segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

Sobre capitalismo e socialismo


 Meu objetivo nesse texto é apresentar as razões pelas quais eu sou um animado defensor do projeto socialista, o que passará por uma apresentação resumida da natureza do modo de produção capitalista (do qual o socialismo é uma ''negação'') e uma breve caracterização do socialismo. Espero que apreciem a leitura!



1. A produção capitalista


 A sociedade capitalista, como alguém pode perceber facilmente, não possui nenhum tipo de ''regulação social direta'' da produção. Esta, pelo contrário, é efetivada através de decisões autônomas de produtores formalmente independentes. Como tais produtores não são capazes de produzir tudo aquilo que querem e de que necessitam, tentam obter tais coisas através da permuta de seus produtos: eis o que chamamos de mercado, onde os produtos obterão, além do seu valor de uso (a utilidade que representam para cada consumidor, derivada de suas propriedades materiais), um valor de troca: uma determinada proporção quantitativa pela qual se permuta com outras mercadorias. Através do mercado, os produtores autônomos relacionam seus trabalhos privados, convertem-lhes em trabalho social. Com o desenvolvimento da produção, a troca de produto por produto torna-se um travão, e esse problema é solucionado com a ''eleição'' de uma mercadoria como mercadoria-dinheiro, que servirá de ''equivalente geral'' das mercadorias -- isto é, todas as outras mercadorias serão trocadas por tal mercadoria. Posteriormente, há o surgimento do dinheiro fiduciário, que já não é mercadoria. Assim, o objetivo de cada produtor autônomo torna-se obter, através do mercado, a maior quantidade possível de dinheiro em troca de seus produtos -- porque é o dinheiro que o permitirá obter, no mercado, aquilo que deseja. Desnecessário dizer que a produção (e também o emprego, pois que este consiste na contratação de força-de-trabalho, que nada mais é do que um insumo da produção)  torna-se então quantitativamente limitada pelo ''poder de compra'' existente na sociedade, pois nenhum produtor produzirá (tendo, portanto, custos de produção) acima do nível que crê poder vender (isto é, acima do nível esperado de demanda efetiva).

 É preciso lembrar, porém, algo essencial: a sociedade capitalista não é exatamente composta de ''produtores autônomos'', senão que de classes sociais. Em maior extensão, de duas classes: trabalhadores assalariados e burgueses, sendo aqueles os que, pela não-posse de outra mercadoria, vendem sua força de trabalho -- sua capacidade de trabalhar, sua energia física e mental -- periodicamente, e os últimos aqueles que, por meio do controle dos meios de produção e do emprego de trabalho assalariado (isto é, os instrumentos, máquinas e matérias-primas que, assim como a força de trabalho -- ''mão de obra'' -- são necessários à produção), ampliam o seu capital.

 Mas o que é capital? Bem, dissemos mais acima que o mercado é onde os produtores autônomos relacionam os seus trabalhos privados, corporificados em produtos que se tornam/adquirem a forma de mercadoria, a qual caracteriza-se por ter, ao mesmo tempo, valor de uso e valor de troca. E esse valor de troca nada mais é do que a forma de manifestação do ''valor'', a forma abstrata de riqueza que a riqueza concreta, os bens e os serviços, tomam sob a vigência daquelas relações (sociais) de produção. Mas a existência da propriedade privada dos meios de produção significa que os trabalhadores, os produtores diretos, não têm a posse integral do produto de seu trabalho -- que fica com os proprietários dos meios de produção. Os trabalhadores ficam somente com aquela parte que corresponde aos seus salários, os quais são determinados por um certo nível de subsistência e também pela força sociopolítica relativa da classe trabalhadora -- expressa, por exemplo, na legislação trabalhista. Desta maneira, o tempo de trabalho dos trabalhadores como um todo divide-se em um ''tempo de trabalho necessário'', no qual produzem o valor equivalente ao seus próprios rendimentos (salários) e portanto ao seu consumo, e um ''tempo de trabalho excedente'', na qual produzem -- dã -- valor excedente, o qual é apropriado pelos diversos capitalistas; este valor excedente é o que o que se chama, na teoria marxista, de mais-valia. A apropriação de massas crescentes de mais-valia, transformadas em lucro monetário, transforma os proprietários dos meios de produção em capitalistas: sujeitos que controlam um valor que tornou-se capaz de se reproduzir, de produzir um valor a mais que é posteriormente apropriado por ele.

 É necessário adicionar também que, para os capitalistas, o único custo que há na produção é o custo monetário, o custo em dinheiro, ao passo que o custo real da produção se dá em trabalho: é preciso trabalho para transformar tudo que já não está pronto para ser utilizado como insumo na produção em tal coisa, e é preciso mais trabalho para converter os insumos no produto final. Por isso, os capitalistas particulares não estão exatamente preocupados com a quantidade de trabalho ''cristalizada'' em seus produtos e tampouco os preços dos produtos refletem de maneira direta essas quantidades de trabalho -- de maneira que não existe uma relação direta entre o lucro de cada capitalista individual e o trabalho realizado no processo de produção pelos trabalhadores que ele emprego. Em vez disso, os capitalistas concorrem pelas melhores remunerações, isto é, pelas melhores, portanto maiores taxas de lucro, de maneira que sua concorrência e movimentação entre os diversos ramos de produção tende a gerar uma taxa média/geral de lucro. Com isso, cada capitalista busca obter, na venda, uma renda/receita monetária que, além de cobrir os custos prévios (monetários) de produção, garanta um lucro que corresponda ao lucro médio, à taxa média/geral de lucro multiplicada pela totalidade de seu capital/custos prévios de produção. Assim, sendo, os preços de mercado tendem ao que chamamos de ''preços de produção'': os preços que correspondem à soma do custo total médio (determinado pelos custos prévios -- digamos, o salário real -- e pelos coeficientes técnicos de produção) + o lucro médio.

2. A produção socialista 


 E quanto ao socialismo? Bem, podemos caracterizá-lo com 2 coisas principais:

I) o controle coletivo dos meios de produção, portanto a propriedade social destes, em oposição à propriedade privada;
II) a produção voltada às necessidades socialmente estabelecidas.

A primeira característica implica que não é mais possível ampliar a própria riqueza através da apropriação do trabalho alheio, como acúmulo de capital. Neste caso, o trabalho excedente -- acima do nível necessário para produzir aquilo que será consumido pela população -- pode destinar-se ao outros objetivos que não o consumo de luxo: acumulação de meios de produção, construção de escolas, de hospitais etc. A segunda característica implica que, em vez de voltada à multiplicação e acumulação de uma forma fetichista de riqueza -- o dinheiro --, a produção passa a ter, como objetivo direto, a satisfação direta das necessidades socialmente estabelecidas (a qual não é, na sociedade capitalista, mais do que um meio para o acúmulo de capital, de maneira que não raro várias pessoas não têm moradia, educação, atendimento médico ou alimentação nos níveis básicos adequados).

 Desta maneira, surgem como possibilidades de uma possível ''socialização da produção'' no Brasil de agora:

 1) a elevação imediata elevação dos níveis de consumo da maioria da atualmente pobre população (lembremos que 79% dos trabalhadores brasileiros recebem até 3 salários mínimos, e da enorme concentração de renda no país);
 2) concomitantemente a isso, uma redução generalizada da jornada de trabalho (cujo nível dependerá do esforço necessário à produção dos bens de consumo e do excedente);
 3) a alocação de recursos -- melhor dizendo, de força de trabalho e outros insumos -- em ramos de produção de interesse vital para a nação, mas que são relegados na sociedade capitalista em virtude da questão da rentabilidade. Ex. indústria de alta tecnologia;
 4) o aumento do número de artistas e cientistas, dentre outras categorias, na população, uma vez que se garante a satisfação das necessidades básicas de consumo da população e a provisão da educação necessária para tais atividades, por meio do controle social e consciente do excedente econômico;
 5) a abolição do ''desemprego'' e do horror a ele ligado -- não exatamente pela promoção do ''pleno emprego'' à moda keynesiana, mas pelo fato de que a produção é regulada de modo a garantir a satisfação das necessidades de todos, com a contraparte ocorrendo através da regulação do trabalho, o que pode prescindir da necessidade de todos estarem efetivamente envolvidos na produção (como crianças e idosos certamente não estarão). Além disso, as ocupações perdem o caráter de ''emprego'', visto que este supõe um caráter mercantil para a força de trabalho;
 6) Redução dos níveis de produção e, portanto, da poluição, bem como substituição de técnicas produtivas atualmente utilizadas por questão de ''rentabilidade'' por outras que seja mais ecologicamente sustentáveis.