sábado, 18 de março de 2017

''Soberania do consumidor'' no capitalismo é uma piada (de mau gosto)

Um típico retardado que acreditava (ou fingia acreditar) em ''soberania do consumidor'': o apologista austríaco do capitalismo Ludwig von Mises  

 Sim, esse post foi inspirado pela recente polêmica envolvendo as gigantes da produção de carne JBS e BRF, mas diria que ao menos à primeira vista não se aplica diretamente ao caso, visto que este se assemelha mais à assimetria de informações entre ofertadores e clientes. Ainda assim, podemos dizer que os elementos trazidos nos excertos abaixo ajudam a questionar se, caso as relações de produção não fossem outras -- isto é, se a produção não tivesse como finalidade a satisfação das necessidades das pessoas, e não a maximização de lucro --, veríamos esse tipo de coisa. E mais: são um balde de água fria na consciência ingênua que crê ser o capitalismo um paraíso do consumo e da harmonia de interesses.

''O consumidor não é mais livre do que o produtor. Sua opinião estabelece-se na relação entre seus meios e suas necessidades. Uns e outras são determinados pela sua situação social, ela mesma dependente de toda a organização social. Sim, o operário que compra batatas e a mulher teúda e manteúda que compra seus vestidos de seda seguem ambos a sua própria opinião. A diversidade, porém, de suas opiniões se explica pela diferença de posições que ocupam no mundo, a qual é produto da organização social.'' - Karl Marx, Miséria da Filosofia, 1847. 

"Contradição do modo de produção capitalista: os trabalhadores são importantes para o mercado, enquanto compradores de mercadorias. Mas, como vendedores de sua mercadoria, a força de trabalho, tem a sociedade capitalista a tendência para rebaixá-los ao menos preço possível. -- Outra contradição: as épocas em que a produção capitalista emprega todas as suas forças revelam-se, em regra, épocas de superprodução, pois as forças de produção nunca podem ser empregadas além do ponto em que, além de se produzir mais valor, é possível realizá-lo; a venda das mercadorias, a realização do capital-mercadoria e, portanto, da mais-valia, está porém limitada, não pelas necessidades de consumo da sociedade, mas pelas necessidades de consumo de uma sociedade em que a maioria é pobre e está sempre condenada à pobreza." - Karl Marx, O Capital, livro II: o processo de circulação do capital, 1885.  

''Em primeiro lugar, dentro do capitalismo, a demanda efetiva é apenas em parte uma questão de preferência dos consumidores. Ainda mais importante é a questão básica da distribuição de renda, que por sua vez é um reflexo das relações de produção ou, em outras palavras, do que os marxistas chamam de estrutura de classes da sociedade. Marx foi enfático quanto a esse ponto. (...) Os economistas ortodoxos, embora a maioria deles aborde o problema do valor através de uma teoria da preferência dos consumidores, têm sido geralmente obrigados, na prática, a reconhecer a primazia da produção e da distribuição da renda, sempre que atacam as questões da evolução econômica.'' - Paul Marlor Sweezy, Teoria do Desenvolvimento Capitalista, 1956.

''Há primeiro toda a questão da formação e do papel das preferências do consumidor. Por muito tempo, a opinião padrão, embora raramente articulada, da economia burguesa foi que as preferências dos consumidores são uma emanação da natureza humana, subindo numa escada sem fim das necessidades mais simples de alimento, roupas e abrigo e até as exigências da sensibilidade educada por todos os refinamentos e luxos da civilização desenvolvida. Em todos os níveis de renda as necessidades e desejos são idênticos e universalmente partilhados. Segue-se automaticamente que, à parte a distribuição da renda, sobre a qual podem existir diferenças legítimas de opinião, e à pare a provisão de bens e serviços que só podem ser consumidos coletivamente, é absolutamente impossível formular um argumento racional contra permitir que as preferências do consumidor desempenhem o papel dominante na determinação da alocação de recursos e na composição da produção social. Precisamente quando esta opinião foi contestada pela primeira vez eu não sei, mas ela certamente passou pelo que pode ser chamado de interrogatório preliminar tão cedo quanto o trabalho pioneiro de [Arthur] Pigou sobre a economia do bem-estar; e nos últimos anos ela tem sido submetida ao ataque combinado de várias direções (xepeiros de corrupções administrativas como Vance Packard, [John Kenneth] Galbraith etc). O argumento desses iconoclastas burgueses naturalmente é que as preferências dos consumidores são manipuladas pelos anunciantes e vendedores monopolistas e que os desejos portanto não refletem mais as verdadeiras necessidades, e toda a explicação da 'soberania do consumidor' está portanto desacreditada.
 A reação [da teoria econômica] ortodoxa a esta linha de argumentos tem sido geralmente admitir que há alguma verdade nela mas não o suficiente para invalidar o argumento subjacente de respeitar as preferências do consumidor. É verdade que as pessoas não precisam de carros cobertos de cromados com modelos novos todos os anos, mas precisam de carros;  e, como o fracasso do Edsel e a popularidade crescente dos carros econômicos importados mostram, há limites à sua manipulabilidade. Os excessos tendem assim a produzir seus próprios corretivos, e os custos sociais envolvidos afinal de contas não são tão grandes assim.
 Se o debate está limitado a esse nível, parece-me que os ortodoxos levam claramente a melhor. Mas do ponto de vista radical estes argumentos e contra-argumentos nem sequer arranham a superfície do problema. O que é esta necessidade de carros? Ela é bastante real, não há dúvidas quanto a isso. Segundo uma pesquisa da Gallup, 81% dos operários americanos vão e vêm do trabalho de automóvel (New York Times, 30 de maio de 1971). A maioria deles não pode chegar lá de qualquer outra maneira, portanto sua necessidade de carros é tão verdadeira quanto a sua necessidade de emprego. Mas esta é uma necessidade que emana da natureza humana, ou uma necessidade que foi criada por um certo tipo de sociedade? A resposta naturalmente é óbvia. Segue-se que para comprar um tipo de carro ou outro, mas se a sociedade que torna necessário ter um carro a fim de ir para o trabalho tem algum sentido. Note que o que está em discussão aqui não é só o meio de transporte porém, mais importante ainda, um padrão locacional que implica a separação universal da residência e do trabalho. Não só este padrão de separação é um fenômeno muito recente historicamente, como existe também desta forma extrema apenas nos Estados Unidos. (A pesquisa Gallup mencionada acima também descobriu que na Alemanha Ocidental, o segundo país que mais usa carros dos sete investigados, só 45% dos trabalhadores viajam de carro, ao passo que 22%, comparados com apenas 6% nos Estados Unidos, vão a pé para o trabalho.)'' - Paul Marlor Sweezy, Comentário [sobre o livro ''A economia política da nova esquerda''], 1972.

''[Na economia dependente latino-americana] a estrutura do consumo individual corresponde à distribuição da renda, que compreende a mais-valia não acumulada [incluindo, portanto, parcela dos lucros, juros e renda da terra] e o capital variável [salários]. Já vimos como a superexploração do trabalho [isto é, a remuneração da força de trabalho abaixo de seu valor] corresponde  á elevação da taxa de mais-valia; é normal, portanto, que a parte relativa à mais-valia não acumulada aumente em detrimento da que se refere ao capital variável. Nisso reside a razão da distribuição de renda altamente concentrada que encontramos na economia dependente, na qual, no melhor dos casos, apenas 20% da população têm níveis de consumo aceitáveis ou mais que aceitáveis, enquanto 80% vivem em condições de baixo consumo.'' - Ruy Mauro Marini, El ciclo del capital en la economia dependente, 1979.

''Adam Smith, antecipando em vários aspectos a análise de Marx, reconheceu explicitamente que a principal razão que explicava a tendência dos salários no sentido do nível de subsistência era a maior força contratual dos 'masters' (os capitalistas) em relação aos trabalhadores, derivada seja do apoio estatal, seja da maior facilidade dos 'masters' para unirem-se (na maioria dos casos, tacitamente), seja de sua maior capacidade de resistir por longo tempo em caso de lutas, greves, etc. De acordo com este ponto de vista mais flexível que o de Ricardo, ele afirmou que um rápido crescimento econômico podia levar a um aumento de salários, criando uma escassez de trabalhadores que induziria os 'masters' a romper seu tácito acordo de não aumentar os salários; ao passo que admitiu poderem os salários cair inclusive aquém do nível de subsistência num contexto de declínio da sociedade.
Marx desenvolveu tais indicações de Smith numa teoria cíclica do nível de salários, o qual termina por depender da interação entre salário efetivo e volume do 'exército industrial de reserva' dos desempregados. Os aumentos de salário real acima da subsistência obtidos durante um período de rápida acumulação e desemprego diminuído seriam anulados em razão das inovações técnicas e da acumulação mais lenta, que, causadas pelo aumento do salário, reconstituiriam afinal o 'exército industrial de reserva'.
'Demonstra-se assim que estes autores tiveram em comum não tanto a ideia de um salário determinado pelo nível de subsistência quanto a concepção mais geral de um salário regulado por forças econômicas e sociais' (...).'' - Pierangelo Garegnani e Fabio Petri, Marxismo e teoria econômica hoje, 1989.




sábado, 4 de março de 2017

Plano Real: o mito da estabilidade e do crescimento, por Nildo Ouriques

originalmente publicado em Diplomatique, 14 de agosto de 2014

Nildo Ouriques é professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais e membro do Instituto de Estudos Latino-americanos da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) . Email: nildo@cse.ufsc.br


A vida sustentada pelo antigo mito da estabilidade em que se apoiaram os governos tucanos já não é mais possível e, de certa forma, tampouco o governo petista pode manter o controle da situação apenas com o “princípio de transformação da matéria mítica”, o crescimento


O Plano Real é o maior pacto de classe conquistado pela burguesia brasileira após abril de 1985. Fernando Henrique Cardoso lançou mão da antropologia estrutural de Lévi-Strauss para justificar sua adoção poucos dias antes de sua eleição para a Presidência da República ao assinalar o caráter simbólico, de extração mítica, da estabilização monetária. “A minha experiência de campanha é a seguinte: tudo aqui é simbólico. Você necessita criar um mito. E tem que contar a mesma história repetindo quem é bom e quem é mau. Tem que ter dois ‘Y’ e vai mudando na estrutura do mito, como Lévi-Strauss. É binário: o bem e o mal. Tem que contar durante toda a campanha de várias maneiras, o mesmo mito. Em nosso caso é a moeda. O que é o mal? A inflação. O que é o bem? A estabilização. Foi o que fizemos. A cada momento eu ataco outra vez o mito principal. Mito no sentido antropológico. Você tem que chegar à estrutura mais elementar e insistir nela. A cada três ou quatro programas eu volto ao assunto. O real é bom, a inflação é má. Quem está com a inflação são os maus, quem está com o real são os bons. Foi apenas isso.” (Veja, 27 set. 1994)

Enfim, o mito da moeda forte deu a eleição a FHC. No entanto, ainda que exale certa elegância, a lição estava incompleta. A antropologia estrutural de Lévi-Strauss, o antropólogo francês, revela a estrutura binária do mito, mas indica também, em outro texto, a importância da “morte dos mitos”, algo útil para analisar a situação atual quando observamos sinais de exaustão social com a estabilidade monetária.

No contexto brasileiro, quando as dificuldades do Plano Real se revelaram no segundo mandato de FHC e amplos setores sociais começaram a exigir o crescimento econômico, ocorreu o “princípio de transformação da matéria mítica”, ou seja, do mito da estabilidade nasceu o mito do crescimento econômico. Na primeira fase – os dois mandatos de FHC –, a função do mito garantiu a necessidade burguesa da estabilidade monetária. O ativismo sindical da época inflacionária não somente desacreditava o mercado, como indicou o comportado Keynes, mas, sobretudo, permitia que a luta dos trabalhadores para recuperar o poder de compra corroído pela inflação alta impulsionasse níveis de consciência crítica maior no sindicalismo brasileiro. No período presidencial de Lula, quando a estabilidade já era “pão comido” e as novas gerações já não se iludiam com o fantasma da volta da inflação – na realidade, estavam muito mais interessadas na luta contra os baixos salários –, surgiu no final do primeiro mandato (2003-2006) o mito do crescimento, ou seja, o princípio da transformação da matéria mítica que consta na antropologia estrutural do professor francês que se fez intelectual na colonização da USP.

Não há, portanto, oposição entre a fase neoliberal do Plano Real (governo FHC) e a emergência da fase desenvolvimentista (governos Lula e Dilma). Há, antes de tudo, necessária continuidadeentre os dois governos, ainda que a fabricação da opinião pública insista na oposição partidáriaentre petistas e tucanos, como se, de fato, ambos não compartilhassem a mesma razão economia-política. Na prática, tem razão Gilberto Vasconcellos ao afirmar a existência do “petucanismo”, essa perversa forma de dominação burguesa que perpetua o desenvolvimento do subdesenvolvimentono país, limitando o destino da nação à condição de um anão no jogo de poder mundial, da mesma forma que realiza uma inédita digestão moral da pobreza conveniente para as classes dominantes e, de quebra, exibe a impotência da burguesia industrial comandada por São Paulo.

Não há que se iludir sobre o fundamental, pois tanto a fase da estabilidade econômica quanto o posterior “crescimento” outro destino não possuem senão a manutenção do país na condição de um gigante com pés de barro. Ambas as fases – a estabilidade e o crescimento – têm um custo demasiadamente elevado e comprometem não somente o futuro das próximas gerações, mas impedem, de maneira radical, a construção de um projeto nacional. Não deixa de ser expressão desse pacto de classe a quase coincidência entre os economistas de todos os candidatos com possibilidades eleitorais nas eleições que se aproximam. As divergências entre eles estão reduzidas quase que exclusivamente a uma “crise gerencial”, como se estivéssemos limitados a uma crise de competência na gestão da mesma política.

Nesse contexto, não haverá jamais – ao contrário da ideologia que rola entre os economistas como se fosse conhecimento científico – a possibilidade de uma combinação ótima entre as metas de inflação de um lado e a taxa de juros e de câmbio de outro, condição necessária para abrir a senda do crescimento. Há grave regressão intelectual na ciência econômica, pois os economistas se especializaram em explicar como o mundo deveria ser, e não as razões pelas quais ele é como é. Em consequência, atuam como ideólogos e destinam seu tempo e “teorias” ao ocultamento sistemático da realidade. Assim, ignoram as razões que levaram as distintas frações do capital ao desprezo das condições favoráveis existentes entre 2004 e 2008 para inaugurar a desejada fase de crescimento sustentado. Afinal, por que as travas do crescimento não foram removidas se as condições internas e externas eram então favoráveis?

Ao contrário do perigoso consenso estabelecido entre os economistas, opino que o megaendividamento estatal, a superexploração da força de trabalho e a severa regressão industrial são obstáculos insuperáveis para uma nova fase de expansão produtiva.

O Plano Real, o pacto de classe que paralisa o Brasil, sustenta-se sobre três pilares. O primeiro deles – tanto na fase da estabilização (FHC) quanto na do suposto crescimento (Lula/Dilma) – é o gigantismo do endividamento estatal (interno e externo). Em junho de 1994, a dívida interna não superava R$ 64 bilhões e FHC concluiu seu segundo governo com R$ 700 bilhões. Lula não ficou atrás: após oito anos, a dívida interna alcançou R$ 1,5 trilhão e Dilma tampouco vacilou em superar os R$ 3 trilhões. Na mesma direção, o endividamento privado externo voltou a crescer e contribui de maneira direta para manter o automatismo da dívida segundo o qual quanto mais o país “paga”, mais a dívida cresce!

A consequência necessária dessa opção é que em nenhum ano o Estado brasileiro destinou menos de 44% do orçamento para o pagamento dos juros e dividendos da dívida. O superendividamento estatal trouxe duas consequências nefastas: por um lado, inibiu severamente a taxa de investimento estatal, variável indispensável para impulsionar o investimento privado que a política desenvolvimentista requer e, por outro, naturalizou o princípio neoliberal de austeridade fiscal, permitindo somente em termos marginais programas sociais consistentes e a melhoria da infraestrutura que os neoliberais exigem. É fácil observar a incapacidade do Estado brasileiro – prisioneiro do automatismo da dívida – e a impotência dos governantes diante do quadro. Quando explodiram as jornadas de junho, as propostas para melhoria do transporte público exigidas por milhões de pessoas não foram mais do que cosméticas, como podemos agora comprovar. Os empresários reclamam da elevada carga tributária como se esta não fosse, de fato, um princípio do endividamento estatal programado em junho de 1994, quando o Banco Central elevou a taxa de juros aos incríveis 49,9%. Em oposição, eles preferem afirmar que a dívida é resultado de um Estado ineficiente e perdulário, “tese” sem qualquer sustento.

O segundo pilar do Plano Real é a superexploração dos trabalhadores, agora devidamente ocultada pela ideologia da emergência da “nova classe média” e as “teorias” do “precariado”, entre outras. A Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República divulgou há poucas semanas a metodologia que terminou por criar uma poderosa classe média em nosso país. Agora, a classe média altaestá definida pela renda percapitaentre R$ 741 e R$ 1.019! Não é um luxo?

Antes da novidade, o quadro já era gravíssimo, pois no Brasil pelo menos 76% da população economicamente ativa recebe até três salários mínimos. A economia política inglesa ensina desde os tempos de Adam Smith (1776) a importância do salário mínimo necessário– aqui no Brasil calculado pelo Dieese –, que alcançou em junho o valor de R$ 2.979,25, razão pela qual mais de 80% da PEA não atinge sequer as condições mínimas de reprodução da força de trabalho. Contudo, não estamos de mãos abanando. No lugar da antiga lição da economia política inglesa, o governo – e a oposição tucana também! – lançou mão da caridade cristã na forma de política social. A política social criada no governo FHC e turbinada por Lula mais tarde destina migalhas da riqueza social aos pobres e simula a impressão de que os governos petistas são mais sensíveis do que os tucanos. Ninguém ignora o desprezo aos pobres e a violência contra os sindicatos durante o governo de FHC, mas não se pode tampouco desprezar o fato de que a riqueza pública cresceu de maneira expressiva na última década, razão pela qual as migalhas foram um pouco maiores nos governos petistas. No limite, a política social serve na prática de ideologia para a solução da “questão social” no estreito marco de um país dependente, onde, supostamente, já não seria mais um “caso de política” (Washington Luís) e poderia – na versão oficial – ser resolvida sem tocar na propriedade privada e/ou no poder político. Sem dúvida, o melhor dos mundos possíveis para a classe dominante! À classe média – e seus porta-vozes na TV que execram a política social petista e denunciam seu suposto caráter “populista” – fica garantida a paz social, pois os pobres já não são detentores de uma razão iracunda indispensável para a sobrevivência política e social e combustível necessário para o protesto social, mas se limitam à simulação de uma “cidadania” – necessariamente passageira e limitada – do consumo, sem custo maior para o Estado. Eis a razão pela qual, para dar apenas um exemplo, o principal programa do governo – o Minha Casa, Minha Vida – é tão modesto, incapaz de enfrentar ou sequer diminuir o déficit habitacional de 13 milhões que o país acumula.

Por isso, ao contrário do que diz a propaganda petista, os tucanos jamais revogarão os programas sociais dos últimos governos porque aqueles são parte de uma estratégia de dominação que interessa a ambos. Nenhum candidato da oposição eliminará os programas sociais e tampouco há sinais de que estamos diante da emergência de uma direita fascista capaz de atacar os pobres.

O terceiro pilar do Plano Real é o reforço do país numa posição adversa na divisão internacional do trabalho, ou seja, como mero exportador de produtos agrícolas e minerais. Esse processo aparece sob a forma de uma denúncia genérica contra a “desindustrialização”, cuja solução poderia ser – como indicam os tucanos – a redução ainda mais radical dos custos industriais via abertura industrial mais profunda destinada a importar peças, máquinas e equipamentos de países como a China. O governo descarta o nacionalismo econômico (política industrial) na pretensão de que com renúncia fiscal destinada a manter o consumo de geladeiras ou carros fosse possível constituir um projeto nacional e manter o pacto entre o capital transnacional e as frações perdedoras do agonizante capital nacional.

Contudo, contraditoriamente, há vida na agonia. A taxa de câmbio que denunciam sobrevalorizada é a mesma que permite aos industriais lucros extraordinários e, obviamente, dólar abundante e barato para importação de máquinas e equipamentos que aumentam a produtividade do trabalho e condenam o processo de industrialização que simulam defender. Os comerciantes não ficam atrás e se lançam no Sudeste Asiático na compra de todo tipo de mercadorias com as quais inundam o mercado interno, “segurando” a pressão inflacionária e aprofundando a desnacionalização.

A experiência histórica demonstra que não pode existir mercado interno forte sem nacionalismo econômico. Ademais, a manutenção da superexploração da força de trabalho e a acelerada desnacionalização da produção de máquinas e equipamentos fecham o cerco contra as ilusões desenvolvimentistas segundo a qual o mercado interno seria capaz de sustentar a expansão de taxas de crescimento superiores às modestíssimas exibidas no governo da presidente Dilma. O fim da reforma agrária em nome da expansão da fronteira agrícola destinada à produção para exportação elimina qualquer esperança num projeto nacional de desenvolvimento. Contudo, é indispensável para manter o pacto entre latifundiários e transnacionais, além de contemplar capitais industriais e comerciais nacionais.

Os sinais de esgotamento do pacto chamado Plano Real são claros. O crescimento não chegou, causando inocultável constrangimento aos desenvolvimentistas; além disso, mesmo a modestíssima pressão inflacionária permite aos neoliberais o clima necessário para retomar a iniciativa política exigindo mais “reformas” na direção de eliminar direitos sociais considerados excessivos num país dependente e a afirmação da velha ortodoxia neoliberal. No limite, todos os candidatos à sucessão presidencial tramam em silêncio um novo ajuste que será considerado tão inevitável quanto necessário para o futuro da nação após as eleições. As greves voltaram nos últimos dois anos e o humor dos trabalhadores com a promessa de estabilidade e/ou crescimento não é o mesmo de outros tempos. A vida sustentada pelo antigo mito da estabilidade em que se apoiaram os governos tucanos já não é mais possível e, de certa forma, tampouco o governo petista pode manter o controle da situação apenas com o “princípio de transformação da matéria mítica”, o crescimento. No mundo em crise, não pode haver dúvida a respeito: somente quando os trabalhadores superarem a condição cativa em que ainda se encontram poderão inaugurar um novo tempo em que construirão seu futuro com a energia criadora de suas próprias mãos, governados exclusivamente pela consciência crítica de seus próprios interesses.

Roberto Requião: o que o governo espera da PEC 241/55



Roberto Requião é Senador da República no segundo mandato. Foi governador do Paraná por três mandatos, prefeito de Curitiba e deputado estadual. É graduado em direito e jornalismo com pós-graduação em urbanismo e comunicação.  



Qualquer pessoa que tenha um mínimo de bom senso pode se dispensar de ler o papelório e concentrar-se exclusivamente na página 21, sob o título “Como o reequilíbrio das contas ajudará na retomada do crescimento econômico”.

Vejamos, um a um, cada efeito que [Henrique] Meirelles anuncia em relação à nova PEC. No total são seis consequências.

Na essência, trata-se do que o governo espera da aprovação da medida. É claro que se alguma delas não funcionar, mas outras funcionarem, teremos um resultado razoável. A economia, todos sabemos, não é uma ciência exata.

Entretanto, que tal se todos os resultados são a mais acabada falácia, produto exclusivo da imaginação de Meirelles? Veja-se uma a uma.

1.Primeiro efeito da PEC, segundo Meirelles: “Aumento da confiança”

Nada mais falso.

Não é o reequilíbrio das contas que ajudará na retomada do crescimento econômico, mas a existência de demanda efetiva na economia, isto é, o fato de os consumidores terem renda, emprego e disposição para comprar.

O investidor produtivo tem em vista o mercado, não as intenções do Meirelles ou sua demagogia neoliberal e mistificadora.

Enfim, confiança empresarial é efeito do crescimento econômico, não a causa.

2. Segundo efeito: “Retomada do investimento privado.”

Outra ficção. Como eu, investidor, vou investir se a economia está numa depressão de cerca de 8% acumulados em dois anos, a taxa de desemprego alcança quase 12% e a renda está em queda?

Vou investir em produção e quem vai comprar? Na verdade, a confiança que se está construindo é exclusivamente para os especuladores financeiros que não dependem de demanda de produtos e serviços, mas da disposição do governo de pagar juros escorchantes sobre a dívida pública, objetivo último da PEC.

3. Terceiro efeito: “Crescimento econômico. ”

Não há a mais remota possibilidade de algum crescimento econômico resultar de um regime fiscal de congelamento de gastos correntes e de investimento. Crescimento econômico, numa situação de depressão como a em que estamos, exige ampliação de gastos fiscais, sejam gastos correntes, sejam de investimentos.

Essa é a primeira lição de uma economia estimulada por métodos keynesianos. O efeito de crescimento do déficit fiscal é imediato, como se reconhece no próprio documento de Meirelles, só que mascarado por um raciocínio falacioso sobre o aumento da dívida, que na verdade cai como relação ao PIB.

4. Quarto efeito: “Emprego e renda.”

Outra absoluta falácia. Emprego e renda são resultantes de uma economia em crescimento e só aparecem na primeira fase de um processo de expansão quando fruto de uma política deliberada de gastos públicos deficitários, nunca do congelamento de despesas fiscais.

Já o crescimento derivado da ampliação de gastos públicos deficitários contribui para a expansão do emprego e da renda, gerando um círculo virtuoso de crescimento da economia, e reduzindo a relação dívida/PIB.

5. Quinto efeito: “Mais recursos disponíveis para investimento e consumo.”

É inteiramente falso!

Na medida em que o setor público congela os gastos orçamentários, é imediatamente reduzida a demanda de bens e serviços do próprio setor público sobre a economia privada, congelando as oportunidades de investimento e consumo reais, não financeiros.

Se a economia está em depressão, como é o nosso caso, o setor privado, mesmo que tenha recursos disponíveis para investimentos – como de fato tem, aplicados na dívida pública -, não realiza investimentos reais porque não tem demanda, conforme mencionado.

6. Sexto efeito: “Queda de juros estrutural.”

Esta é a mãe de todas as falácias. A taxa básica de juros, chamada Selic, nada deve às forças de mercado ou mesmo ao regime fiscal proposto por Meirelles.

Ela obedece exclusivamente às determinações do Copom [Comitê de política monetária], que por sua vez condiciona as decisões do Banco Central.

É o Banco Central, em última instância, que determina a taxa de juros. E na prática ele obedece às determinações do mercado financeiro especulativo, comandado pelo Itaú e Bradesco. Afirmar que a taxa de juros “estrutural” – aliás, não se sabe o que é isso – vai cair por conta do regime fiscal proposto é enganar a sociedade brasileira.

E preservar uma política monetária criminosa.

Conclusão:

Se as postulações de Meirelles são todas falsas, quais são, afinal, os objetivos ocultos contidos na PEC-55? Em síntese, trata-se de dar o passo final na construção do Estado Mínimo, conforme a pressão constante sobre a economia brasileira exercida pelos formuladores do Consenso de Washington. Para isso, é fundamental destruir o incipiente Estado de Bem-estar Social que construímos a fim de garantir espaço para a especulação financeira. Isso se constata pela proposição de congelamento valor real dos direitos sociais previstos na Constituição, com o silêncio absoluto em relação a medidas para gravar tributariamente o sistema financeiro.

Embutido nessa PEC está igualmente o propósito de reverter o processo de industrialização brasileira de forma a nos tornar uma economia exclusivamente agroexportadora, com o mínimo de mão de obra e salários relativamente mais baixos.

Isso se daria com fraca contribuição ao mercado interno que, de outra parte, se considerará dispensável tendo em vista a forte concentração de terras (inclusive em mãos estrangeiras) e produção a ser exportada.

A manipulação financeira, ao final, há de coroar, no modelo Meirelles, a desestruturação da indústria como consequência de uma política cambial assassina da produção.

Diante da obsessão com o tema, convém considerar que o valor absoluto da dívida pública não é relevante para a avaliação da saúde financeira de um país.

Relevante é a relação dívida/PIB, ou seja, a dívida como proporção do produto interno bruto.

Mais importante que a própria relação dívida/PIB é a taxa de juros que remunera a dívida pública, normalmente fixada pelo Banco Central.

Uma taxa de juros baixa aplicada a uma dívida pública elevada – por exemplo, a japonesa ou americana – não traz qualquer complicação ao gerenciamento de um país.

Entretanto, uma taxa de juros alta aplicada a uma dívida mesmo baixa implica uma tremenda transferência de renda do setor público, ou dos pobres em geral, para os especuladores financeiros. Vejamos a situação brasileira e americana. Nos Estados Unidos, os títulos públicos são remunerados no máximo a 3%.

No Brasil, a 12%. Com isso pagamos relativamente muito mais juros sobre dívida pública que os americanos, embora a dívida deles seja da ordem de 16 trilhões de dólares e a nossa de 4 trilhões de reais.  

Laura Carvalho: questionamentos sobre a PEC 241/55

via Rede Brasil Atual, publicado em 15/10/2016

Laura Carvalho fala sobre os riscos e incorreções da PEC 241, em audiência no Senado: medidas equivocadas

Em sua página na rede social Facebook, a economista e professora da USP Laura Carvalho organizou uma lista de perguntas e respostas sobre a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241, que limita o crescimento dos gastos públicos.

Para organizar a lista, a Laura baseou-se na apresentação que fez na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, no início da semana. "Espero que ajude aqueles que estão sendo convencidos pelo senso comum. Lembrem-se: o orçamento público é muito diferente do orçamento doméstico", escreveu

A economista aponta as principais dúvidas sobre a proposta do governo Temer, que congela investimentos públicos por 20 anos, ao impor que o Orçamento seja corrigido anualmente apenas pela inflação do ano anterior. De forma didática, Laura ajuda a desconstruir alguns mitos em relação ao tema.

1. A PEC serve para estabilizar a dívida pública?

Não. A crise fiscal brasileira é sobretudo uma crise de arrecadação. As despesas primárias, que estão sujeitas ao teto, cresceram menos no governo Dilma do que nos dois governos Lula e no segundo mandato de FHC. O problema é que as receitas também cresceram muito menos – 2,2% no primeiro mandato de Dilma, 6,5% no segundo mandato de FHC, já descontada a inflação. No ano passado, as despesas caíram mais de 2% em termos reais, mas a arrecadação caiu 6%. Esse ano, a previsão é que as despesas subam 2% e a arrecadação caia mais 4,8%.

A falta de receitas é explicada pela própria crise econômica e as desonerações fiscais sem contrapartida concedidas pelo governo e ampliadas pelo Congresso. Um teto que congele as despesas por 20 anos nega essa origem, pois não garante receitas, e serve para afastar alternativas que estavam na mesa no ano passado, como o fim da isenção (de 1995) sobre tributação de dividendos, o fim das desonerações e o combate à sonegação. A PEC garante apenas que a discussão seja somente sobre as despesas.

A PEC também desvia o foco do debate sobre a origem da nossa alta taxa de juros – que explica uma parte muito maior do crescimento da dívida, já que se refere apenas às despesas primárias federais. Uma elevação da taxa de juros pelo Banco Central tem efeito direto sobre o pagamento de juros sobre os títulos indexados à própria taxa Selic, por exemplo – uma jabuticaba brasileira.

A PEC é frouxa no curto prazo, pois reajusta o valor das despesas pela inflação do ano anterior. Com a inflação em queda, pode haver crescimento real das despesas por alguns anos (não é o governo Temer que terá de fazer o ajuste). No longo prazo, quando a arrecadação e o PIB voltarem a crescer, a PEC passa a ser rígida demais e desnecessária para controlar a dívida.

2. A PEC é necessária no combate à inflação?

Também não. De acordo com o Banco Central, mais de 40% da inflação do ano passado foram causados pelo reajuste brusco dos preços administrados que estavam represados (combustíveis, energia elétrica...). Hoje, a inflação já está em queda e converge para a meta. Ainda mais com o desemprego aumentando e a indústria com cada vez mais capacidade ociosa, como apontam as atas do BC.

3. A PEC garante a retomada da confiança e do crescimento?

O que estamos vendo é que o corte de despesas de 2015 não gerou uma retomada. As empresas estão endividadas, têm capacidade ociosa crescente e não conseguem vender nem o que são capazes de produzir. Os indicadores de confiança da indústria, que aumentaram após o impeachment, não se converteram em melhora real. Os últimos dados de produção industrial apontam queda em mais de 20 setores. A massa de desempregados não contribui em nada para uma retomada do consumo. Que empresa irá investir nesse cenário?

Uma PEC que levará a uma estagnação ou queda dos investimentos públicos em infraestrutura física e social durante 20 anos em nada contribui para reverter esse quadro, podendo até agravá-lo.

4. A PEC garante maior eficiência na gestão do dinheiro público?

Para melhorar a eficiência é necessário vontade e capacidade. Não se define isso por uma lei que limite os gastos. A PEC apenas perpetua os conflitos atuais sobre um total de despesas já reduzido. Tais conflitos costumam ser vencidos pelos que têm maior poder econômico e político. Alguns setores (da atividade econômica) podem conquistar reajustes acima da inflação, e outros pagarão o preço.

5. A PEC preserva gastos com saúde e educação?

Não, estas áreas tinham um mínimo de despesas dado como um percentual da arrecadação de impostos. Quando a arrecadação crescia, o mínimo crescia. Esse mínimo passa a ser reajustado apenas pela inflação do ano anterior. Claro que como o teto é para o total de despesas de cada Poder, o governo poderia potencialmente gastar acima do mínimo.

No entanto, os benefícios previdenciários, por exemplo, continuarão crescendo acima da inflação por muitos anos, mesmo se aprovarem outra reforma da Previdência (mudanças demoram a ter impacto). Isso significa que o conjunto das outras despesas ficará cada vez mais comprimido.

O governo não terá espaço para gastar mais que o mínimo em saúde e educação (como faz hoje, aliás). Gastos congelados significam queda vertiginosa das despesas federais com educação por aluno e saúde por idoso, por exemplo, pois a população cresce.

Outras despesas importantes para o desenvolvimento, que sequer têm mínimo definido, podem cair em termos reais: cultura, ciência e tecnologia, assistência social, investimentos em infraestrutura, etc. Mesmo se o país crescer...

6. Essa regra obteve sucesso em outros países?

Nenhum país aplica uma regra assim, não por 20 anos. Alguns países têm regra para crescimento de despesas. Em geral, são estipuladas para alguns anos e a partir do crescimento do PIB, e combinadas a outros indicadores. Além disso, nenhum país tem uma regra para gastos em sua Constituição.

7. Essa regra aumenta a transparência?

Um Staff Note do FMI de 2012 mostra que países com regras fiscais muito rígidas tendem a sofrer com manobras fiscais de seus governantes. Gastos realizados por fora da regra pelo uso de contabilidade criativa podem acabar ocorrendo com mais frequência.

O país já tem instrumentos de fiscalização, controle e planejamento do orçamento, além de metas fiscais anuais. Não basta baixar uma lei sobre teto de despesas, é preciso que haja o desejo por parte dos governos de fortalecer esses mecanismos e o realismo/transparência da política fiscal.

8. A regra protege os mais pobres?

Não mesmo! Não só comprime despesas essenciais e diminui a provisão de serviços públicos, como inclui sanções em caso de descumprimento que seriam pagas por todos os assalariados. Se o governo gastar mais que o teto, fica impedido de elevar suas despesas obrigatórias além da inflação. Como boa parte das despesas obrigatórias é indexada ao salário mínimo, a regra atropelaria a lei de reajuste do salário mínimo impedindo sua valorização real – mesmo se a economia estiver crescendo.

O sistema político tende a privilegiar os que mais têm poder. Reajusta salários de magistrados no meio da recessão, mas corta programas sociais e investimentos. Se nem quando a economia crescer, há algum alívio nessa disputa (pois o bolo continua igual), é difícil imaginar que os mais vulneráveis fiquem com a fatia maior.

9. A PEC retira o orçamento da mão de políticos corruptos?

Não. Apesar de limitar o tamanho, são eles que vão definir as prioridades no orçamento. O Congresso pode continuar realizando emendas parlamentares clientelistas. No entanto, o Ministério da Fazenda e do Planejamento perdem a capacidade de determinar quando é possível ampliar investimentos e gastos como forma de combate à crise, por exemplo. Imagina se a PEC 241 valesse durante a crise de 2008 e 2009?

10. É a única alternativa?

Não. Há muitas outras, que passam pela elevação de impostos sobre os que hoje quase não pagam (os mais ricos têm mais de 60% de seus rendimentos isentos de tributação, segundo dados da Receita Federal), o fim das desonerações fiscais que até hoje vigoram e a garantia de espaço para investimentos públicos em infraestrutura para dinamizar uma retomada do crescimento. Com o crescimento maior, a arrecadação volta a subir.



OBS. Veja também a apresentação da Laura na Comissão de Assuntos Econômicos (do Senado):