia, aparece como fundamento miserável em comparação com esse novo fundamento desenvolvido, criado por meio da própria grande indústria. Tão logo o trabalho na sua forma imediata deixa de ser a grande fonte da riqueza, o tempo de trabalho deixa, e tem de deixar, de ser a sua medida e, em consequência, o valor de troca deixa de ser [a medida] do valor de uso. O trabalho excedente da massa deixa de ser condição para o desenvolvimento da riqueza geral, assim como o não trabalho dos poucos deixa de ser condição do desenvolvimento das forças gerais do cérebro humano. Com isso, desmorona a produção baseada no valor de troca, e o próprio processo de produção material imediato é despido da forma da precariedade e contradição. [Dá-se] o livre desenvolvimento das individualidades e, em consequência, a redução do tempo de trabalho necessário não para pôr trabalho excedente, mas para a redução do trabalho necessário da sociedade como um todo a um mínimo, que corresponde então à formação artística, científica etc. dos indivíduos por meio do tempo liberado e dos meios criados para todos eles. O próprio capital é a contradição em processo, [pelo fato] de que procura reduzir o tempo de trabalho a um mínimo, ao mesmo tempo que, por outro lado, põe o tempo de trabalho como única medida e fonte da riqueza. Por essa razão, ele diminui o tempo de trabalho na forma do trabalho necessário para aumentá-lo na forma do supérfluo; por isso, põe em medida crescente o trabalho supérfluo como condição – questão de vida e morte – do necessário. Por um lado, portanto, ele traz à vida todas as forças da ciência e da natureza, bem como da combinação social e do intercâmbio social, para tornar a criação da riqueza (relativamente) independente do tempo de trabalho nela empregado. Por outro lado, ele quer medir essas gigantescas forças sociais assim criadas pelo tempo de trabalho e encerrá-las nos limites requeridos para conservar o valor já criado como valor. As forças produtivas e as relações sociais – ambas aspectos diferentes do desenvolvimento do indivíduo social – aparecem somente como meios para o capital, e para ele são exclusivamente meios para poder produzir a partir de seu fundamento acanhado. De fato, porém, elas constituem as condições materiais para fazê-lo voar pelos ares.''

- ___, Fundamentos da Crítica da Economia Política ('Grundrisse')

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