sábado, 4 de abril de 2015

A ditadura de Pinochet não fez do Chile um ''paraíso neoliberal''


 Artigo do site ''Desmentindo reacionários'', criado pelo(s) administrador(es) da página ''Meu Professor de História''.


 Os reacionários adoram citar o Chile como exemplo de sucesso de políticas neoliberais na América Latina. Sempre tentam usar esse argumento para minimizar as gravíssimas, massivas e sistemáticas violações dos direitos humanos cometidas pelos agentes da ditadura comandada por Augusto Pinochet, com apoio externo dos Estados Unidos e Brasil (na época também sob ditadura de uma Junta Militar), e apoio interno da ínfima minoria de chilenos economicamente privilegiados.

 De fato, a violação dos direitos humanos foi uma política de Estado sob o regime autocrático de Augusto Pinochet. Nos meses seguintes ao golpe, as Forças Armadas e Polícia criaram campos de concentração para prisioneiros políticos e agiram como exército de ocupação nas ruas das cidades chilenas, sitiando especialmente os bairros operários, principal base social da Unidade Popular e de Salvador Allende. Após suprimir a resistência antigolpista por meio da tortura e extermínio, os agentes da ditadura cometeram muitas outras violações no combate à guerrilha urbana, movimentos de greve e protestos de rua.


 Militares e policiais à serviço dos golpistas cometeram graves, massivas e sistemáticas violações de direitos humanos: prisões arbitrárias, estupro, tortura, assassinato e desaparecimentos forçados. Ao mesmo tempo, a política econômica assessorada por Milton Friedman e seus discípulos impunha a desregulamentação e privatização de mercados e serviços públicos.

 As estimativas de vítimas da repressão política variam, mas podemos listar: a) entre 3.200 e 30.000 assassinatos/desaparecimentos politicamente motivados; b) entre 40.000 e 200.000 sobreviventes da tortura politicamente motivada; c) centenas de milhares detidos sob suspeita de serem dissidentes políticos; d) 200.000 exilados por motivação política. Esses dados não incluem a criminalidade violenta sem motivação política.

Um dos legados da ditadura de Pinochet.

 Não satisfeita na violência política interna, a Junta Militar chilena cooperou com suas homólogas brasileira, argentina, uruguaia, paraguaia e boliviana para sequestrar, torturar e exterminar opositores, inclusive exilados na Europa e Estados Unidos. Essa cooperação militar repressiva ficou conhecida como “Operação Condor”, embora datasse de antes do acordo secreto do Plano Condor de 1975. Os neoliberais afirmam que, apesar deste Terrorismo de Estado, a ditadura neoliberal-militar conseguiu bons resultados econômicos e sociais. Será?

 Podemos começar por um dado interessante: centenas de milhares de pessoas deixaram o Chile durante o governo de Pinochet, das quais 200 mil fugiam da perseguição política. E o restante? Fugiram da pobreza e desemprego em alta e direitos trabalhistas em baixa durante o período ditatorial.

 Como podemos observar abaixo, durante este período o desemprego aberto no Chile se manteve muito acima da média sul-americana, variando entre um máximo de 20% e pouco menos de 10%.




 No gráfico abaixo podemos verificar a incidência de pobreza extrema urbana em três países sul-americanos. Chile e Brasil seguem uma trajetória semelhante na redução gradual dessa miséria urbana em duas décadas. No caso chileno, a redução da pobreza coincide com o fim da ditadura pinochetista. Estas tendências provavelmente são devidas a programas sociais promovidos pelos governos eleitos.




 A tabela abaixo mostra a gradual redução da pobreza extrema depois do fim da ditadura de Pinochet. Observe que a miséria atingia quase metade de população residente no Chile nos últimos anos da ditadura.  Comparando com os gráficos anteriores, é possível inferir que a pobreza extrema pode ter sido muito maior no período de maior desemprego, entre 1982-86. Mais uma vez, é provável que a redução da pobreza extrema tenha sido resultado de uma política social progressista, implantada pelos governantes eleitos e pressão de movimentos populares que adquirem maior margem de manobra quando há um mínimo de direitos civis e políticos garantidos.





 No gráfico abaixo podemos observar a evolução da inflação e desemprego entre 1960 e 2007. Reparem que a inflação só fica abaixo de 10% a partir de 1994, quatro anos após o fim da ditadura pinochetista. O período de máxima inflação se dá entre 1972 e 1978, mas o fenômeno da alta inflação era anterior, com picos e quedas, sempre com dois dígitos, sem esquecer, ainda, que o governo da UP/Allende sofreu campanhas de sabotagem econômica, como o açambarcamento (prática de esconder mercadorias para forçar o aumento do preço) e greves patronais que confluíram para provocar crises de escassez e inflação. Em compensação, a política de emprego foi um verdadeiro sucesso, com a vigência do pleno emprego durante a presidência de Allende. Após o golpe, porém, à medida que a liberalização econômica era aplicada, o desemprego aumentava, ultrapassando os 20% em 1983, quase empatado com a inflação que se aproximava dos 25%. De 1975 a 1987, o desemprego não ficou abaixo dos 10%.

 


 Abaixo podemos observar a evolução da desigualdade de renda individual, medida pelo índice Gini, no período de 1957-2007. De início, é possível verificar que no governo Allende se inverte a trajetória de aumento da desigualdade de renda, levando ao período mais igualitário, fato que é ainda mais reforçado se recordamos do avanço da reforma agrária (que reduz o índice Gini rural), educação e saúde públicas. Depois do golpe (setembro de 1973), com a imposição de medidas neoliberais, a tendência à redução da desigualdade é invertida, resultando no auge da desigualdade de renda nos últimos anos do regime ditatorial. A partir dos anos 1990 a desigualdade tem uma redução brusca, e em seguida um aumento gradual. Esse aumento da desigualdade de renda no período ditatorial pode ser considerado ainda mais grave, se levarmos em conta a reversão da reforma agrária e a privatização de serviços públicos, como a educação e previdência. Como apenas o serviço público pode garantir o acesso igualitário a vários produtos (educação, saúde, previdência, eletricidade, água, esgoto, transporte, telefonia…), é de se supôr que a privatização e desregulamentação deixou operários e camponeses ainda mais desamparados.

 

 Até mesmo em relação à renda nacional a política econômica da ditadura não parece ter sido favorável. O Chile tinha uma renda média por habitante um pouco acima da média latino-americana. A partir da campanha de sabotagem econômica patrocinada pelos EUA e burguesia chilena, a renda cai no final do governo Allende, e só recupera a sua posição acima da média latino-americana depois do fim da ditadura de Pinochet. Com uma diferença fundamental: enquanto Allende sofreu sabotagem, Pinochet beneficiou-se de auxílio e apoio da burguesia interna e externa, através do governo dos EUA, colaboração e investimentos externos diretos. Mesmo assim, apenas no pós-ditadura houve recuperação da antiga posição.

 

 Para concluir, o que esses dados mostram é que o governo da UP/Allende foi capaz de garantir a redução da desigualdade e o pleno emprego, enquanto as medidas liberalizantes da ditadura tiveram como resultado o aumento da desigualdade, desemprego e miséria, com resultados muito fracos no controle da inflação. A inflação já tinha viés de alta antes de Allende, alcançando os 50% anuais entre 1972 e 1978, ou seja, final do governo Allende e início do governo Pinochet, mas só ficou abaixo de 10% depois do fim da ditadura.


 O desemprego, miséria, desigualdade, inflação e renda média por habitante tiveram melhora sensível a partir dos governos eleitos, e, mesmo assim, apenas a inflação e a renda média podem ser considerados satisfatórios. Essa melhoria de indicadores de emprego e distribuição de renda pode ser explicada:

a) por uma parcial reformulação da política econômica neoliberal nos últimos anos da própria ditadura de Pinochet (não esqueçamos que o Chile foi um laboratório…);

b) por políticas sociais implantadas pelos governos da Concertación (coalizão entre socialistas e social-democratas), que, no entanto, mantiveram vários princípios neoliberais que são ainda motivo de insatisfação e revolta na juventude chilena;

c) conjuntura internacional favorável, com o aumento do preço do cobre, principal produto de exportação chileno, no mercado mundial.
Favela chilena.

 Sendo assim, a dependência da economia chilena em relação aos preços internacionais co cobre é um calcanhar de Aquiles. Mas mesmo sob conjuntura externa favorável, a política neoliberal chilena, apesar de todas as correções e ajustes ao longo de 40 anos, contribuiu apenas para aprofundar os graves problemas de exclusão social do Chile. As grandes mobilizações da juventude chilena, apesar da forte repressão policial, estão aí para mostrar que há problemas neste “paraíso”.


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