sábado, 4 de março de 2017

Roberto Requião: o que o governo espera da PEC 241/55



Roberto Requião é Senador da República no segundo mandato. Foi governador do Paraná por três mandatos, prefeito de Curitiba e deputado estadual. É graduado em direito e jornalismo com pós-graduação em urbanismo e comunicação.  



Qualquer pessoa que tenha um mínimo de bom senso pode se dispensar de ler o papelório e concentrar-se exclusivamente na página 21, sob o título “Como o reequilíbrio das contas ajudará na retomada do crescimento econômico”.

Vejamos, um a um, cada efeito que [Henrique] Meirelles anuncia em relação à nova PEC. No total são seis consequências.

Na essência, trata-se do que o governo espera da aprovação da medida. É claro que se alguma delas não funcionar, mas outras funcionarem, teremos um resultado razoável. A economia, todos sabemos, não é uma ciência exata.

Entretanto, que tal se todos os resultados são a mais acabada falácia, produto exclusivo da imaginação de Meirelles? Veja-se uma a uma.

1.Primeiro efeito da PEC, segundo Meirelles: “Aumento da confiança”

Nada mais falso.

Não é o reequilíbrio das contas que ajudará na retomada do crescimento econômico, mas a existência de demanda efetiva na economia, isto é, o fato de os consumidores terem renda, emprego e disposição para comprar.

O investidor produtivo tem em vista o mercado, não as intenções do Meirelles ou sua demagogia neoliberal e mistificadora.

Enfim, confiança empresarial é efeito do crescimento econômico, não a causa.

2. Segundo efeito: “Retomada do investimento privado.”

Outra ficção. Como eu, investidor, vou investir se a economia está numa depressão de cerca de 8% acumulados em dois anos, a taxa de desemprego alcança quase 12% e a renda está em queda?

Vou investir em produção e quem vai comprar? Na verdade, a confiança que se está construindo é exclusivamente para os especuladores financeiros que não dependem de demanda de produtos e serviços, mas da disposição do governo de pagar juros escorchantes sobre a dívida pública, objetivo último da PEC.

3. Terceiro efeito: “Crescimento econômico. ”

Não há a mais remota possibilidade de algum crescimento econômico resultar de um regime fiscal de congelamento de gastos correntes e de investimento. Crescimento econômico, numa situação de depressão como a em que estamos, exige ampliação de gastos fiscais, sejam gastos correntes, sejam de investimentos.

Essa é a primeira lição de uma economia estimulada por métodos keynesianos. O efeito de crescimento do déficit fiscal é imediato, como se reconhece no próprio documento de Meirelles, só que mascarado por um raciocínio falacioso sobre o aumento da dívida, que na verdade cai como relação ao PIB.

4. Quarto efeito: “Emprego e renda.”

Outra absoluta falácia. Emprego e renda são resultantes de uma economia em crescimento e só aparecem na primeira fase de um processo de expansão quando fruto de uma política deliberada de gastos públicos deficitários, nunca do congelamento de despesas fiscais.

Já o crescimento derivado da ampliação de gastos públicos deficitários contribui para a expansão do emprego e da renda, gerando um círculo virtuoso de crescimento da economia, e reduzindo a relação dívida/PIB.

5. Quinto efeito: “Mais recursos disponíveis para investimento e consumo.”

É inteiramente falso!

Na medida em que o setor público congela os gastos orçamentários, é imediatamente reduzida a demanda de bens e serviços do próprio setor público sobre a economia privada, congelando as oportunidades de investimento e consumo reais, não financeiros.

Se a economia está em depressão, como é o nosso caso, o setor privado, mesmo que tenha recursos disponíveis para investimentos – como de fato tem, aplicados na dívida pública -, não realiza investimentos reais porque não tem demanda, conforme mencionado.

6. Sexto efeito: “Queda de juros estrutural.”

Esta é a mãe de todas as falácias. A taxa básica de juros, chamada Selic, nada deve às forças de mercado ou mesmo ao regime fiscal proposto por Meirelles.

Ela obedece exclusivamente às determinações do Copom [Comitê de política monetária], que por sua vez condiciona as decisões do Banco Central.

É o Banco Central, em última instância, que determina a taxa de juros. E na prática ele obedece às determinações do mercado financeiro especulativo, comandado pelo Itaú e Bradesco. Afirmar que a taxa de juros “estrutural” – aliás, não se sabe o que é isso – vai cair por conta do regime fiscal proposto é enganar a sociedade brasileira.

E preservar uma política monetária criminosa.

Conclusão:

Se as postulações de Meirelles são todas falsas, quais são, afinal, os objetivos ocultos contidos na PEC-55? Em síntese, trata-se de dar o passo final na construção do Estado Mínimo, conforme a pressão constante sobre a economia brasileira exercida pelos formuladores do Consenso de Washington. Para isso, é fundamental destruir o incipiente Estado de Bem-estar Social que construímos a fim de garantir espaço para a especulação financeira. Isso se constata pela proposição de congelamento valor real dos direitos sociais previstos na Constituição, com o silêncio absoluto em relação a medidas para gravar tributariamente o sistema financeiro.

Embutido nessa PEC está igualmente o propósito de reverter o processo de industrialização brasileira de forma a nos tornar uma economia exclusivamente agroexportadora, com o mínimo de mão de obra e salários relativamente mais baixos.

Isso se daria com fraca contribuição ao mercado interno que, de outra parte, se considerará dispensável tendo em vista a forte concentração de terras (inclusive em mãos estrangeiras) e produção a ser exportada.

A manipulação financeira, ao final, há de coroar, no modelo Meirelles, a desestruturação da indústria como consequência de uma política cambial assassina da produção.

Diante da obsessão com o tema, convém considerar que o valor absoluto da dívida pública não é relevante para a avaliação da saúde financeira de um país.

Relevante é a relação dívida/PIB, ou seja, a dívida como proporção do produto interno bruto.

Mais importante que a própria relação dívida/PIB é a taxa de juros que remunera a dívida pública, normalmente fixada pelo Banco Central.

Uma taxa de juros baixa aplicada a uma dívida pública elevada – por exemplo, a japonesa ou americana – não traz qualquer complicação ao gerenciamento de um país.

Entretanto, uma taxa de juros alta aplicada a uma dívida mesmo baixa implica uma tremenda transferência de renda do setor público, ou dos pobres em geral, para os especuladores financeiros. Vejamos a situação brasileira e americana. Nos Estados Unidos, os títulos públicos são remunerados no máximo a 3%.

No Brasil, a 12%. Com isso pagamos relativamente muito mais juros sobre dívida pública que os americanos, embora a dívida deles seja da ordem de 16 trilhões de dólares e a nossa de 4 trilhões de reais.  

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