sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Meu Professor de História Mentiu Pra Mim: mais uma página do facebook espalhando merda pela internet



Nêgo disse que a inquisição foi um marco civilizatório e humanista na jurisprudência da idade média. Vamos ver o que o padre Friedrich Von Spee tem a dizer sobre o processo de julgamento na inquisição? Trecho de ''Cautio Criminalis'':
''1. Por incrível que pareça, entre nós, alemães, e especialmente
(envergonha-me dizê-lo) entre católicos, há superstições populares, inveja,
calúnias, difamações, insinuações e similares que, ao não ser punidas nem
refutadas, levantam a suspeita de bruxaria. Já não é Deus ou a natureza,
as bruxas são as responsáveis por tudo.
2. Por isso, ergue-se um clamor da população para que os magistrados investiguem às
bruxas... a quem só a intriga popular tem feito tão numerosas.
3. Os príncipes, em conseqüência, pedem a seus juizes e conselheiros que
abram os processos contra as bruxas.
4. Os juizes mal sabem por onde começar, pois não têm evidência ou prova.
5. Enquanto isso, as pessoas consideram suspeita essa demora; e os príncipes são persuadidos disso por um ou outro informante.
6. Na Alemanha, ofender a estes príncipes é um sério delito; até os
sacerdotes aprovam o que possa lhes agradar sem preocupar-se de quem
instigou aos príncipes (por muito bem intencionados que sejam).
7. Ao final, portanto, os juizes cedem a seus desejos e conseguem começar
os julgamentos.
8. Os juizes que se atrasam, temerosos de ver-se envoltos em assunto tão
espinhoso, recebem um investigador especial. Neste campo de investigação,
toda a inexperiência ou arrogância que se aplique à tarefa se considera zelo da
justiça. Este zelo também se vê estimulado pela expectativa de benefício,
especialmente para um agente pobre e avaro com uma família numerosa,
quando recebe como estipêndio tantos dólares por cabeça de bruxa queimada,
além das taxas incidentais e gratificações que os agentes instigadores têm
licença para arrancar a prazer daqueles aos que convocam.
9. Se os delírios de um louco ou algum rumor malicioso e ocioso
(porque não se necessita nunca uma prova do escândalo) apontam para alguma
pobre mulher inofensiva, ela é primeira em sofrer.
10. Entretanto, para evitar a aparência de que a acusa unicamente sobre a
base de um rumor, sem outras provas, obtém-se uma certa presunção de
culpabilidade ao expor o seguinte dilema: ou levou uma vida má e imprópria,
ou levou uma vida boa e própria. Se for má, deve ser culpada. Por outro lado,
se sua vida foi boa, é igual de imperdoável; porque as bruxas sempre disfarçam
com o fim de aparecer especialmente virtuosas.
11. Assim, a velha é encarceirada na prisão. Encontra-se uma nova prova
mediante um segundo dilema: ela tem medo ou não. Se o tiver (ouvindo falar das horríveis torturas que se utilizam contra as bruxas), é uma prova
segura; porque sua consciência a acusa. Se não mostrarmedo (confiando em
sua inocência), também é uma prova; porque é característico das bruxas simular
inocência e levar a frente alta.
12. Para que estas não sejam as únicas provas, o investigador faz que
seus detetives, freqüentemente depravados e infames, vasculhem em sua vida
anterior. Isto, certamente, não pode fazer-se sem que apareça alguma frase ou
ato da mulher que homens tão bem dispostos possam torcer ou distorcer para
convertê-lo em prova de bruxaria.
13. Qualquer pessoa que lhe queira mal agora tem grandes oportunidades de
fazer contra ela as acusações que deseje; e todo mundo diz que as evidências contra
ela são consistentes.
14. E assim apressa-se o caminho à tortura, a não ser, como acontece freqüentemente, que seja torturada no mesmo dia de sua detenção.
15. Nesses julgamentos não se permite a ninguém ter advogado nem
qualquer meio de defesa justa porque a bruxaria se considera um delito
excepcional [de tal enormidade que se podem suspender todas as normas legais
de procedimento], e quem se atreve a defender à prisioneira cai sob suspeita de
bruxaria pessoalmente... assim como os que ousam expressar um protesto
nestes casos e apressam aos juizes a exercitar a prudência, porque a partir de
então recebem o qualificativo de defensores da bruxaria. Assim, todo
mundo se cala por medo.
16. A fim de que possa parecer que a mulher tem uma oportunidade de
defender-se a si mesmo, levam-na ante o tribunal e se procede a ler e examinar
—se é que se pode chamar assim— os indícios de sua culpa.
17. Até no caso que negue essas acusações e responda adequadamente a
cada uma delas, não lhe emprestam atenção e nem sequer anotam suas
respostas; todas as acusações retêm sua força e validade, por mais perfeitas que
sejam as respostas (da réu). Ela é mandada de volta à prisão, para considerar mais cuidadosamente se vai persistir em sua obstinação- pois, como já negou sua culpa, ela é obstinada.
18. Ao dia seguinte, ela volta a comparecer no tribunal e ouve uma ordem de tortura- como se ela nunca tivesse refutados as acusações.
19. Antes da tortura, entretanto, ela é revistada para verificarem se não tem amuletos; todo o seu corpo é raspado, e mesmo as partes privadas que indicam o sexo femino são lascivamente examinadas.
20. O que há de tão chocante nisso? Os padres são tratados da mesma maneira.
21. Quando a mulher foi raspada e revistada, torturam-na para lhe fazer
confessar a verdade, quer dizer, para que declare o que eles querem, porque
naturalmente não há outra coisa que seja nem possa ser a verdade.
22. Começam com o primeiro grau, quer dizer, a tortura menos grave.
Embora excessivamente severa, é suave comparada com as que seguirão. Assim, se
confessar, dizem que a mulher confessou sem tortura!
23. Ora, que príncipe pode duvidar da culpa da mulher, quando lhe informam que ela confessou sem tortura?
24. Assim ela é condenada à morte sem escrúpulos. Mas a teriam executado
mesmo que não tivesse confessado; porque, assim que a tortura começou, os dados estão lançados; não pode escapar, tem que morrer à força.
25. O resultado é o mesmo tanto se confessar como se não. Se confessar,
sua culpa é clara: é executada. Qualquer retratação é em vão. Se não confessar,
a tortura se repete: dois, três, quatro vezes. Em delitos excepcionais, a tortura
não tem limite de duração, severidade ou freqüência.
26. Se, durante a tortura, a velha distorce as feições de dor, dizem
que ela está rindo; se desmaia, é que está dormindo ou enfeitiçou a si própria, tornando-se taciturna. E, se é taciturna, merece ser queimada viva, como ultimamente tem sido feito com algumas que, embora torturadas várias vezes, não se dispuseram a dizer o que os investigadores queriam ouvir.
27. E até os professores e os padres concordam que ela morreu obstinada e
impenitente; que não quis se converter,nem abandonar seu íncubo, mantendo-se fiel à ele.
28. Entretanto, se ela morre de tanta tortura, dizem que o diabo quebrou-lhe
o pescoço.
29. Por isso, o cadáver é enterrado debaixo da forca.
30. Por outro lado, se ela não morre sob tortura e se algum juiz
excepcionalmente escrupuloso hesita em torturá-la mais sem maiores provas ou
queimá-la sem confissão, mantêm-na na prisão e a encadeiam com a máxima
dureza para que apodreça até que ceda, embora possa passar um ano inteiro.
31. Ela nunca consegue se ver livre das acusações. O comitê investigador cairia em
desgraça se absolvesse uma mulher; uma vez presa e acorrentada, ela tem que ser
culpado, por meios justos ou infames.
32. Enquanto isso, sacerdotes ignorantes e teimosos atormentam a infeliz
criatura a fim de que, seja certo ou não, ela se confesse culpada; se não confessar, dizem eles, não poderá ser salva, nem receber os sacramentos.
33. Sacerdotes mais compreensivos ou cultos não podem visitá-la no
cárcere para evitar que lhe dêem conselho ou informem aos príncipes do que
ocorre. O mais temível é que apresentem algo que demonstre a inocência da
acusada. Quem tenta tal coisa é chamado de criador de encrenca.
34. Enquanto a mantêm na prisão e sob tortura, os juizes inventam
estratagemas inteligentes para reunir novas provas de culpa que a condenem sem sombra de dúvida de modo que, ao revisar o julgamento, um professor de
universidade possa confirmar que ela devia ser queimada viva.
35. Há juizes que, para aparentar uma escrupulosidade suprema, fazem
exorcizar à mulher, transferem-na à outra parte e voltam à torturá-la, para
romper seu silêncio; se ela continua calada, eles podem finalmente queimá-la.
Agora bem, em nome do Céu, eu gostaria de saber: já que a que confessa e a que não confessa morrem ambas do mesmo modo, como pode escapar alguém por mais
inocente que seja? Oh mulher infeliz, por que concebeste esperanças precipitadas?
Por que, ao entrar no cárcere, não admitiu em seguida tudo o que eles queriam? Por
que, mulher insensata e louca, desejou morrer tantas vezes quando poderia ter
morrido só uma? Segue meu conselho e, antes de suportar todos estes maus,
declare-se culpada e morra. Você não escapará, porque isso seria uma desgraça
catastrófica para o zelo da Alemanha.
36. Depois que, sobre o estresse da dor, a bruxa confessou, sua situação é
indescritível. Não só não pode escapar, mas também também se vê obrigada a
acusar a outras que não conhece, cujos nomes são frequentemente colocados em sua
boca pelos investigadores ou sugeridos pelo carrasco, ou pessoas de quem ouviu falar como suspeitas ou acusadas. Essas, por sua vez, se vêem forçadas a acusar a outras, e essas, a outras, e assim sucessivamente: quem não vê que o processo continuará infinitamente?
37. Os juizes devem suspender esses julgamentos (e assim negar sua
validez) ou então queimar seu próprio povo, a eles mesmos e a todos os demais; porque todos, antes ou depois, são acusados falsamente; e, depois da tortura, sempre se demonstra que são culpados.
38. Assim, finalmente, aqueles que primeiro levantaram bem alto a sua voz para alimentar as chamas acabam eles próprios, pois precipitadamente deixaram de ver que a sua vez também chegaria. Assim, o céu pune justamente aqueles que com suas línguas pestilentas criaram tantas bruxas e enviaram tantos inocentes para a fogueira...''

Pois é, né. Só que o Spee não deixa clara os métodos de tortura que eram usados na inquisição. Para isso, vamos ler um pouco do livro The encyclopedia of witchcraft and demonology, de Russel Hope Robbins:
''Pode-se dar uma olhada em algumas das torturas especiais em Bamberg: por exemplo, fazer a acusada ingerir a força arenques cozidos com sal e depois negar-lhe água- um método sofisticado, empregado lado a lado com a imersão da acusada em banhos de água escaldante a que fora acrescentada cal. Outras maneiras de torturar as bruxas compreendiam o cavalo de madeira, vários tipos de rodas, a cadeira de ferro incandescente, os tornos para as pernas (botas espanholas), e grandes botas de couro ou metal em que se despejava água fervendo e chumbo derretido (com os pés dentro, é claro). Na tortura da água, question de l'eau, despejava-se água pela garganta da acusada, junto com um pano macio para que ela engasgasse. O pano era rapidamente puxado para fora, de moda a dilacerar as entranhas da garganta da torturada. Os anjinhos (grésillons) eram um torno destinado a comprimir o polegar e o dedão do pé até a raíz da unha, para que o esmagamento do dedo causasse uma dor excruciante''.

E tudo isso aí com a bênção da ICAR, que só aboliu a tortura inquisitorial em 1816, enquanto a Holanda, berço do iluminismo, realizou a última execução por bruxaria em 1610. Que diferença, hein? Pois é. E ainda dizem por aí que a inquisição foi um marco humanista na história da humanidade e da idade média.

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