domingo, 13 de março de 2016

Nuvens negras no futuro do país

Da linha do tempo facebookiana de um camarada, graduando em Ciências Econômicas, sobre as manifestações desse domingo e as expectativas para a economia brasileira no horizonte:

 O mais curioso dessas manifestações é o caráter pacifico, diria quase idílico, do comportamento coletivo. Famílias com camisa do brasil, fotos, trio-elétrico, selfies e adereços decorativos nos fazem achar de que se trata de um evento comemorativo de envergadura nacional, e não um protesto ferrenho contra a corrupção. Mas esse é o aspecto da superfície, visível, que não tem lá muita importância caso nãos nos preocupemos em saber a razão do porquê desse tipo característico de manifestação-"celebração".

Eu sei lá, mas penso que, no inconsciente da coletividade, há a sensação de que não é necessário fazer "muita força" pra derrubar o "petismo", o "neodesenvolvimentismo", "lulismo" e suas variantes. Não é necessário porque as contradições internas do modelo de governo petista já chegaram no ponto de ruptura, e que dali não se vislumbra mais nenhuma expressão de força que possa protelar o seu definhamento.

Para entender o fim desse modelo, uma digressão:

O arranjo de "governabilidade petista" se sustentara num pacto entre agro-empresários, empreiteiras, parte da indústria e do setor financeiro nacional. Enquanto havia desonerações e isenções fiscais generosas, taxa de juros especiais, linhas de crédito abundante, superávits comerciais expressivos -- que àquela época eram puxadas não pela contração das importações como hoje, mas por um auge exportador --, câmbio valorizado e, aliado a tudo isso, a garantia de superávits primários e ao zelo pela "responsabilidade fiscal", a condução dessa governabilidade pôde prosseguir com segurança, resistindo até mesmo à maremotos políticos como o Mensalão.

Mas estamos em outra conjuntura. O "boom" chinês que coincidira com uma política fiscal "prudente" permitiu a concatenação dos interesses entre as frações do capital (industrial, bancário e agrário) -- possibilitando a realização das medidas citadas acima --;mas com a reversão abrupta do comércio externo provocada pela crise de 2008, os preços das matéria-primas transitaram gradualmente para um "viés de queda", aprofundando-se em 2012 até chegar perto das profundezas em 2016. Com isso, a rentabilidade dos diferentes tipos de capital passa a ser ameaçada; sem a folga externa causada pela enxurrada de dólares decorrente da demanda chinesa e da liquidez externa, o Brasil, como qualquer outro país do mundo, volta-se para o mercado interno por meio de medidas anticíclicas -- recrudescimento do crédito e das isenções fiscais.

Naturalmente, o endividamento tanto público como privado progredira. Mas é aqui onde reside o nó górdio: uma coisa é o endividamento das economias desenvolvidas (só uma nota: desde 2007, a dívida pública de economias avançadas cresceu 35 pontos percentuais da produção econômica total, segundo o Instituto Global McKinsey), outra BEM diferente, é a o das economias periféricas, como a nossa. Sendo bem simplista: o endividamento dos países periféricos é visto com temeridade pois a baixa produtividade -- que quer dizer baixa capacidade de acumulação e geração de valor novo para o capital --, características dessas economias, impede-lhes de custear o serviço da dívida de forma sustentável. São economias vulneráveis, com industrias de baixa competitividade internacional, que dependem da exportação de bens suscetíveis a reversão cíclicas nos preços - a deterioração nos termos de troca.

Todos esses fatores fazem com que os investidores fiquem preocupados quando verificam uma progressão acentuada no endividamento desses países, como o Brasil -- além da leniência do seu governo com o superávit primário e a lei de responsabilidade fiscal.

Voltando ao pacto da governabilidade petista: tendo em vista o quadro apresentado acima, a fração do capital financeiro se rebela, enquanto o governo abastece os demais os setores (construção civil, automobilístico etc) à custa de um crescente envidamento. O arranjo tecido pelo lulismo se fragiliza, portanto.

Mas esse pacto é contundentemente afetado quando o esforço do governo em manter o ímpeto de expansão dos outros setores se demonstra ineficaz. As concessões fiscais, ao invés de estimular o investimento na ampliação da capacidade produtiva, apenas estabilizaram a queda na margem de lucros e adiaram a retração da industria e da construção civil -- o que lidera os investimento é a taxa de lucro, e não a pura e simples sustentação da demanda agregada. O crescimento não veio como esperado, a arrecadação por conseguinte caiu e a "capacidade" de pagamento da dívida percebida pelo mercado se deteriorou. O ajuste fiscal aparece então como resultado lógico.

E com o ajuste fiscal, obviamente, o arranjo lulista atinge seu ponto crítico, pois todas as benesses dadas aos demais setores são cortadas ou diminuídas, levando-os a um tombo significativo, enquanto o rating dos títulos brasileiros continua a se deteriorar.

As vigas do arranjo lulistas ficaram abaladas; o apoio político não é constituído por uma relação de poder pessoal, mas por uma relação intermediadas por coisas e que se realizam por meio delas.. Assim que a mercadoria desvaloriza e os números caem, o apoio político de um setor para um governo começa a fraquejar -- porque a relação de um empresário com o governo não é pautado pelo poder do "político", mas pelo objetivo de fazer sua mercadoria multiplica e se transformar em dinheiro.

Em suma, o arranjo político do lulismo não serve mais para o capitalismo. As suas possibilidades se esgotaram na medida em que as suas políticas de sustentação da demanda esbarraram nos limites de uma economia periférica.

Voltando ao caráter festivo das manifestações:

O lulismo é um zumbi inofensivo, capenga, que será inevitavelmente enterrado. O que resta para os seus opositores é a contemplação desse carcomido "inimigo", num clima de tranquilidade inconsciente. Não é preciso fazer barricadas, lançar coquetel-molotov's, pichar muros, confrontar a polícia etc; a força supra-humana do capital já se encarregou de liquida-lo -- manifestando-se nas altas tresloucadas das bolsas de valores quando as informações parecem confirmar uma provável dissolução do governo petista.

Mas para a rapazeada que saiu às ruas, trata-se de uma vitória de pirro. O panorama para os próximos anos é aterrador; o ajuste fiscal será reforçado, reformas na previdência serão levadas a cabo, flexibilização dos direitos trabalhistas implementadas etc -- o PL da terceirização tá na espreita, não se esqueçam. Muitas empresas nos últimos anos cresceram na esteira do boom chinês associado às políticas expansionistas dos bancos estatais, e com a inviabilidade de ambos, estas mesmas unidades tenderão a ser liquidadas, gerando desemprego em massa.

Para sairmos do brejo teremos que ser puxados pela corrente externa -- mas como? o comércio externo em 2015 permanecera estagnado, e a expectativa para 2016 é de uma atividade ainda mais vagarosa, chegando perto dos patamares de 2009 em que o mercado global quase entrou em paralisia.

Muitos que odeiam o governo do PT devem passar nos próximos anos por dificuldades que podem leva-los ao mesmo fim do objeto de seu ódio: ao definhamento.

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