domingo, 27 de outubro de 2013

ISTOÉ e os ataques estúpidos à ciência tupiniquim

 Há um lobby criacionista agindo no meio universitário brasileiro. Famosos aqui desde o ''Darwinismo Hoje'', evento anual realizado na universidade presbiteriana Mackenzie, os autodenominados ''criacionistas científicos'' têm feito de tudo para inserir sua crença no ensino brasileiro, forçando nossos estudantes a aprender como correto aquilo que é absurdo: que o mundo foi criado após da domesticação do cachorro.

 Este ano, a mais nova ideia desses corruptores da educação era realizar o evento ''1º Fórum de Filosofia e Ciências das Origens'' na UNICAMP, universidade famosa por ser um dos maiores centros de pesquisa em terras brasileiras. O evento RELIGIOSO possuía apenas UM membro do corpo docente da universidade dentro do grupo de palestrantes, o professor Marcos Eberlin, do Instituto de Química da mesma, e esse não possui sequer um artigo publicado sobre criacionismo ou design inteligente (apesar de ser frequentador assíduo do evento da Mackenzie citado anteriormente). Ou seja: não seria um debate realmente científico sobre a Teoria da Evolução, mas apenas um grupo de religiosos e um cientista falando mal dela.

 Toda essa polêmica deixa transparecer que as pessoas ainda não compreenderam o que é ciência. Entendam: ciência é uma ferramenta que funciona dando explicações NATURAIS para as nossas perguntas. Questionando a natureza, como alguns cientistas dizem, é possível descobrir as forças que agem transformando nosso mundo. O que esses criacionistas querem é meter suas crenças cientificamente infundadas nos livros didáticos, usando explicações míticas e provindas de um livro cheio de erros em relação à natureza; diferentemente dos cientistas, que analisam os fatos para chegar a uma conclusão, os criacionistas já têm uma conclusão e buscam (e distorcem) fatos para respaldá-la. E ao invés de manter essa propagação da ignorância dentro de seu espaço privado, como a Mackenzie, onde eles têm todo o direito de fazê-lo, querem pô-la nas universidades públicas. Um comentário do biólogo Carl Zimmer sobre o Design Inteligente, a alternativa ''científica'' dos criacionistas à Evolução, pode ser lida aqui.

A ISTOÉ entra nessa história agora. Logo após o cancelamento desse vergonhoso evento, por parte da administração central da UNICAMP, a revista publicou numa matéria que tal cancelamento ocorreu devido à um ''grupo de ateus'', e responsabilizou, principalmente, o professor de física Leandro Tessler, autor do excelente blog cultura cientifica. Com um ridículo papinho de vítima (''Fomos boicotados por professores ateus'', ''hoje, quem discorda de Darwin é queimado na fogueira'', choramingou Rodrigo Silva), a ISTOÉ tentou convencer seus leitores de que o evento fora cancelado simplesmente por militância ateísta, e não por ser um evento completamente PSEUDOCIENTÍFICO e inadequado ao ambiente acadêmico público. A matéria finaliza com mimimi's sobre o cancelamento da palestra de Adauto Lourenço, conhecido por ser um dos mais intelectualmente desonestos negadores da Evolução e do Big Bang no Brasil, e da retirada dos cartazes da universidade na palestra de Fazale Rana sobre Design Inteligente (palestra essa que não contaria com o corpo docente de professores de ciência da universidade).

 Não é necessário dizer que o D.I. é uma das propostas mais anticientíficas já vistas: a noção de que nós fomos inteligentemente moldados, mesmo com nosso estúpido sistema digestório ligado ao respiratório e nossas dores nas costas, herança do andar quadrúpede natural (como você pode conferir aqui). O D.I. é obra de fundamentalistas cristãos que anseiam confirmar suas crenças, por meio da distorção de fatos e negação de outros, e nada mais.

 Uma última afirmação: a origem da vida pela Abiogênese e sua diversificação por meio da Evolução são hoje amplamente suportadas por uma gama de evidências, e não precisam da negação ou inexistência de deus para terem credibilidade. Não precisa ser ateu para acreditar nelas. Basta ter bom senso.


PS. Aqui está a matéria (extremamente maniqueísta) da revista ISTOÉ sobre o tal evento. Não assusta que ela esteja contribuindo para a divulgação de pseudociência. Numa matéria passada sobre milagres, a revista afirmou que os mesmos só são declarados como tal após a avaliação de uma ''bancada de teólogos e cientistas'' do Vaticano. O problema com isso é que cientista algum aceita (ou deveria aceitar) nada como milagre. O dever de um cientista é achar uma explicação natural, e crendices sobrenaturais não fazem parte deste escopo.

sábado, 5 de outubro de 2013

O que é moral? - Parte 1

 A discussão pela definição de Moral é antiga, e remonta aos primeiros filósofos. Na verdade, creio que o conceito de Moral é tão antigo quanto a organização social do Homo sapiens. Mas vamos ao que interessa: a moral pode ser definida como o conjunto de hábitos, costumes e valores de um grupo ou indivíduo. É por meio de nossa moral que classificamos as coisas como boas ou más, adequadas ou inadequadas, e por aí vai. Para entender melhor esse conceito, tome este exemplo: muitas coisas relacionadas à sexualidade são tabus em nossa sociedade, e é comum ver pessoas (especialmente mais velhas ou vindas de famílias/comunidades conservadoras) dizendo que falar de assuntos como sexo ou nudez é imoral, algo feio, reprovável, que deve ser evitado. Obviamente, nesse exemplo, a atitude de falar sobre os citados tabus é classificada como moralmente má.

 Porém a moral não é igual  para todos: ela está extremamente condicionada à culturas e situações. Muitas vezes, até indivíduos que sejam classificados de forma similar (mesma religião, mesma profissão, mesma faixa etária, etc) podem possuir sistemas morais incrivelmente diferentes. Algumas pessoas- inclusive filósofos -argumentam que a moral é objetiva (ou seja, que todos os seres humanos apresentam os mesmos valores morais básicos); que a mesma teria sido posta por Deus no homem, que se diferencia dos outros animais por ser uma criatura racional e moral. Evidentemente, esse argumento depende da crença de que o homem seja o projeto de um criador divino, e como não compartilho de tal crença, não o aceito, e portanto tentarei refutá-lo.
 
 O primeiro contra-argumento que penso existir é a enorme diferença de valores entre os grupos religiosos, que são os que mais afirmam ter uma moral divina objetiva e inata. Os cristãos católicos, por exemplo, têm milhares de santos, espécies de sub-divindades relacionadas à resolução de vários tipos de problemas (além do apadrinhamento). A ajuda deles é supostamente acessível por meio das orações, que também seriam o canal de comunicação direta com Deus, pelas quais seriam concebidos milagres e favores pedidos ao próprio Criador.

Tais coisas - a oração e a adoração de santos - são características marcantes da confissão cristã católica, e eu não vejo porquê não classificá-las como superstição (http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/16569567). Um exame mais minucioso das superstições será realizado mais à frente, portanto, prossigamos. Os cristãos evangélicos (e as outras denominações protestantes, em geral), ao contrário, são extremamente aversos à adoração de imagens, santos ou ''ídolos'', embora a oração possua a mesma função de canal de comunicação direta com Deus. A origem de tamanha diferença entre esses dois grandes grupos provavelmente está no antigo Império Romano, quando Constantino decidiu unificar seu território transformando o cristianismo na religião oficial do Estado. Uma série de características das religiões pagãs(como as subdivindades, o nascimento em 25 de dezembro, o natal etc) provavelmente foi englobada ao cristianismo nesse período, talvez por meio do sincretismo. Uma situação parecida pôde ser observada aqui no Brasil, quando os escravos cultuavam seus deuses através das imagens dos santos católicos, mixando suas características. Muito tempo depois da unificação do Império Romano, homens como Martinho Lutero e William Tyndale, insatisfeitos com algumas doutrinas da Igreja Católica, tentaram traduzir a Bíblia para seus idiomas, atos que deram origem à um novo segmento cristão, marcado pela moralidade hebraica do Antigo Testamento, principalmente a adoração exclusiva à Jesus e seu pai, Jeová.

 Em resumo, mesmo numa única religião, que adora ao mesmo deus, a diferença de valores é gritante. Observando de maneira mais geral, poderemos ver o quanto é heterogêneo o conjunto moral das várias religiões: enquanto que os hebreus, por exemplo, abominam a homossexualidade, os gregos (ou melhor, os atenienses) viam-na de forma extremamente natural. Ambos acreditavam que o ser humano havia sido criado por um deus.